sábado, 10 de novembro de 2012


NOTAS PARA UMA CLÍNICA DA DIFERENÇA

Assinalamos que o psiquiatra não é (ou não deveria) ser um passador de remédios, um  remedeiro. Ao contrário, pela via  do  Encontro, ele busca percutir linhas de vida,  mesmo  que  elas não  se mostrem de pronto. Existe a escuta   expectante   das multiplicidades.  São  falas  que  podem  ser decompostas em territórios existenciais  delicados. Dobras   subjetivas  para  além  do  olhar-clichê. Por isso, é preciso ver ao  invés de enxergar.Ver o paciente como “não paciente”sem que  isso seja uma negação da realidade. A relação é, pois, não  hierárquica. A  suposta ajuda  construída  na linha dos devires torna-se desejo de  ser o outro  sem  sê-lo. Não  uma pessoa à frente, mas  linhas entrelaçadas, umas se expressando, outras não. Explorar os paradoxos na cena do  Encontro implica  em jogar papéis sociais, coletivos,  inumanos.  A questão  passa a ser buscar formas  de expressão. Pode  ser  pela  fala, pelo silêncio, pelo  corpo, pelas  atitudes,  etc. Importa a expressão e  a potência de criar que  lhe  é correlata.O paciente cria? O que? Como?  Para que?  Onde?Os devires invadem o viver sem que os especialistas  imponham uma ordem. O que se passa? O psiquiatra enlouquece sem estar louco ou ser um doente, nada disso. O ponto de  subjetivação é o desejo  como expressão  de  modos  de  viver  fora das  coordenadas  estáveis da  razão. Isso costuma incomodar as  estruturas do eu. Devir é expandir-se,  diferenciar-se.  Não  há,  contudo,  um suporte  institucional para tais ações.  Elas  arriscam no vácuo  o recado  de  uma novidade incerta. O paciente sem rosto, a vida subjetiva se mostrando às micro-sensibilidades que circulam entre o  paciente  e o psiquiatra.  Escutar, escutar não sob uma  grade  edipiano-cerebral, mas à espreita do  novo, do inesperado, do indeterminado, do  bizarro. O acontecimento é uma linha  de perigo e também  a passagem.  Examinar  um  paciente é  encontrá-lo  no seu  mundo, por mais longínquo que  seja.  Isso  exige tempo,  paciência  e acima  de tudo,  ótimas condições de trabalho. Uma  ética do  Encontro  precede toda técnica. A desnaturalização do paciente é correlata ao desaparecimento do eu-psiquiatra. Este se torna  outra coisa à  serviço  da  diferença, uma dobra existencial  que se desdobra  em  outra,  em outras,  em  outros.   
(...)
A.M.

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