Abaixo da linha de pobreza
Ora vejo a linha de pobreza no contorno irregular
dos prédios, altos, baixos, ou das pequenas casas de
autoconstrução na encosta dos morros.
A linha que mais me atinge é a reta, que vai de
um ponto a outro sem desvio. Sei que nela há
números. Quais, não sei. Ainda que não tenha cor,
peso, e tangencie o invisível, é forte. Li a propósito.
Considero a linha do horizonte a que mais se
aproxima do que imagino ser a linha de pobreza.
Da cidade, ver o horizonte é difícil, ou se apresenta
com defeito. Rememoro-o distante, no fim do mar.
Deve ser de lá que a retiram, a linha de pobreza,
com régua e compasso: para raciocínio e ação.
Pois impossível que não exista primeiro na paisagem,
material, resistente. Tem de existir, como certas
fibras arrancadas à natureza para com elas se fazer
feixes, relhos, assim como servem de enfeite as
penas de belas aves.
Verdade que ao longo da vida passaram-me diante
dos olhos gráficos estampados em folhas de
jornal. Alguns diziam respeito à linha de pobreza.
Neles, seu traçado não remetia ao limite que se
tem do mar, longe, e por vezes mesmo delineou
o contorno de ondas crespas e próximas ou, além,
de escarpas, promontórios. Puras formas da
física terrestre, impetuosas, dramáticas, tocando
o interior dos homens de modo diverso ao da
linha do horizonte - que os acalenta com o sono,
a tranquilidade ou a morte.
Abaixo da linha de pobreza não me chegam ideias.
Zulmira Ribeiro Tavares
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