sábado, 20 de abril de 2019

PARA ALÉM DO ESPECIALISMO

Uma das instituições mais poderosas dos tempos modernos é o "especialismo". Produto direto do avanço tecnológico e do modo de produção capitalístico, o especialismo se alastra e se apresenta em toda a parte onde alguém não sabe do que se trata e como fazê-lo, mas alguém sabe. E cobra por isso. Em termos operacionais, está longe de ser um mal, ao contrário. "Você sabe qual é a maneira tecnicamente correta de subir essa escada?", pergunta aflita para um momento de aperto nas tarefas de manutenção do cotidiano. Portanto, nada contra o especialista (a área da saúde é pródiga, a universidade também, etc). A questão é outra. Ela diz respeito a duas instâncias que compõem os modos de subjetivação, ou seja, as pessoas. Uma é a do poder. A outra é a da identidade. Um esboço para a discussão seria: uma sensação de poder confere ao especialista a certeza da verdade num mundo de caos. Por sua vez, a identidade vem completar a vivência de ser alguém que sabe mais do que os outros, ou que sabe mais que a média das pessoas. Poder e identidade compõem um dueto conceitual que serve como chave para instrumentalizar o especialismo sob as formas mais simples ou mais complexas. O essencial é que o especialismo costuma ser o apogeu da técnica à servico do status quo. Um ato de resistência política ante o instituído resvalaria na pergunta que intimida: "você sabe do que está falando?", ou então "você entende disso?" ou então (no campo acadêmico) "você já leu Kant?" dito por um especialista em Kant. No arcaísmo binário que intoxica a política atual (direita versus esquerda) perguntar-se-ia: "você sabe o que é fascismo?", o que já não seria bem uma pergunta para intimidar e sim para contextualizar o jogo. Sairíamos do reino do especialismo para o da vida nua.

A.M.

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