Presentes recíprocos, por Cristovam Buarque
Os historiadores terão dificuldades para explicar como foi possível a sociedade brasileira desprezar tanto suas crianças.
Como foi possível a sexta economia do mundo não ser capaz de cuidar decente e competentemente de suas crianças, deixando milhões delas fora da pré-escola, sabendo que centenas de milhares de mães são obrigadas a deixar seus filhos na primeira infância sob os cuidados de outros filhos, às vezes com 10 anos de idade, retirados da escola para este trabalho.
Por que esta rica sociedade ainda tem fora da escola 3,5 milhões dos seus 50 milhões em idade escolar? E aqueles matriculados que, em sua grande maioria não frequentam, não assistem, não permanecem na escola e não aprendem?
Por que apenas 40% terminam o ensino médio, e em cursos sem qualificação? Como foi possível tratar tão desigual a infância conforme a renda dos pais?
E como explicar, que em pleno século XXI, centenas de milhares de meninos e meninas fiquem nas ruas do Brasil e cerca de 100 mil submetidos à exploração sexual?
E como será possível explicar daqui a 20 anos, que nos últimos 20, pelo menos 10 mil crianças tenham sido assassinadas, uma média de 14 por dia?
Os historiadores ficarão perplexos quando descobrirem que esse quadro persiste, apesar de o Brasil comemorar o Dia da Criança, em 12 de outubro, desde 1924.
Alguns historiadores dirão que o maltrato e o abandono são lendas criadas sobre o passado. Outros darão explicações culturais: o imaginário egoísta e imprevidente da população brasileira, com alta preferência sobre o consumo material no presente, um povo que não respeita a atividade intelectual nem considera riqueza o acúmulo de conhecimento.
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