Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
A DEPRESSÃO PRODUZIDA
“ A depressão se encontra hoje em dia generalizada e quanto mais sobre ela se fala, se escreve e se pesquisa, tanto mais ela é encontrada nos mais insuspeitos recônditos de nossa civilização. O significante é realmente criacionista e o significante depressão parece ter engendrado o batalhão de sujeitos que assim qualificam seu estado d ´alma quando se encontram tristes, desanimados, frustrados,enlutados, anoréxicos, apáticos, desiludidos, entediados, impotentes,angustiados etc.Antes nós não os percebíamos? Onde se escondiam?”
Quinet, A., Atualidade da depressão e a dor de existir in Extravios do desejo – depressão e melancolia, A. Q. (org), Rio, Marca d´Água, 1999, p.87.
UM PERSONAGEM CONCEITUAL : A CRIANÇA
Na clínica trabalhamos com vários personagens conceituais. Eles estimulam o pensar como ato de criar. Fazem o Acontecimento emergir, ainda que sob condições por vezes adversas.Comecemos pela criança. Separamos 10 características e como elas se expressam nos modos de subjetivação. 1-o frescor sensorial: tudo é novo; 2-a ausência de clichês perceptivos ou, no mínimo, funcionando em linhas flexíveis; 3- o primado da alegria; 4-o não ressentimento; 5-o sentimento de admiração para com o universo: oh! ah!; 6- a atividade motora incessante; 7- viagens insólitas na superfície das coisas; 8-a produção desejante: conexões para todos os lados; 9-o movimento lúdico do corpo: intensidades múltiplas; 10-o uso leve e delicado da linguagem, mormente quando balbucia.
A.M.
ESTAMOS TODOS DEPRIMIDOS
As depressões são um tema muito importante nos tempos atuais. A CID-10 inclui a maior parte delas no item “transtornos do humor”. Isso nos parece reducionista em função do destaque conferido ao humor. “O que é chamado de afeto ou humor, na Psiquiatria, é muito mal definido para constituir a base de uma categoria diagnóstica”. Ele é posto como função psíquica passível de mensuração, ou pelo menos destacável em termos objetivos. Ora, as depressões são bem mais do que “transtornos do humor”, tanto referidas ao quadro clínico quanto à origem (etiologia). A não consideração da vivência do paciente é uma das raízes do problema. Mas não só. Há que registrar, entre outros fatores, o interesse da indústria farmacêutica nos quadros nosológicos tidos como de“alteração do humor”, já que estes devem ser normalizados com remédios. O problema se coloca na própria avaliação psicopatológica. Começa, então, pela clínica.
(...)
A.M.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
O NON-SENSE E A CLÍNICA
A alegria subverte a clínica. E não é maníaca, tampouco faz o par alternante com a depressão. A alegria é o combustível da produção desejante de territórios existenciais. Ela se espraia para além de duas pessoas que se olham sob uma linha de verticalidade hierárquica. Nada a ver com a alegria fluoxetínica pois ela, além de padecer da falta nos circuitos explorados, não se reduz à adequação do paciente ao meio social. A equação “bom comportamento=alegria” será substituída pela “potência=produção de mundos”. O humor é a leveza que permeia os corpos. Tudo a ver com o modo psicótico de viver sem a crosta psiquiátrica. Não existe o “psicótico puro”. Esta experiência, ao contrário, é marcada por mil fluxos que chegam de fora, que são o Fora. Mistura e dissolução dos códigos, poucos o suportam, vivendo que estão sob a égide da Técnica. Desviar o humor para o non sense é um sentido. A psiquiatria biológica não compreende. A alegria chega sem explicações. Insistimos nos devires inauditos como forma de estar presente e afirmar uma prática escrita na pele: o acontecimento, enfim.
(...)
A.M.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
O PONTO DE DEMÊNCIA
"O verdadeiro charme das pessoas reside em quando elas perdem as estribeiras, quando não sabem muito bem em que ponto estão. Não são pessoas que desmoronam, pelo contrário, nunca desmoronam. Mas se não captar a pequena marca de loucura de alguém, não pode gostar desse alguém. Não pode gostar dele. É exatamente este lado que interessa. E todos nós somos meios dementes. Se não captar o ponto de demência de uma pessoa, eu temo que... Aliás, fico feliz em constatar que o ponto de demência de alguém seja a fonte de seu charme."
Gilles Deleuze - L'abécédaire
ESTADO DAS COISAS
O deprimido vive o "endurecimento" do presente.O passado lhe condena e o futuro lhe ameaça. Resta o presente como uma espécie de refúgio ao devir. A depressão é um anti-devir, tentativa (obviamente) fracassada de fazer parar o tempo. Desse modo, a Depressão se instala e circula por todos as partes onde o devir coagula. O meio são as instituições molares. Não se vive, não se cria, não se sente, mas se sobrevive.O organismo físico-químico, devidamente fabricado, mensurado e comercializado pelo biopoder médico, é uma dessas instituições. Suas couraças musculares (Reich) alimentam-se do consumo automático de uma subjetividade quimicamente induzida. Esta constitui o presente do tempo e o mercado dos anti-depressivos à mão.
A.M.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
MULHERES
Mulheres: gostava das cores de suas roupas; do jeito delas andarem; da crueldade de certas caras. Vez por outra, via um rosto de beleza quase pura, total e completamente feminina. Elas levavam vantagem sobre a gente: planejavam melhor as coisas, eram mais organizadas. Enquanto os homens viam futebol, tomavam cerveja ou jogavam boliche, elas, as mulheres, pensavam na gente, concentradas, estudiosas, decididas: a nos aceitar, a nos descartar, a nos trocar, a nos matar ou simplesmente a nos abandonar. No fim das contas, pouco importava; seja lá o que decidissem, a gente acabava mesmo na solidão e na loucura.
Charles Bukowski
PENSAMENTO
O que se costuma chamar de “pensamento” são atividades cognitivas marcadas pelo uso representativo do conceito. A representação ( identidade, consciência, eu, etc) é pura Conserva. A psiquiatria funciona segundo eixos representativos evidentes. Tomemos como exemplo o de “especialidade médica”. Ele neutraliza investidas críticas. Em tempos de especialismos, o suposto saber representa. O sonho da representação é estancar os devires. Delirar é um processo cujo combustível é o desejo-produção. Ele explode os esquemas físico-químicos (que remédio prescrever?), familiaristas (quem é o culpado?), dilemas da consciência (ser ou não ser?) ou as vicissitudes do eu( quem sou?). Assim, o pensamento como cognição é muito pobre para se fazer chegar à subjetividade dita patológica. No entanto, a psiquiatria atual se serve dele numa Axiomática conectada ao modo de produção capitalista. É uma aliança embutida na fraseologia do especialismo. Desaparecem as possibilidades de pensar diferente porque o pensamento está dado como cognição redundante do real. A psiquiatria biológica não mais se pergunta o que é o real, de que real se trata. Gigantesco narcisismo, ela é o próprio real.
(...)
A.M.
SEM-TEMPO
A chave para todos esses mistérios de impecabilidade é o sentido de não ter tempo. Via de regra, quando você age como um ser imortal que tem todo o tempo do mundo, você não é impecável. Você deveria virar-se, olhar em volta e aí compreender que sua impressão de ter tempo é uma idiotice. Não há sobreviventes nesse mundo. Você deve agir sem acreditar, sem esperar recompensas, agir só por agir.
Carlos Castañeda
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE: O QUE É ISSO?
(...) (...) Consideramos histórias clínicas em que as hipóteses diagnósticas esgotam as categorias da CID-10, exceto uma. Desse modo, é freqüente se recorrer ao chamado “transtorno da personalidade” ( TP ) ou mesmo ao que era antes chamado de “personalidade psicopática”( termo criado por Kraepelin em 1904 ) como uma saída aos impasses da clínica psicopatológica. Isso advém da dúvida: será uma psicose? A psiquiatria, enquanto sistema nosológico-conceitual , não sabe definir com precisão uma psicose. Tomemos o exame de um paciente: de acordo com a semiologia,não há delírios, alucinações, nem ruptura com a realidade; por outro lado, desvios de conduta, às vezes graves, atestam algum signo necessário para se poder dizer afinal do que se trata.
(...)
A.M.
domingo, 25 de novembro de 2012
DELEUZIANAS
"Se não se experimenta a vergonha de ser homem, não há necessidade de fazer arte. Eu creio que um dos temas do pensamento é uma certa vergonha de ser um homem. Creio que o homem, o artista, o escritor que disse isso mais profundamente foi Primo Levi... "A vergonha de ser um homem" é uma frase esplêndida, mas é ao mesmo tempo muito concreta, nada abstrata. Ele não quer dizer as besteiras que querem que ele diga. Ele não quer dizer que somos todos assassinos ou culpados... Não quer dizer que os carrascos e as vítimas sejam os mesmos. Não nos farão crer nisso, não nos farão confundir o carrasco e a vítima. A vergonha de ser um homem não quer dizer que todos sejam parecidos... A vergonha de ser um homem quer dizer: como os homens puderam fazer isso? Como homens, que não eu, puderam fazer isso? E, em segundo lugar, como eu mesmo, sem me tornar um carrasco, pude pactuar tanto para sobreviver e carrego essa vergonha de ter sobrevivido no lugar de certos amigos que não sobreviveram? É então um sentimento muito complexo. Eu creio que na base da arte há esta idéia ou este sentimento muito vivo de uma certa vergonha de ser um homem... A arte consiste em liberar a vida que o homem aprisionou. O homem não cessa de aprisionar a vida, de matar a vida", diz o filósofo, evocando Primo Levi. É uma defesa da criação como forma de resistência aos poderes que submetem as potências da vida. "A confusão entre poder e potência é ruinosa, porque o poder sempre tem por objetivo separar as pessoas submetidas daquilo que elas podem... A potência é o prazer da conquista, não a conquista que leva à submissão das pessoas, mas aquela que tem o mesmo sentido de quando se diz que um pintor conquistou uma cor."
sábado, 24 de novembro de 2012
LONGE DO EQULÍBRIO
"A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa."
Aldous Huxley
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Manoel Bandeira
Diante da lei
Franz Kafka
Tradução de Torrieri Guimarães
Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde. - "É possível" - diz o guarda. - "Mas não agora!". O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver tal, o guarda ri-se e diz: - "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara: sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado. Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: - "Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste".
Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura-se-lhe o único obstáculo à entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil, e como ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima.
Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo. - "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. - "És insaciável".
- "Se todos aspiram a Lei", disse o homem. - "Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?". O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte: - "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a".
- Fim -
Nota: Este conto faz parte também das cenas finais no livro de Kafka "O Processo".
ÉTICAS
Todas
as éticas partem do eu. São
ridículas. A psiquiatria parte do
eu. Seria melhor se ela, ao contrário, partisse o eu em mil conexões, subjetividades. Você acredita? Os pacientes não acreditam, creditam à
psiquiatria um ganho sobre si
mesma, um empreendimento. Procuram
um psiquiatra remedeiro que resolva.
O molde está pronto para quem quiser.Ser-médico? Ser-paciente? Ou o inverso. O mundo roda. A ética desceu
das alturas para o fino contato terrestre. Nada pronto. Qual a ética da psiquiatria? A regra acadêmica, recheada de boas intenções, diz: vocês têm que ser felizes, principalmente às
custas do remédio químico, pois,
afinal, a mente é
pura bioquímica, ninguém duvida. Contudo,
não
há diálogo frente às destruições
concertadas da subjetividade. Esta é
uma fala de loucos forclusivos ou apenas delirantes. O universo
psi serve tão somente para barrar e borrar o desejo em suas
expressões imperceptíveis. Pouco
mais a dizer aqui senão o escape micro-político. A psiquiatria é o delírio crônico.“Eus”à postos, salvaguardas da razão, argumento indefensável a favor do
sistema. No entanto, alguma coisa vaza.
(...)
A.M.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
VIAGENS DE MIGUEL
Com 1 ano e 8 meses de idade, Miguel não chora. Ou melhor, não chora o choro dos adultos, essa coisa ressentida e amarga. Ao contrário, seu choro é um grito, um grunido que segue as curvas invisíveis da alma. A alma é corpo, é um corpo, o próprio ritmo das suas andanças. O que você quer, Miguel? Ele só me responde com atos concretos. Por exemplo, contempla a chuva ou sai nu em disparada pela casa. Não dá para alcançá-lo. Seu pensamento voa a velocidades infinitas, traça semióticas incompreensíveis aos néscios e aos aduladores da razão e da moral. Miguel viaja muito, observa muito, infere do mundo a sede de viver e o gosto irrepreensível de uma alegria contagiante. Essa alegria pega e me pega até em momentos não tão alegres. O que importa é que isso me faz e me compõe aprendiz da arte, talvez a maior, a Arte de viver.
A.M.
Direito de escolher
No diálogo com Blattchen, Prigogine defende-se de uma das inúmeras acusações que sofreu neste caso, do matemático francês René Thom, acusando-o de "deserção". Prigogine diz que a posição de Thom está ligada ao fato de que "para ele a ciência deve estar baseada no determinismo: se eu evitar o determinismo, serei desertor. Em suma, ele propõe: Jesus ou Newton, é preciso escolher. Na minha opinião, é uma maneira errada de colocar o problema. Porque, se verdadeiramente o Universo for um autômato, não há maneira de evitar a idéia de que é um deus, alguma coisa de exterior, que o pôs em movimento. Portanto, o materialismo clássico, o determinismo clássico, conduz justamente a uma teologia. Enquanto que, se você tiver a auto-organização, uma construção pelo interior, a questão de Deus se coloca diferentemente. Quer essa construção venha das leis da própria natureza, ou de um programa exterior; mas, em todo o caso, há uma escolha, uma liberdade e uma responsabilidade".
(...)
Ulisses Capozzoli - (2003)
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
TRANSTORNOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
A reforma psiquiátrica encontra-se travada. Entre as causas, pelo menos duas. 1ª) Falta de vontade política dos poderes públicos; 2ª) Psiquiatrização das equipes técnicas. É claro que estes dois ítens, principalmente o primeiro, estão condicionados aos fatores e problemas singulares de cada cidade ou região do país. No segundo caso, contra a “psiquiatrização” ergueu-se uma oposição: a luta anti-manicomial; isso gerou uma espécie de dualismo encardido: psiquiatras versus não-psiquiatras. E o paciente? A coisa permanece ao nível do eu e da consciência. Vaidades se erguem. Pergunto: onde está a loucura? Qual a concepção e a relação destes dois segmentos com a loucura? Percebe-se ressentimentos crônicos assombrando corporações, e - pior - práticas clínicas anacrônicas. A reforma não avança. Poucos se afastam do “euzinho” privado. A neurose permanece o muro do significante.
(...)
A.M. - (2010)
O CÉREBRO SENTE
(...) (...) Consideremos a psicopatologia com os seus sintomas+sinais =diagnóstico, ao jeito da psiquiatria. Mesmo tal enunciado corresponde a uma multiplicidade. O paciente é composto por linhas singulares misturadas às linhas diagnósticas. A vivência de cada uma delas corresponde aos devires em curso ou a serem desencadeados. A multiplicidade-paciente compõe-se com outras, inclusive a multiplicidade-médico-que-o-atende ou o psicoterapeuta, etc. Ligá-la a outras multiplicidades implica em considerar o Encontro no próprio seio dessa realidade. Sem o encontro não há multiplicidade, ou o inverso. Os devires são relações singulares com as pessoas, os objetos, o mundo.A rigor, eles não são mas tornam-se, esta a própria definição do verbo. No caso do devir-pensamento, muda a concepção de cérebro, muda a prática clínica. Não estamos mais diante de um cérebro-objeto à espera da fabricação de imagens que irão representá-lo num écran, e sim de um "cérebro-pensamento", marcado por linhas existenciais incertas a serem exploradas.
(...)
A.M.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
PENSAR É O OBJETO DE UM ENCONTRO
Propomos avaliar o “pensar” ao invés do pensamento; este, um depósito de sanções conceituais dualísticas, seja como o puro espírito, seja como secreção oriunda de um cérebro apassivado. Nem uma coisa nem outra, o pensamento é o fluxo dos devires que traça suas linhas tortuosas na busca de expressões do mundo. Uma clínica voltada apenas à visibilidade das coisas não mostra isso. Ademais, fabrica outro corpo e o chama de organismo. Onde, pois, estaria o pensamento?
A.M.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
SAIR DOS TRILHOS
(...) (...) O delírio é um conceito-chave em psicopatologia. Uma clínica da diferença se faz a partir desse dado implícito, mesmo que o paciente não esteja delirante nem seja ou tenha sido um delirante. Sob um olhar psiquiátrico, o delírio será um sintoma. Ainda que tal concepção seja útil em momentos pontuais, ela mutila a vivência delirante enquanto sistema de crenças estabelecido como uma verdade. Esse fato tem implicações na terapêutica farmacológica. A ação de medicar, quando imediata, pode tamponar o sintoma e impedir que surjam possibilidades de acesso ao universo delirante do paciente. Para melhor equacionar os casos, partimos do fato de que existem múltiplas formas clínicas do delírio. Elas demandam atitudes terapêuticas distintas. Buscar linhas de singularização consiste em pôr o delírio num quadro diagnóstico básico sem perder a potência infinita de afirmar um mundo, produzir um sentido, por mais insignificante que este seja.
(...)
A.M.
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.
Maiakóvski
Lei como regime de signos
(...) (...) Entende-se a lei como mecanismo que constrói códigos sobre os corpos. Regras nascidas da convenção e se instituem enquanto “marcas” nos indivíduos. A lei é signo e é a base da formação social. Segundo Deleuze e Guattari: “... a sociedade não é primeiramente um meio de troca onde o essencial seria circular ou fazer circular, mas um ‘socius’ de inscrição onde o essencial é marcar e ser marcado". Por que a lei precisa fazer inscrição no corpo em forma de marcas? A lei não pertence ao corpo, isto é, não nasce com ele. Ela é necessária para organizar o corpo selvagem através de seus códigos. Pertence à ordem moral.
(...)
Lea Guimarães e Murilo Guimarães - do texto Lei e corpo
Quem é escritor?
(...) (...) Gosto de Van Norden, mas não partilho de sua opinião a respeito de si próprio. Não concordo, por exemplo, em que ele seja um filósofo ou pensador. É obcecado por fêmeas, nada mais. E nunca será um escritor. Sylvester também jamais será um escritor, embora seu nome cintile em lâmpadas vermelhas de 50 000 velas. Os únicos escritores ao meu redor pelos quais tenho algum respeito, atualmente, são Carl e Bóris. São possessos. Brilham por dentro com uma chama branca. Estão mortos e surdos aos tons musicais. São sofredores.
(....)
Henry Miller - do livro Trópico de câncer
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
A CIÊNCIA DA ALMA
(...) (...) Na clínica psiquiátrica, pressupostos teóricos para o ato de “passar remédios” desvalorizam a escuta do paciente em prol da observação e cadastramento dos sintomas. Daí, a busca pela extinção (do sintoma) constituir a própria essência da prescrição farmacológica. É um dado propedêutico lastreado ao longo da história da psiquiatria. Antes de tudo, a “ordem” é controlar as condutas, torná-las socialmente aceitas. Isso se produz (em tempos do capital) como código implícito da psiquiatria biológica. Compõe o seu inconsciente histórico-institucional. Podemos resumir dizendo que se é “inconsciente” não pode ser percebido pelos atores, os psiquiatras. Não há culpa, pois. Tudo se naturaliza...como violência delicada.
A.M.
PORQUE A ARTE
(...) (...) O Encontro é antes de tudo uma produção do desejo de arte. Ou melhor, o desejo como arte precede a técnica. Mas, o que é a arte? Qual o significado da experiência da arte nesse percurso conceitual? Também poderíamos perguntar: como fazer arte? A arte é um estilo como também um exílio, um dom, uma potência de viver fora das normas prévias, inclusive as da linguagem verbal.Neste sentido, a clínica dos transtornos mentais, sob o atual paradigma (neuro-científico), nunca esteve tão distante da subjetividade do paciente.
(...)
A.M.
Idealismo
Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.
O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?
Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —
E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
Augusto dos Anjos
O QUE É PENSAR?
(...) (...) É essencial registrar que o exame do paciente acaba ficando mediado pela fala no sentido mais comum e operatório do contato social. Digamos: uma máquina não está funcionando a contento e é preciso consertá-la. Esse modo de ver não constitui uma acusação à semiologia psicopatológica atual. Bem mais, trata-se de demonstrar sua insuficiência técnica “essencial” com repercussões por vezes danosas sobre a conduta terapêutica. O que o paciente diz e faz (o visível e o dizível) se alternam sob uma avaliação que busca sintomas. Ora, o pensamento não segue uma linha fixa de racionalidade, nem mesmo nas pessoas ditas normais. Além disso, ele é, por excelência, invisível e se move a velocidades infinitas. Estamos diante de uma instância subjetiva que se apresenta em ações não mensuráveis. O pensamento é o silêncio e nem por isso deixa de ser pensamento ou de pensar.
(...)
A.M.
domingo, 18 de novembro de 2012
EM NOME DA CIÊNCIA
“O médico, que não quer se assemelhar a um charlatão, vive com mal-estar a dimensão taumatúrgica de sua atividade. O paciente, acusado de irracionalidade, intimado a se curar pelas “boas” razões, hesita.Onde, nesse emaranhado de problemas, de interesses, de constrangimentos, de temores, de imagens, está a “objetividade”? O argumento “em nome da ciência” se encontra por toda parte, mas não pára de mudar de sentido”,
Stengers, I., A invenção das ciências modernas,S. Paulo, Ed.34, 2002, p.35.
DA ESTÉTICA
"Hoje, sob a impressão dos ferimentos que meu corpo recebeu em diferentes circunstâncias, seja pela fatalidade do meu nascimento, seja por minha própria culpa; desalentado pelas conseqüências da minha queda moral (algumas dentre elas aconteceram; quem poderá prever as outras?); espectador impassível das monstruosidades adquiridas ou naturais, que decoram as aponevroses e o intelecto de quem vos fala, lanço um prolongado olhar de satisfação à dualidade que me compõe... e me acho belo! Belo como o vício de conformação congênito dos órgãos sexuais do homem, que consiste na brevidade relativa do canal da uretra e na divisão ou ausência da parede inferior, de modo que o canal se abra a uma distância variável da glande e por baixo do pênis; ou, ainda, como a verruga carnuda, de forma cônica, sulcada por rugas transversais bem profundas, que se ergue na base do bico superior do peru; ou melhor, como a seguinte verdade: "O sistema de gamas, modos e encadeamentos harmônicos não repousa em leis naturais invariáveis, mas é, ao contrário, conseqüência de princípios estéticos que variam com o desenvolvimento progressivo da humanidade e que continuarão variando!"; e, principalmente, como uma corveta encouraçada com torreões! Sim, sustento a exatidão da minha afirmação. Não tenho ilusões presunçosas, orgulho-me disso, e nada ganharia em mentir; de modo que, quanto ao que eu disse, não deveis vacilar em acreditar-me. Pois, como iria eu inspirar horror a mim mesmo, diante dos testemunhos elogiosos que partem da minha consciência?"
Conde de Lautrémont - do livro Cantos de Maldoror - (canto sexto)
NÃO-PENSAR
(...) (...) Pacientes registrados, cadastrados, codificados, rotulados sob o efeito de formas sociais (instituições) como a família, a clínica, a escola, o trabalho, o direito, o estado, a polícia, o casamento, entre outras, estão enfiados em buracos negros onde o devir-pensamento foi relegado a uma atividade cognitiva mínima, rasteira, como registram os manuais psiquiátricos. Curso, forma, conteúdo, raciocínio, juízo, são categorias semiológicas usadas num exercício de mortificação do devir-pensamento. Elas compõem o mundo da representação. Tornar o pensamento visível e frear a sua velocidade infinita, isso sempre foi assunto dos psiquiatras e adquire na psiquiatria atual o requinte das tecnologias de ponta.
(...)
A.M.
Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Mario Quintana
Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade
sábado, 17 de novembro de 2012
Ministro de Israel diz que objetivo de operação é enviar Gaza de "volta à Idade Média"
"O objetivo da operação é enviar Gaza de volta à Idade Média". Foi o que disse o ministro do Interior de Israel, Eli Yishai, neste sábado (17), após os ataques aos edifícios governamentais do Hamas, na Faixa de Gaza, segundo o jornal israelense "Haaretz".
AFETOS EM JOGO
(...) (...) O Encontro é essencial para a construção da clínica, mas dela se separa como superfície a-significante num campo livre para experimentações. Constitui-se como um sistema aberto. Dessa perspectiva, ir ao paciente, chegar ao paciente não é chegar à pessoa do paciente, mas a tudo que envolve a pessoa, dissolvendo-a em partículas mínimas, até mesmo invisíveis.
(...)
A.M.
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
TRANSTORNO, NÃO DOENÇA
(...) (...) A psiquiatria biológica, que emerge por volta da segunda metade do século XX a
partir da importação de conteúdos das neurociências e do desenvolvimento da
psicofarmacologia, não tem como objeto de estudo a doença mental. Com a publicação,
em 1980, da terceira edição do Manual de Estatística e Diagnóstico (DSM), da
Associação Psiquiátrica Americana (APA), o termo “doença” foi abolido do léxico
psiquiátrico. Desde o seu surgimento do século XVIII, sempre causou desconforto e
descrédito à psiquiatria autodenominar-se uma ciência médica sendo que a
“materialidade” dos problemas que se propõe a tratar nunca pode ser objetivamente
observada. Para o pânico dos psiquiatras, as psicopatologias não deixam marcas
orgânicas, nem mesmo sinais que permitam diferenciar um cérebro “são” de outro
“insano”. As poucas doenças mentais nas quais foi possível localizar alterações
orgânicas no cérebro – por exemplo, o Mal de Alzheimer – deixaram de fazer parte do
campo psiquiátrico para se tornar assunto da neurologia. Por esta, dentre outras razões, a
psiquiatria abandonou o termo “doença” e adotou a palavra “transtorno” para nomear
aquilo que é objeto de sua atenção e tratamento.
(...)
Leandro Siqueira - do texto Somos todos trasntornados: sujeições e servidões na sociedade de controle,agosto de 2011.
Palestina bombardeia Jerusalém ao fim de 40 anos
Em 72 horas de ofensiva aérea israelita, os palestinianos mortos em Gaza são 28, entre eles 16 civis, oito crianças e uma grávida
Por: Redacção / Miguel Cabral de Melo | 2012-11-16 22:42
Ao fim de mais de 40 anos, um rocket lançado pelos palestinianos atingiu Jerusalém.
Apesar da cúpula de ferro (sistema de defesa anti-míssil), Israel não consegue evitar ser atingido pelos rockets disparados da faixa de Gaza.
E são projéteis mais sofisticados do que antes, capazes de chegar mais longe. Pelo segundo dia consecutivo, chegaram a Telavive. E, pela primeira vez desde 1970, um rocket palestiniano caiu na área de Jerusalém, a cidade que é reclamada como capital por ambos os lados.
A sexta-feira começou com a expetativa de uma acalmia. Israel anunciou um cessar-fogo de três horas enquanto durava a visita do primeiro-ministro egípcio, líder de um executivo saído da Irmandade Muçulmana, da qual o Hamas é um ramo, à faixa de Gaza. Mas o curto cessar-fogo, praticamente não existiu, com israelitas e palestinianos a acusarem-se mutuamente. O próprio Morsi repetiu a denúncia de agressão israelita.
Mas Cairo tem um acordo de paz com Israel há 33 anos e o novo poder prometeu não o rasgar.
Em 72 horas de ofensiva aérea israelita, os palestinianos mortos em Gaza são 28: 12 militantes e 16 civis, incluindo oito crianças e uma grávida. Do lado judaico, três civis mortos.
Israel já convocou 30 mil reservistas e mais de metade já estão a ser destacados. O executivo judaico decidiu, entretanto, convocar até 75 mil reservistas. São números que apontam no sentido de uma intervenção terrestre na faixa de Gaza. Ou, no mínimo, será uma manobra e guerra psicológica.
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