terça-feira, 30 de abril de 2019

DÉJÀ VU

Um tiroteio no campus de Charlotte da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, deixou ao menos duas pessoas mortas e outras quatro feridas nesta terça-feira (30), segundo a imprensa norte-americana.

Policiais disseram às TVs norte-americanas que o atirador era um aluno da universidade. Até as 20h desta terça, não havia informação sobre o motivo do ataque nem a identidade da pessoa detida. Segundo a polícia local, não há indícios de outros envolvidos no crime.

Dois dos quatro feridos têm ferimentos graves e correm risco de morrer. Não se sabe, por enquanto, a identidade das vítimas do tiroteio. Segundo o serviço médico de Charlotte, esses números podem mudar – as autoridades locais continuam no campus.
(...)

Por G1, 30/04/2019, há uma hora
Se eu sei o que é o amor, é por sua causa.

Hermann Hesse

BETH CARVALHO - Andança

O FIM E O FIM DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO

IX

Na clínica trabalhamos com síndromes psicopatológicas. Elas constituem um sistema aberto à serviço da diferença. Não usamos o diagnóstico psiquiátrico no sentido de essência, rótulo, marca ou natureza do transtorno, da doença, do problema, da crise, etc. O real que nos chega numa consulta, por exemplo, está prenhe de significações que excedem os enunciados simples tipo"você sofre do pânico; você é depressivo, você é psicótico". Estas são verdades-trapaças (às vezes implícitas na fala técnica) que alimentam a auto servidão do paciente. Melhor seria  dizer: seja impaciente! No entanto, como estes mesmos diagnósticos são oficiais, legais, científicos, juridicamente instituídos, faz-se necessário reduzi-los a peças semiológicas de um agenciamento coletivo: o Encontro. Ora, se o cimento do encontro são os afetos (desejos), os dados coletivos (onde? quando? como? quem? por que? para que?) mapeiam tais afetos (conhecidos ou desconhecidos) em prol de vivências ímpares, singularizações. Desse modo, diagnosticar deixa de ser conhecer (até porque esse nunca foi o objetivo da psiquiatria estabelecida) mas ligar, conectar elementos clínicos heterogêneos que fazem produzir modos de subjetivação. Para tal acontecer seguimos linhas do rizoma, linhas de risco. Não é isso a vida? 

A.M.


Obs.: texto revisado e republicado

quando faltou luz
ficou aquele breu e eu
com as mãos tremendo
morta de medo
de tudo se iluminar
de repente


Alice Sant ´Anna

GRAHAM GERCKEN


A alegria não é difícil. Fique atento no seu canto. Basta uma margarida na sua fossa.

Caio Fernando Abreu
NEM SEMPRE ALZHEIMER

Ronald Reagan morreu aos 93 anos sem lembrar que havia sido presidente dos EUA em plena Guerra Fria. Rita Hayworth faleceu aos 68 sem saber que protagonizara Gilda. E Adolfo Suárez partiu aos 81 tendo esquecido que foi o primeiro presidente democrático da Espanha depois da morte de Franco. A cada três segundos um novo caso de demência é diagnosticado no mundo, com resultados demolidores. Mais de um século após a descoberta do mal de Alzheimer, ainda não existe qualquer tratamento possível e nem sequer se compreendem bem as causas da doença.
Uma equipe internacional de cientistas publica agora um documento que poderia ajudar a explicar os motivos de estas terapias experimentais terem fracassado uma após a outra há anos. O Alzheimer nem sempre é Alzheimer. Os pesquisadores, encabeçados pelo norte-americano Peter Nelson, descreveram um novo tipo de demência, batizado LATE (acrônimo do difícil nome científico "encefalopatia TDP-43 límbico-predominante relacionada com a idade") que aparentemente é tão habitual quando o Alzheimer nas pessoas com mais de 80 anos. Ele passou despercebido durante décadas. “Existem mais de 200 vírus diferentes que podem causar o resfriado comum. Por que pensar que só há uma causa par a demência?”, argumentou Nelson, da Universidade de Kentucky, em um comunicado.
(...)

Manoel Ansede, El País, 30/04/2019

MILTON NASCIMENTO - A Última Sessão de Música

segunda-feira, 29 de abril de 2019

PESQUISA DA PAZ

O gasto militar dos EUA subiu no ano passado pela primeira vez desde 2010. A Administração de Donald Trump elevou o investimento em Defesa em 4,6% com relação ao ano anterior, chegando a 649 bilhões de dólares (2,56 bilhões de reais), ou 36% do total mundial, que cresceu até seu máximo histórico. Washington e seu rival estratégico, a China, somam pela primeira vez mais de metade do investimento global em Defesa, segundo os dados publicados nesta segunda-feira pelo Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (SIPRI).
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Carlos Torralba, El País,Madri, 29/09/2019,20:20 hs
Não lembro de ninguém assim tão à flor de si mesmo.

Caio Fernando Abreu

DESPEDIDA EM LAS VEGAS, direção de Mike Figgs, 1995

domingo, 28 de abril de 2019

os três
poderes
são
um só:

o deles


Nicolas Behr
GOVERNO:  UMA DROGA

RIO - Com o decreto que define a nova Política Nacional de Drogas, o governo sinaliza grande mudança no foco do tratamento de dependência química. A tônica do texto é a ênfase no modelo da abstinência — e não mais na redução de danos, prática que é adotada na rede pública de saúde. Antes de assinar o decreto, reforçando a mudança de foco, o governo injetou R$ 153 milhões em comunidades terapêuticas (a maioria de viés religioso, católicas ou evangélicas), que preconizam a reclusão e a abstinência como mote para tratar a dependência química.
(...)

Audrey Furtaneto, O Globo, 28/04/2019, 04:30 hs

NIKITA MANOKHIN


COMANDO DE VOZ

Repetindo: a esquizofrenia (como entidade clínica) é uma construção imaginária  da psiquiatria. Não existe. O que existe é a experiência psicótica encarnada em variadíssimas formas de expressão subjetiva (singularidades), as quais  não são mais que sintomas... dos tempos atuais. Aniquiladas como desejo, tornam-se meras sombras do zumbi moderno. Neurociência: na sinapse das almas aflitas, a psiquiatria opera a varredura do cérebro, extraindo delírios dopaminados. O chamado paciente,  lançado sem retorno na cloaca dos insanos, nem mais precisa dos velhos manicômios. A ação de hoje é extramuros, à luz do sol, à flor da pele. Medicalizar tudo e todos. O círcuito da razão suficiente realimenta seu comando de voz: "seja neuroticamente saudável."


A.M.

sábado, 27 de abril de 2019

Borboletas

Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza, 
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de 
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.


Manoel de Barros

AINDA NÃO VEJO!


Remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.

E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.
(...)

Caio Fernando Abreu
CAVALHEIRO OU CONTROLADOR?

Uma jovem se apaixona por um garoto um pouco mais velho do que ela. Em um primeiro momento, tudo é emoção e paixão. Ela está encantada porque ele a busca com seu carrão na porta do colégio, onde todos seus amigos podem vê-la. E como esse, muitos outros gestos dignos de uma relação adolescente. Um dia, ele a leva às compras e então acontece: um gesto marca a diferença entre uma relação baseada no respeito e uma relação em que uma das duas pessoas quer controlar a outra, a base da violência de gênero. Quando ela escolhe uma camiseta da qual gosta, ele a recrimina e a adverte: “Se eu vou te dar a roupa de presente, sou eu que vou escolhê-la”. Ela volta e devolve a peça.

Essa história pode representar o começo de um grave problema presente na vida de muitas mulheres: os maus-tratos, cujos primeiros sintomas são difíceis de se perceber e que cresce nas relações de jovens (as denúncias por maus-tratos, abusos e agressões sexuais aumentaram 25%, de acordo com o EL PAÍS). Para alertar sobre o problema, também é a história contada nas oficinas feitas com adolescentes por Laura Viñuela, consultora de gênero, especialista em igualdade, educação feminista e prevenção da violência de gênero na adolescência.

Um simples olhar e um breve comentário podem significar algo além de um gesto de carinho como pode ser surpreender a pessoa da relação com uma atitude controladora. É a linha tênue que separa o que conhecemos como um “cavalheiro” de um controlador. O primeiro cuida e é detalhista na relação, seguindo normas estabelecidas pelos dois membros do casal, enquanto o segundo o faz com normas estabelecidas somente por ele. O limite está em respeitar a liberdade que a outra pessoa tem para levar uma vida independente.
(...)

Verônica Palomo, El País, 27/04/2019, 15:31 hs

MARC CARY - Who Used to Dance

Os filhos da época

Somos os filhos da época,
e a época é política.
Todas as coisas - minhas, tuas, nossas,
coisas de cada dia, de cada noite
são coisas políticas.
Queiras ou não queiras,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um brilho político.
O que dizes tem ressonância,
o que calas tem peso
de uma forma ou outra - político.
Mesmo caminhando contra o vento
dos passos políticos
sobre solo político.
Poemas apolíticos também são políticos,
e lá em cima a lua já não dá luar.
Ser ou não ser: eis a questão.
Oh, querida que questão mal parida.
A questão política.
Não precisas nem ser gente
para teres importância política.
Basta ser petróleo, ração,
qualquer derivado, ou até
uma mesa de conferência cuja forma
vem sendo discutida meses a fio.
Enquanto isso, os homens se matam,
os animais são massacrados,
as casas queimadas,
os campos se tornam agrestes
como nas épocas passadas
e menos políticas.

Wislawa Szymborska

Tradução: Ana Cristina Cesar em colaboração com a polonesa Grazyna Drabik.
O SRI, AINDA

Ao menos 15 pessoas, incluindo seis crianças, morreram na madrugada deste sábado (27) durante uma operação das forças de segurança contra um esconderijo de terroristas no Sri Lanka, informou a polícia.

Autoridades haviam recebido um alerta sobre a existência de um possível esconderijo de pessoas ligadas aos atentados do dia 21 de abril em uma cidade chamada Kalmunai, no leste do país.

As forças de segurança chegaram e iniciou-se um tiroteio que durou uma hora. Quando o confrontou terminou, os corpos foram descobertos.

Três homens se explodiram na casa e mataram seis crianças e três mulheres. Outros três morreram fora da residência, informou a polícia.
(...)

Por G1, 27/04/2019, 03:15, atualizado há uma hora

sexta-feira, 26 de abril de 2019

CHRISTINA NGUYEN


LINHAS PARA O MÉTODO DA DIFERENÇA EM PSIQUIATRIA CLÍNICA


É possível estabelecer algumas linhas (práticoteóricas) para o método da diferença em psiquiatria clínica. São elas. 1-Contextualizar o encontro com o paciente: onde? como? quando? com quem? por que? para que? 2- Considerar os afetos em jogo, incluindo os do paciente e do técnico. Não como algo mal-em-si ou bom-em-si, mas como uma positividade, o que move as condutas. Trata-se do desejo. 3- Estabelecer hipóteses diagnósticas conforme a chave semiológica "função versus essência". Fazer prevalecer a função terapêutica. 4- Adotar uma atitude expectante (ao modo fenomenológico) expandindo-a como percepção do imperceptível: a espreita. 5-Percutir os sintomas a partir da vivência que o paciente traz do sintoma. Ou seja, retirar o sintoma da grade biomédica (uma doença) e tratá-lo como modo de existência: "eu sou meu delírio".6-Tentar, na medida do possível, inverter com o paciente para além da empatia. Não sentir o que o outro sente (isso é impossível) mas sentir com o outro. Trata-se de um cuidado, mesmo nas situações mais adversas e estranhas. 7- Evitar a auto-identificação em papéis sociais contrários à expressão da diferença, e que estão juntos ao de psiquiatra biológico. Não ser, pois, juiz, policial ou sacerdote, entre outros agentes da Ordem. 8-Conectando com o ítem 1, avaliar que forças institucionais fazem o paciente falar uma verdade que não é a dele. Criar condições para ele falar em seu próprio nome. 9- Usar o poder psiquiátrico como um contrapoder a favor da expressão do corpo singular. Um exemplo é o do paciente impregnado devido a prescrição equivocada de psicofármacos. A correção deve ser acompanhada de uma orientação técnica ao próprio paciente ou a familiares. 10-Entender que a subjetividade precede os sintomas ou os diagnósticos à la CID - 10. Ou seja, ninguém é bipolar (uma essência) mas  produzido bipolar. Que tudo é produção, inclusive de doença, de medo, de sofrimento. 


A.M.


Obs.: texto revisado e republicado a pedido.

NOSFERATU, de Murnau, 1922

quinta-feira, 25 de abril de 2019

OCEANO DE VÍRUS

Se todos os vírus que vivem no oceano se colocassem em fila, poderiam chegar às 60 galáxias mais próximas da Terra. São a entidade biológica mais abundante no mar e também uma das mais desconhecidas.

Uma equipe de exploradores e cientistas publica nesta quinta-feira o mais completo catálogo desses patógenos feito até hoje. Contém quase meio milhão de espécies diferentes, 200.000 delas totalmente desconhecidas até agora.

Toda vez que respiramos, a metade do oxigênio que entra nos pulmões é produzida por micróbios do plâncton marinho. Os vírus são os demiurgos desse universo microscópico. São dez vezes mais numerosos que os micróbios do plâncton: nos oceanos há 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de vírus, quase três vezes mais que galáxias no universo. Seu tamanho é tão pequeno que representam apenas 5% de toda a massa viva. Todos os dias esses predadores ceifam a vida de um em cada quatro micróbios marinhos, o que reduz algumas populações e alimenta outras com os restos. Também introduzem novos genes nos seres unicelulares, o que modula sua evolução.
(...)

Nuno Domínguez, El País,25/04/2019, 20:56 hs
TERROR DE TE AMAR

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa


Sophia de Mello Breyner Andressen

JOÃO BOSCO no Estúdio Batuta

domingo, 21 de abril de 2019

Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.
(...)

Caio Fernando Abreu
ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

Uma série de explosões em hotéis de luxo e igrejas católicas durante a celebração da Páscoa no Sri Lanka deixou 207 mortos e mais de 450 feridos neste domingo (21), segundo o último balanço das autoridades policiais.
Os atentados ocorreram na capital, Colombo, e nas regiões de Katana e Batticaloa. De acordo com a polícia do Sri Lanka, os primeiros casos ocorreram por volta das 8h45 (0h15, no horário de Brasília) em três hotéis e três templos religiosos que realizavam missas. Mais tarde, outras duas explosões foram registradas na capital, uma delas em outro hotel.
No hotel de luxo Cinnamon Grand, um homem-bomba se fez explodir na fila de clientes que esperava para entrar em um bufê de Páscoa em um restaurante do estabelecimento. "Ele se dirigiu para o início da fila e se explodiu", relatou um funcionário para a AFP. "Era o caos total", acrescentou.
(...)

Por G1, 21/04/2019, atualizado há 1 h.

O PENSADOR


O JOGO DA VIDA

Consideramos o futebol um esporte singular. Arrasta multidões, movimenta paixões como nenhum outro esporte. Sem considerar os aspectos extra-esportivos (econômicos, culturais, políticos, sociais etc) eis aqui ONZE obervações.1-Ele é trágico (intrinsecamente alegre) : expressa o imprevisível, o inesperado, a surpresa... Daí as famosas zebras e o personagem de Nelson Rodrigues "o sobrenatural de Almeida". Aos 49 min. do 2º tempo a bola bateu nas duas traves, passou por trás do goleiro e não entrou. Ou a constatação (por vezes, dolorosa)  de que nem sempre ganha o melhor. 2- O futebol trabalha basicamente (exceto o goleiro) com os pés, órgão  do corpo que não possui a mesma precisão motora  das mãos. 3-Algumas de suas regras são imprecisas, de difícil aplicação no tempo da jogada. Dois exemplos: a falta e o impedimento. Jornalistas idiotas passam horas discutindo o penalty que o juiz não marcou num segundo que teve para decidir... 4-Como consequência do ítem anterior, o juiz tende a errar muito, chamado e confundido com o "juiz ladrão"; 5- No entanto, esse personagem ("juiz ladrão") existe de fato, ao ponto de Nelson Rodrigues "defender" a sua "eterna"presença numa partida de futebol. 6- O futebol é plástico, coreográfico, artístico, o que o coloca para além do aprimoramento da técnica e/ou da profissionalização estrita. Romário disse que nunca foi um atleta... 7- Tomando por base as equipes que vencem, afirmamos que ele é basicamente coletivo, ainda que uma jogada individual possa decidir  o jogo. É que essa jogada individual necessita de um solo firme para nascer. Este"solo firme" pode ser, por exemplo, um médio volante que funciona apenas tomando a bola do adversário e passando-a para o "gênio". Quem é mais importante? 8-Numa partida há oscilações de ritmo, produtividade, humor, ansiedade, que contaminam todo o time. Fatores relacionais (entre companheiros, entre companheiros e adversários, entre o juiz e os jogadores) escapam à observação do torcedor. Isso, claro, acontece em outros esportes, mas no futebol há uma irrupção do novo: " aquela expulsão mudou o rumo do jogo" 9- No contexto anterior, ocorrem"tempos mortos", ou seja, momentos em que nada parece acontecer. A partida se arrasta, se arrasta, quando, de repente... 10- O futebol é "democrático" em suas tragédias ocasionais. Ou seja, qual o time, qual o clube, qual o país que não já sofreu derrotas memoráveis, ainda que tenha vivido outros momentos de glória...? Qual? A seleção canarinho é um ótimo exemplo: 5 vezes campeã mundial, mas oh 7x1 em 2014 , mas oh 2x1 em 1950... etc. 11- Por fim, tudo que foi dito acima não existiria sem um território coletivo (o povo) de intensidades múltiplas e móveis: a experiência da  loucura  encarnada  na torcida.


A.M.



Obs.: texto ampliado, revisado e republicado, a pedido.
Canção a medo

Esse teu silêncio, essa voz
que murmura brevemente
em horas improváveis,
esse castigo de não te alcançar
me assusta:
de que tamanho este iniciante amor
que já me invade tanto, e aonde me leva?

De tal modo
me torna parte de ti
que não sei mas quem sou, que faço,
de que lado me volto para te ver
de longe ao menos, os olhos de promessa
e as mãos que, mal tocando as minhas,
conformam os meus dias.


Lya Luft,

HENRY ASENCIO


sábado, 20 de abril de 2019

A CORTE OFENDIDA

Após ser alvo de mandado de busca e apreensão nesta terça-feira, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), a jovem Isabella Sanches de Sousa Trevisani foi às redes sociais para dizer que não vai se intimidar. O ministro Alexandre de Moraes usou a Lei de Segurança Nacional, editada em 1983, durante a ditadura, para enquadrar a jovem de 22 anos e outros seis investigados por conta de ofensas contra a Corte.

Na manhã desta terça-feira, Isabella fez um live em seu perfil no Facebook para falar sobre a ação da Polícia Federal:

"Essa é a ditadura do Judiciário. Eles querem calar o povo brasileiro que luta contra eles nas ruas, eles querem impedir, censurar de todas as maneiras possíveis. Só tenho um recado a vocês: ministro Alexandre de Moraes, ministros do STF, a vez de vocês está chegando. Vou tacar mais ovos nos carros, nos prédios, onde eu conseguir. Podem me aguardar, não vou me calar, isso não vai me intimidar, não vai intimidar o povo brasileiro. Continuaremos nas ruas contra esse descaso, desrespeito e arbitrariedade que vêm fazendo contra nós."
(...)

Juliana Castro, Época, 16/04/2019, 14:54 hs
Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor.

Nelson Rodrigues

JOÃO BOSCO - Ultra leve

MUNDO PEQUENO


IV

Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. “Sonora voz de uma concha”,
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: “Aromas de tomilhos dementam
cigarras.” Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Língua-pássaro: “Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer”.
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
“Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos.” Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.


Manoel de Barros 
O FIM E O FIM DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO

VIII

"Há somente o desejo e o social e nada mais". Tal afirmação de Deleuze-Guattari, extraída do "delírio" de O anti-Édipo, transmuta-se numa prática ética (que potências?), estética (que criações?) e política (que poderes?) que animam uma psiquiatria inserida na produção desejante e social. O desejo da psiquiatria passa, assim, a ser agenciado como clínica trágica. Isto significa encontrar e"garimpar"as multiplicidades que compõem o paciente, e nem por isso, ou talvez por isso, não são percebidas e daí não trabalhadas. A forma-diagnóstico, terrível megamáquina dos homens de branco, neste ponto é desprezada em prol de algo não nomeado, os devires, o que faz mover as linhas singulares da existência. Usamos o diagnóstico apenas por hábito, como quando se diz "está chovendo" ou "me chamo antonio". O diagnóstico psiquiátrico continua existindo, mas deixa de ter importância no ato de considerá-lo peça de uma clínica do Encontro ou das multiplicidades. Sabemos que essa é uma postura opaca ao entendimento dos psiquiatrões da atualidade, empenhados em cadastrar os sintomas pela via das entidades fixas e dos encaixotamentos pseudocientíficos, bem como de impor ao paciente verdades "baixas" do senso comum. Estas chegam lastreadas num dualismo pétreo e hierarquicamente vertical: "você é o doente, eu sou o médico". Portanto, não há possibilidade de diálogo com a "Grande" psiquiatria, magarefe científico de almas, já que a ético-política do Encontro prioriza as linhas finas da subjetividade. 

A.M.


Obs.: texto revisado e republicado

AUTO ROUBO

Não controlamos devidamente nossas finanças.

E se tudo que conhecemos for uma ilusão, e nada existe de verdade? Nesse caso, acho que paguei demais pelo tapete da sala.

Woody Allen
MEDO DE BELZEBU

Depois de escrever biografias de Cleópatra, a rainha do Egito e Véra Nabokova, a mulher do romancista russo Vladimir Nabokov, autor de Lolita , a premiada jornalista americana Stacy Schiff resolveu investigar o que levou uma cidadezinha de colonos protestantes na Nova Inglaterra a executar 14 mulheres, cinco homens e dois cãezinhos em 1692. No livro  As bruxas: intriga, traição e histeria em Salem  (Zahar, 340 páginas, R$ 89,90), recém-lançado no Brasil, Schiff reconstitui as acusações, o julgamento e as condenações que assombraram a cidadezinha puritana no final do século XVII. Os julgamentos de Salem foram devidamente documentados pela Justiça de Massachusetts, à época uma colônia britânica. Schiff consultou milhares de páginas de processos judiciais e diários pessoais para explicar como medo do demônio fez colonos piedosos denunciarem suas mulheres, seus vizinhos e vários inocentes por bruxaria – mais de 700 bruxas teriam sido vistas sobrevoando Massachusetts naqueles dias tenebrosos. “As bruxas” conta como interesses religiosos, políticos e econômicos sustentaram a cruzada dos cidadãos de bem da colônia contra aqueles que decerto tinham parte com o diabo e mulheres que incomodavam por saber um pouco demais.
Schiff, vencedora do prêmio Pulitzer, conversou com ÉPOCA sobre a reabilitação das bruxas pelo movimento feminista e as semelhanças entre Salem e as redes sociais. 
(...)

Ruan de Sousa Gabriel, Época, 20/04/2019, 12:28 hs


EMIL NOLDE


TARDE NUMA PRAÇA

a matemática das ruas 
e suas esquinas perpendiculares e calçadas paralelas 
com imperfeições imperceptíveis 
e quadras em retângulos 
que terminam em praças circulares 
por onde passam carros a sessenta por hora 
e pessoas atarefadas 
e onde se sentam pessoas 
que jogam o tempo e os silêncios 
aos pombos indiferentes 

Ana Elisa Ribeiro
UCRÂNIA: UM HUMORISTA NA PRESIDÊNCIA?

A política a cotoveladas. Em um estádio olímpico e com um ambiente mais parecido a um jogo de futebol do que a um debate eleitoral, os dois candidatos a presidir a Ucrânia mediram forças num dos últimos atos na corrida eleitoral nesta sexta-feira em um agressivo combate de boxe verbal. Com milhares de pessoas insuflando o embate, separados por um cordão policial, com uma banda de rock para abrir o debate, e sobre um palco épico, o atual presidente, Petro Poroshenko, e o cômico Volodymyr Zelenskiy trataram de apresentar seu projeto de país aos ucranianos que vão às urnas neste domingo. Mas o esperado debate não foi tal senão um ruidoso comício por turnos. O bronco ato final de uma campanha eleitoral inédita. Não só no espaço post soviético, como em toda Europa.
Com todo o país pendente do debate eleitoral olímpico e metade do mundo olhando para a Ucrânia, o último país em guerra do Velho Continente, os dois candidatos trocaram ofensas sobre corrupção, a guerra do Leste, o idioma ucrânio e suas finanças pessoais. E obviamente, a vizinha Rússia. “O país precisa de um líder forte, um líder que possa continuar dirigindo a coalizão internacional que construímos”, clamou Poroshenko. “Não sou um político, sou uma pessoa simples, resultado dos erros e das promessas não cumpridas por Poroshenko. Venho para romper o sistema”, clamou Zelenskiy.
(...)

María S. Sahuquilho, El País, Kiev, 20/04, 11:25 hs

Ryuichi Sakamoto - Amore (Playing The Orchestra 2013)

PARA ALÉM DO ESPECIALISMO

Uma das instituições mais poderosas dos tempos modernos é o "especialismo". Produto direto do avanço tecnológico e do modo de produção capitalístico, o especialismo se alastra e se apresenta em toda a parte onde alguém não sabe do que se trata e como fazê-lo, mas alguém sabe. E cobra por isso. Em termos operacionais, está longe de ser um mal, ao contrário. "Você sabe qual é a maneira tecnicamente correta de subir essa escada?", pergunta aflita para um momento de aperto nas tarefas de manutenção do cotidiano. Portanto, nada contra o especialista (a área da saúde é pródiga, a universidade também, etc). A questão é outra. Ela diz respeito a duas instâncias que compõem os modos de subjetivação, ou seja, as pessoas. Uma é a do poder. A outra é a da identidade. Um esboço para a discussão seria: uma sensação de poder confere ao especialista a certeza da verdade num mundo de caos. Por sua vez, a identidade vem completar a vivência de ser alguém que sabe mais do que os outros, ou que sabe mais que a média das pessoas. Poder e identidade compõem um dueto conceitual que serve como chave para instrumentalizar o especialismo sob as formas mais simples ou mais complexas. O essencial é que o especialismo costuma ser o apogeu da técnica à servico do status quo. Um ato de resistência política ante o instituído resvalaria na pergunta que intimida: "você sabe do que está falando?", ou então "você entende disso?" ou então (no campo acadêmico) "você já leu Kant?" dito por um especialista em Kant. No arcaísmo binário que intoxica a política atual (direita versus esquerda) perguntar-se-ia: "você sabe o que é fascismo?", o que já não seria bem uma pergunta para intimidar e sim para contextualizar o jogo. Sairíamos do reino do especialismo para o da vida nua.

A.M.

Jeanne Moreau - Miles Davis - Louis Malle - Paris - 1958

sexta-feira, 19 de abril de 2019

(...)
Os quatro evangelhos diferem às vezes sobre o grupo de mulheres valentes que desafiaram tudo para estar ao lado do crucificado. Mas todos eles sempre mencionam Maria Madalena como a líder do grupo. E foi para ela que Jesus apareceu primeiro, antes de aparecer para os apóstolos. É algo que sempre atormentou um dos mais famosos pais da Igreja, São Tomás de Aquino, que se perguntava, desconsolado, por que Jesus, que tinha criado uma comunidade de apóstolos, todos homens, teve de aparecer para uma mulher. Sobretudo quando, na cultura judaica daquela época, a mulher não podia nem estudar as Escrituras nem ser testemunha confiável em um julgamento. E se a mulher era descoberta em adultério, era condenada à morte por lapidação. O homem, não.
(,,,)

Juan Arias, El País,19/04/2019, 17:06 hs
Deitada no ombro dele, ela via seu rosto muito próximo. Esse era o sonho, nada mais.

Caio Fernando Abreu

GRAHAM GERCKEN


OUTRAS AMPLIDÕES

(...)
Se o desejo é recalcado, não é por ser desejo da mãe e da morte do pai; ao contrário, ele só devém isso porque é recalcado e só aparece com essa máscara sob o recalcamento que a modela e nele a coloca. Aliás, pode-se duvidar que o incesto seja um verdadeiro obstáculo à instauração da sociedade, como dizem os partidários de uma concepção de sociedade baseada na troca. Vê-se cada coisa... O verdadeiro perigo não é este. Se o desejo é recalcado é porque toda posição de desejo, por menor que seja, pode pôr em questão a ordem estabelecida de uma sociedade: não que o desejo seja a-social, ao contrário. Mas ele é perturbador; não há posição de máquina desejante que não leve setores sociais inteiros a explodir. Apesar do que pensam certos revolucionários, o desejo é, na sua essência, revolucionário — o desejo, não a festa! — e nenhuma sociedade pode suportar uma posição de desejo verdadeiro sem que suas estruturas de exploração, de sujeição e de hierarquia sejam comprometidas. Se uma sociedade se confunde com essas estruturas (hipótese divertida), então, sim, o desejo a ameaça essencialmente. Portanto, é de importância vital para uma sociedade reprimir o desejo, e mesmo achar algo melhor do que a repressão, para que até a repressão, a hierarquia, a exploração e a sujeição sejam desejadas. É lastimável ter de dizer coisas tão rudimentares: o desejo não ameaça a sociedade por ser desejo de fazer sexo com a mãe, mas por ser revolucionário. E isto não quer dizer que o desejo seja distinto da sexualidade, mas que a sexualidade e o amor não dormem no quarto de Édipo; eles sonham, sobretudo, com outras amplidões e fazem passar estranhos fluxos que não se deixam estocar numa ordem estabelecida. O desejo não “quer” a revolução, ele é revolucionário por si mesmo, e como que involuntariamente, só por querer aquilo que quer.
(...)

G. Deleuze e F. Guattari in O Anti-édipo
pôr de lua

estou naquela fase
cheia de resumo

foge-me o verso
a rima escapole-me

peço a são jorge
lave-me leve-me

love me



Líria Porto

O FIM E O FIM DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO

VII

O declínio do diagnóstico psiquiátrico refere-se à sua função terapêutica, e não à sua função de controle. Na prática da diferença, de nada adianta enunciá-lo se o desejo não for o de encontrar o paciente, e assim, poder ajudá-lo. A psiquiatria oficial não quer isso, não funciona assim, ela é a psiquiatria do Mercado, portanto, comércio de almas aflitas. Trabalhamos com grandes síndromes (coleção de sinais e sintomas - as síndromes depressivas, por ex.) mas sempre na perspectiva do Encontro, enquanto a técnica vem depois... Um olhar ético-estético e político estabelece as linhas do Encontro. Assim, a crítica ao diagnóstico psiquiátrico não é algo dito e assumido fora da prática psicopatológica. Ao contrário, brota de dentro da relação com o paciente, de dentro do real atualizado em signos dispersos e intrigantes. Que é isso? O que se passa?O que se passou? Uma perplexidade se instala como paradoxo. Existe hoje quase extinção do diagnóstico porque explodem por toda parte mil diagnósticos. Eles se equivalem como função de controle homogeneizante para milhões de bipolares, psicóticos, borderlines..

A.M


P.S. - Texto revisado e republicado.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Ferreiro

malhar o ferro frio
até que do bruto
metal desponte
o fio da navalha

malhar até que o aço
rubro de cansaço
se renda ao sopro
de um calafrio

e que da matéria
distante e alheia
salte faiscante

uma centelha


Carlos Machado

segunda-feira, 15 de abril de 2019

atravessando deleuze

Um território não se restringe a um local físico, nem serve de referência para uma utopia. É um possível espaço a ser habitado de maneira nômade, como a filosofia de Gilles Deleuze. Ele não é propriedade de alguém, nem terra de ninguém; neste território e nesta filosofia se desdiz o credo dos evolucionistas que viam os nômades como destruidores da natureza. Também não se pode dizer que há uma filosofia de Gilles Deleuze, mas sim uma filosofia deleuziana da diferença, em que o filósofo não está sozinho, não é o mestre que requer discípulos, mas que reúne para compartilhar. Trata-se de uma filosofia da diferença e não de uma filosofia diferente, morada dos habituais freqüentadores dos modelos.
(...)

Édson Passeti, atravessando deleuze, 2005

NELA

Aos caminhos, eu entrego o nosso encontro...

Caio Fernando Abreu

domingo, 14 de abril de 2019

MARC CARY

As boas intenções têm sido a ruína do mundo. As únicas pessoas que realizaram qualquer coisa foram as que não tiveram intenção alguma.

Oscar Wilde
Aviso

Se me quiserem amar, terá de ser agora:
depois, estarei cansada.
Minha vida
foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e fixo:
assim garanto a minha sobrevida.
Se me quiserem amar, terá de ser hoje:
amanhã, estarei mudada.


Lya Luft

ILIA YEFIMOVICH REPIN


Aquilo que a poesia realiza com o poder de dizer, a política e a filosofia devem realizar com o poder de agir.

Agambem  in O Fogo e o Relato. 
O QUE É TRAIR A PSIQUIATRIA?

"Trair" é um termo conotado a algo ruim. No entanto, é possível usá-lo no campo institucional, mais precisamente em relação a psiquiatria.Neste caso "trair" significa criar desde o interior do funcionamento psiquiátrico práticas (incluindo práticas teóricas) que utilizem referências fora da psiquiatria (a arte, a filosofia, a sociologia, a literatura, etc) e com ela estabeleçam nexos clínicos. Pois tudo passa pela clínica. Vejamos o exemplo da nosologia psiquiátrica. Frente a  aberração epistemológica que é a CID 10, capítulo F, a prática de trair usa os tais diagnósticos como funções terapêuticas e não como essências imutáveis. É que estas atolam o paciente em entidades clínicas imaginárias, sabotando o desejo no que lhe resta de processo existencial singular. Muito se criticou e se critica a psiquiatria, ao ponto de demonizá-la. Isso é relativamente fácil de fazer, já que a critica vem de fora, ou seja, onde está ausente o contato direto com o paciente, o cotidiano dos problemas psicossociais (nos serviços de saúde mental), enfim, a crueza do real. São os signos da clínica. No centro dessa ausência instituída, naturalizada, os aparelhos acadêmicos são um exemplo lapidar. Executam seu mister com competência. Geram projetos de pesquisa, programas, mesas redondas, debates, artigos, dissertações e teses tão brilhantes quanto inócuas em relação a mudanças efetivas no campo da saúde mental.  Tais agentes da verdade não são, óbvio, traidores, mas trapaceiros do conhecimento, pois o usam como instrumento de poder, prestígio e ascenção na pirâmide universitária. O argumento infalível é, em geral, o do humanismo a priori da medicina e da academia. O Bem como transcendência.  Ora, "trair" no caso psiquiátrico, nada tem a ver com a academia.  Trata-se apenas de usar fragmentos do saber médico (entre outros) a favor de práticas clínicas onde a ética da produtividade existencial, a estética das criações de si mesmo e a política do enfrentamento com os poderes visíveis e invisíveis, se aliem e se potencializem. Isso é abastecer uma máquina coletiva de pensar a realidade social e não a de pensar sobre a realidade social. Mas poucos suportam...

A.M.


P.S. - Texto publicado originalmente em 30/03/2018, revisado e republicado.

sábado, 13 de abril de 2019

FESTIVAL DE MÚSICA PHONO 73 - Centro de Convenções do ANHEMBI, São Paulo, 13 de maio de 1973

FÉ PÚBLICA

O músico e estudante de fotografia Johnny Jamaica é usuário de maconha assumido e orgulhoso: para ele, o consumo da erva é uma atitude política e estética, parte da sua visão de mundo. Era comum carregar porções da substância para uso próprio. Em 17 de fevereiro de 2016, uma abordagem transformou o jovem negro, então com 24 anos, em um traficante. Ao ser pego com 15 gramas da droga, ele afirma que policiais militares de São Paulo “plantaram” com ele mais 100 gramas e uma balança. Foi o suficiente para a Polícia Civil aceitar a ocorrência, o Ministério Público transformá-la em denúncia e a Justiça o considerar culpado por tráfico de drogas. As únicas provas: o testemunho dos PMs e a porção de maconha.
O caso vivido pelo músico exemplifica a lógica recorrente em condenações por tráfico. Na Justiça, as versões contadas por policiais valem como prova incontestável e, muitas vezes, única, mesmo em situações claramente inverídicas. Delegados, promotores e juízes se baseiam na noção de que funcionários públicos têm “fé pública”, ou seja, tudo o que dizem deve, em princípio, ser considerado verdade.
(...)

Arthur Stabile (Ponte) , El País, 13/04/2019, 20:41 hs
insônia

a boca escancarada da noite
os urros do silêncio
as teclas mudas

não tilintam os cristais
não estilhaçam a vidraça
amantes não sussurram
não há sinos de igreja
o mundo acabou
o relógio dorme
o tempo não passa

onde estão os latidos
os galos os gritos
os olhos do sol?

na cama
o corpo exausto
o vazio da tua ausência
e os mil anos desta noite
que nos engole
que nos vomita


Líria Porto

ORQUÍDEAS ETERNAS


Raramente encontro uma pessoa rara ou interessante. É mais que perturbador, é um choque constante.

Charles Bukowski
NIETZSCHE: O QUE É VIVÊNCIA?

O conceito de vivência vai se tornando cada vez mais importante para Nietzsche ao longo de sua obra. Principalmente a partir de Aurora. Uma vivência leva tempo para tornar-se madura e o mesmo vale para ela enquanto conceito para Nietzsche. As vivências estão sempre inscritas no corpo, e isso não acontece da noite para o dia.

Em um primeiro momento ela é a imediaticidade da vida, é simplesmente um “estar presente quando algo acontece“, uma ligação direta, um estar lá sem mediações. A vivência possui neste momento muito mais um conteúdo estético do que racional, sua importância é sentida na pele! Em um segundo momento, ela é algo que possui um significado, não é algo que passa desapercebido, pois foi vivida com intensidade. A vivência é algo de único, de imediato, resultado de experimentações, mas que passa dias, meses, mesmo anos sendo processada. São as vivências que constroem a roupagem de uma pessoa.

Trata-se de uma experiência estética-individual-imediata. Vivência como contra-conceito da razão! Uma razão inadequada! Não é racional, por isso seu conteúdo está sempre parcialmente obstruído. Nietzsche traz este conceito em contraposição à razão tradicional. Claro, pois a vida necessita agora ser avaliada apenas pela própria vida e na própria vida! Não por uma razão despótica! Quem poderia avaliar uma vivência senão uma vida como constante processo?
(...)

Rafael Trindade, do site Razão Inadequada

NTR Podium | Nederlandse Dans Dagen

O amor de agora é o mesmo amor de outrora

O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.


Dante Milano
FEMINICÍDIO E ARMAS DE FOGO

A taxa de mortes de mulheres por armas de fogo (homicídios e suicídios) no Brasil caiu em 2,4% entre 2006 e 2016. Embora pareça trazer uma boa notícia, a redução da violência letal contra mulheres com emprego de arma de fogo, esse número esconde uma situação preocupante: em 17 das 27 unidades federativas foi registrado aumento das taxas de homicídios de mulheres por armas de fogo no período analisado. Esse é o resultado do levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), do Senado Federal, a pedido da Agência Patrícia Galvão.

Além de revelar uma grave disparidade regional nos registros desses assassinatos de mulheres, o resultado chama a atenção para a importância da análise de dados para orientar decisões relacionadas aos processos de formulação, implementação, avaliação e aprimoramento de políticas públicas.

No caso analisado pelo OMV, quatro dos cinco Estados mais populosos do Brasil apresentaram uma considerável redução na taxa de mortes de mulheres por armas de fogo, seja em razão de homicídios ou de suicídios, entre 2006 e 2016. A queda dessas taxas em São Paulo (-59,2%), Rio de Janeiro (-41,3%), Minas Gerais (-26,5%) e Paraná (-32,2%) ajuda a explicar a redução na ordem de -2,4% do número de mortes por armas de fogo por 100 mil mulheres no Brasil no período considerado. Contudo, esse dado esconde que a maioria dos Estados apresentou um aumento alarmante desses índices. Em Estados como Acre (+524,1%), Maranhão (+182,2%), Ceará (+165,2%), Rio Grande do Norte (+155,5%) e Roraima (+110,6%) verificou-se que a taxa de mortes de mulheres por armas de fogo em 2016 mais do que dobrou na comparação com 2006.

A análise desses dados ganha relevância no debate em torno das possíveis consequências de políticas públicas voltadas à segurança das mulheres. O Governo do presidente Jair Bolsonaro tem, por exemplo, na política de flexibilização da posse de armas de fogo um dos pilares para dar maior segurança à população. Coletivos feministas têm alertado para o risco de um aumento do assassinato e suicídio de mulheres em um contexto de violência doméstica e familiar, conforme mostra a campanha #ArmadasDeInformação.

Isso porque, em geral, o autor do homicídio no contexto de violência doméstica é o companheiro da vítima. O coordenador do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, Henrique Ribeiro, manifesta preocupação de que “o acesso à arma de fogo poderia levar a um aumento no número de suicídios de mulheres em razão de sofrerem violência doméstica”. Ele lembra que um estudo publicado em 2016 pelo Ministério da Saúde já apontou que mulheres identificadas como em situação de violência pelos serviços de saúde apresentaram 29 vezes mais chances de serem vítimas de assassinato ou de cometerem suicídio em comparação com a população feminina em geral.

Dados de fontes seguras sistematizados em séries históricas têm ajudado a dimensionar o fenômeno da violência machista. Segundo Henrique Ribeiro, no caso das mortes de mulheres por armas de fogo, por exemplo, “a análise de informações em nível de município, ou mesmo de bairro, por exemplo, poderiam ajudar o poder público a evitar um maior número dessas mortes”.

Embora estejam sendo produzidas cada vez mais pesquisas que reúnem evidências importantes sobre a urgência e gravidade da violência de gênero, a subnotificação, ou seja, as vítimas que não denunciam casos de violência por medo ou vergonha, é apontada como um dos desafios a serem superados para abordar políticas públicas eficientes. A disseminação de uma cultura de dados abertos é visto como um fator fundamental que órgãos públicos podem facilitar nesse sentido.
(...)

Eliane Barros (Agência Patrícia Brandão), El País, São Paulo, 13/04, 12: 07 hs