terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Transtornos    da    personalidade :  problemas (*)


                                                                                                            Antonio Moura
                         
                              

Consideramos  histórias clínicas em que as hipóteses diagnósticas  esgotam   as categorias  da  CID-10,  exceto uma.   Desse modo, é   freqüente se  recorrer  ao  chamado “transtorno da personalidade”  (TP) ou mesmo   ao   que       era   antes   chamado de “personalidade psicopática”   ( termo  criado  por  Kraepelin  em 1904 )  como     uma    saída   aos    impasses  da clínica   psicopatológica.  Isso  advém da  dúvida:   será   uma   psicose? [1] .  A psiquiatria, enquanto   sistema nosológico-conceitual ,  não  sabe  definir com precisão  uma psicose.  Tomemos  o exame de um paciente:  de acordo com  a  semiologia ,      não há     delírios, alucinações, nem ruptura com a  realidade; por outro lado,  desvios de conduta,   às vezes  graves,  atestam  algum signo  necessário para se  poder dizer afinal   do que se  trata. Descrevendo uma personalidade [2]    em seus padrões anormais, incluímos o que ele, o portador, faz no mundo:  atos, atitudes,  interações com pessoas, desempenho de papéis sociais,  capacidade laboral e outros parâmetros.  O paciente,   excluídas    informações  de  terceiros,    se  acha e  se  mostra  mentalmente  são.   Em certos casos, é pessoa de  conversa fácil e discurso que  flui  espontâneo. O pensamento se expressa em frases conexas.  No mais, segue o percurso das conversações amenas, ditas normais. Em outros casos  até  poderá ficar tenso, a depender do contexto institucional, como, por exemplo,  ser   entrevistado  numa  prisão.  O essencial a reter desses dados  clínicos é  que o TP[3]   tende a escapar do molde  psiquiátrico. A psiquiatria lhe é estranha, exceto talvez por um ato de força  executado  por ordem do juiz. Diferentemente  da psicose, tal personalidade não vacila diante de  pressões sociais: confesse! Ora, uma  Personalidade funciona  num mundo social  cujas   linhas de conduta estão longe de serem retas e programáveis. Desse modo,  o diagnóstico deve   compor   um dispositivo para  avaliação contingencial. O contrário  seria    um  enquadre apenas   técnico ,  o  que equivale  a  prática  do  estigma social   disfarçado  de ciência pura.
Avaliar uma personalidade é partir das circunstâncias  sociais   que levam   o paciente a tal exame. Além   do    Anti-social, descreveremos   de modo sumário os demais  tipos    relacionados na CID-10 [4]. Paranoide, Esquizoide, Emocionalmente Instável,  Histriônico, Anancástico,  Ansioso, Dependente. Em seguida, uma   ênfase   será     dada   ao Emocionalmente Instável e ao   Anti-social. Tal opção deve-se ao fato de que estes dois  tipos, bem  mais que os outros,  produzem um desconforto e um desafio  à psiquiatria  clínica, tanto  no   diagnostico    quanto  no   tratamento (...)

(*) Do livro Trair a psiquiatria

[1] É claro que a  dúvida excede a questão da psicose e abrange outras síndromes como os neuroses graves, os  retardos mentais, os transtornos orgânicos e do humor. Destacamos a psicose devido a proximidade empírica com a loucura e   daí  à existência do delírio.
[2] “Os TP deveriam ter como ponto de partida o conceito de personalidade, por sua vez muito maltratado. Em geral, os psiquiatras estudam TP sem esboçar qualquer definição de personalidade. Nem propõem a escolha de uma das suas muito numerosas definições (Alport contava em 1937 mais de 50 definições; Alonso Fernandez, em 1973, falava de várias centenas  de definições), Sonenreich, C., Estevão, G. e Artenfelder, L de M., Psiquiatria: propostas, notas, comentários, São Paulo, Lemos Editorial, 1990, p.154.
[3] Referimo-nos,  sobretudo, ao tipo “anti-social”, outrora chamado “psicopata”. No entanto, os demais tipos também  tendem   a  escapar do molde biomédico,   em função de   dados psicossociais e históricos  relevantes.
[4] São muitos os sistemas classificatórios dos TP. Kraepelin (1915), Schneider (1923), DSM-IV, CID-10, entre outros.

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