NOTAS PARA UMA CLÍNICA DA DIFERENÇA
Assinalamos que o psiquiatra não é (ou não deveria) ser um passador de remédios, um remedeiro. Ao contrário, pela via do Encontro, ele busca percutir linhas de vida, mesmo que elas não se mostrem de pronto. Existe a escuta expectante das multiplicidades. São falas que podem ser decompostas em territórios existenciais delicados. Dobras subjetivas para além do olhar-clichê. Por isso, é preciso ver ao invés de enxergar.Ver o paciente como “não paciente”sem que isso seja uma negação da realidade. A relação é, pois, não hierárquica. A suposta ajuda construída na linha dos devires torna-se desejo de ser o outro sem sê-lo. Não uma pessoa à frente, mas linhas entrelaçadas, umas se expressando, outras não. Explorar os paradoxos na cena do Encontro implica em jogar papéis sociais, coletivos, inumanos. A questão passa a ser buscar formas de expressão. Pode ser pela fala, pelo silêncio, pelo corpo, pelas atitudes, etc. Importa a expressão e a potência de criar que lhe é correlata.O paciente cria? O que? Como? Para que? Onde?Os devires invadem o viver sem que os especialistas imponham uma ordem. O que se passa? O psiquiatra enlouquece sem estar louco ou ser um doente, nada disso. O ponto de subjetivação é o desejo como expressão de modos de viver fora das coordenadas estáveis da razão. Isso costuma incomodar as estruturas do eu. Devir é expandir-se, diferenciar-se. Não há, contudo, um suporte institucional para tais ações. Elas arriscam no vácuo o recado de uma novidade incerta. O paciente sem rosto, a vida subjetiva se mostrando às micro-sensibilidades que circulam entre o paciente e o psiquiatra. Escutar, escutar não sob uma grade edipiano-cerebral, mas à espreita do novo, do inesperado, do indeterminado, do bizarro. O acontecimento é uma linha de perigo e também a passagem. Examinar um paciente é encontrá-lo no seu mundo, por mais longínquo que seja. Isso exige tempo, paciência e acima de tudo, ótimas condições de trabalho. Uma ética do Encontro precede toda técnica. A desnaturalização do paciente é correlata ao desaparecimento do eu-psiquiatra. Este se torna outra coisa à serviço da diferença, uma dobra existencial que se desdobra em outra, em outras, em outros.
(...)
A.M.
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