PARA ALÉM DA FAMÍLIA
(...)
Não se trata de negar a importância vital e amorosa dos pais.
Trata-se de saber qual é o seu lugar e a sua função na produção
desejante, em vez de fazermos o contrário e assentarmos todo o
jogo das máquinas desejantes no restrito código de Édipo. Como
se formam lugares e funções que os pais vão ocupar a título de
agentes especiais em relação a outros agentes? Pois Édipo só existe,
desde o início, aberto aos quatro cantos de um campo social, a
um campo de produção diretamente investido pela libido. Parece
evidente que os pais sobrevêm à superfície de registro da produção
desejante. Mas o problema de Édipo é justamente este: sob a ação
de quais forças se fecha a triangulação edipiana? Em que condições
esta triangulação canaliza o desejo para uma superfície que não o
comportava por si mesma? Como será que ela forma um tipo de
inscrição para experiências e maquinações que a transbordam por
toda parte? É neste sentido, e somente neste sentido, que a criança
reporta o seio como objeto parcial à pessoa da mãe e não para de
sondar o rosto materno. “Reportar” não designa aqui uma relação
natural produtiva, mas um relato, uma inscrição na inscrição, no
Numen. Desde sua mais tenra idade, a criança tem toda uma vida
desejante, todo um conjunto de relações não-familiares com os
objetos e com as máquinas do desejo, que não se relaciona com os
pais do ponto de vista da produção imediata, mas que, com amor
ou com ódio, é reportada a eles do ponto de vista do registro do
processo, e em condições muito particulares desse registro, mesmo
que estas reajam sobre o próprio processo (feedback).
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O anti-édipo
Nenhum comentário:
Postar um comentário