quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

USAR PSICOFÁRMACOS? (*)

                                                                                                    
                                                                                                  Antonio Moura


Desde 1952   nos  acostumamos a ver o paciente mental sob  o   efeito de algum remédio químico. Este  se   tornou peça indispensável, não só  para o tratamento, mas na constituição de uma  subjetividade enferma.  Na década de 90 os fármacos avançam e substituem   a psicopatologia.  Torna-se  um hábito   ver o paciente mental como  expressão-efeito   da química.  A indústria  produz  o  pensar  medicamentoso   como  campo por excelência  do desejo. O objetivo  maior é o de     manejar   os sintomas. Como tudo é sintoma, ou    passou a sê-lo, incluindo  o paciente,  o objetivo  de  passar  remédio  tornou-se o de excluir  o pensamento e a  existência.
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Em psiquiatria clínica, é   possível    usar  poucas  associações medicamentosas?  Elas embotam o paciente e o psiquiatra. Nestes casos   um diagnóstico  revelador  do que se passa,  costuma ser  descartado. Se, além do mais,    for   difícil   captar a vivência mórbida,  ficar  na  espreita do acontecimento   é um ganho ético.  Escutar  o vento nas orelhas do paciente. Ou  apenas  contemplar o que ele diz e o que  se vê.   Isso basta para começar o trabalho de   garimpagem dos signos. Percutir  as   linhas do   desejo  talvez   faça    surgir   algo  que   não  anseie  por  fármacos.  

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O psiquiatra envia signos significantes  que o paciente decodifica de acordo com  pelo  menos  duas  máquinas: uma  de subjetivação e  outra  de semiotização [1]. Daí ele  pede remédios, sempre mais remédios   que lhe ajudem.   Isso ocorre  nos casos  em que há ou não   sentimento de estar doente. O que  importa é que a  necessidade de  psicofármacos  está atrelada ao poder concentrado na figura do psiquiatra. A prescrição é uma palavra de ordem.

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Quando o psiquiatra prescreve uma droga, ele vai junto com a droga, dissolvido nela, adentrando ao universo subjetivo do paciente. Chamamos  de “universo subjetivo” o corpo intensivo que produz um mundo, mesmo que seja produção de destruição, como no caso das depressões.  Na clínica, já que o médico, como figura simbólica,  é  o comprimido, ele constitui o paciente como modo farmacológico de subjetivação.  Esse fato começa a ser danoso quando o paciente é  reduzido  a uma boca que consome drágeas  em horários posológicos.

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A relação psiquiatra-paciente está marcada pela história do poder psiquiátrico  consolidado  no  século XIX [2].  Nos dias  que  correm, são muitas as suas  máscaras. Existe, por exemplo,  a psiquiatria biológica em sua versão humanista.  Ela concebe o paciente como um organismo avariado. O psiquiatra   prescreve remédios à mão cheia. Isso lhe garante uma estabilidade existencial, para não dizer material. Antes da técnica, o prestígio da ciência lhe confere  um lugar diferenciado. Por isso o ato de medicar se reveste de nuances quase sempre  desconhecidas. A academia comparece  com o seu aval.

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O remédio químico parece ser  a saída  dos males civilizatórios. Do admirável mundo novo  aos dias atuais,  a psiquiatria desponta como representante de  um  conservadorismo,  com ares de ciência exata.  A  capacidade de manobra política junto ao estado e ao mercado não deixa de impressionar. Há uma espécie de imbecilidade programada que  circula como  verdade. O paciente, situado na ponta dos efeitos subjetivos do capital, responde  ok  à fabricação de si mesmo. Uma tarefa do  técnico  em  saúde mental se mostra, pois,   um   desafio  impossível   e   lúcido [3].

(*) Do livro Trair a psiquiatria

[1] São máquinas do desejo: 1-ser semelhante ao seu psiquiatra; 2-acreditar no que  seu psiquiatra acredita.
[2] Ver Foucault, M., O poder psiquiátrico, S. Paulo, Martins Fontes, 2004.
[3]Referimo-nos ao trabalho  técnico na equipe  multidisciplinar atuando nos Caps e em  outros serviços.

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