Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
ROSTIDADES ESBURACADAS
(...) (...) No encontro com o deprimido "observemos" o seu rosto. Ao contrário da manobra objetificante da psiquiatria (o “ser-da-depressão” tornado visível numa medida, imagem, tabela, código, etc), é possível captar os pequenos traços que evidenciam um rosto deprimido. Falamos de rosto como rostidade ou forma de expressão (produtividade)de subjetivações invisíveis. Óbvio que não há O deprimido e sim Um deprimido, ressaltadas as singularidades de cada caso. Assim, a observação do corpo como superfície de intensidades é fundamental. Os afetos produzem um corpo. As depressões produzem corpos-zumbis.Um corpo deprimido está fora das categorias do organismo.O organismo pode estar de pé, mas o corpo não. A via do corpo é a condição para o método da diferença e suas implicações terapêuticas.
(...)
A.M.
O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole...
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz...
se chama enseada...
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
Manoel de Barros
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
MILLERIANAS
Parece que onde quer que eu vá existe drama. As pessoas são como chatos --penetram na pele da gente e enterram-se lá. A gente coça e coça até sair sangue, mas não pode livrar-se permanentemente dos chatos. Em toda parte onde vou, as pessoas estão fazendo uma trapalhada em suas vidas. - Todos têm sua tragédia particular. Está no sangue agora --infortúnio, tédio, aflição, suicídio. A atmosfera está saturada de desastre, frustração, futilidade. Coça-se e coça-se --até não restar mais pele. Todavia, o efeito sobre mim é estimulante. Em vez de ficar desencorajado ou deprimido, divirto-me. Estou clamando por mais e mais desastres, maiores calamidades, malogros piores. Quero que todo o mundo se desmantele, quero que todos se cocem até morrer.
Henry Miller - do livro Trópico de Câncer
PENSAR AS MULTIPLICIDADES NÃO É FÁCIL (cont.)
(...) (...)A existência da subjetividade é “nova” em psiquiatria. Os modos de subjetivação costumam não ser considerados, exceto os da própria psiquiatria como produção do doente, hoje, cerebralizado e biologizado. Tanto é verdade que o conceito de subjetividade aparece em psicopatologia como estando ligado à psicologia. Neste sentido, surge a questão: quem fala ao psiquiatra? Quem é aquele que se diz (ou diz que é) o paciente? Afinal, quem é o paciente? Quem é o sujeito? Aí está o motivo de se buscar uma teoria da subjetividade que responda pela subjetivação dos quadros nosológicos, mesmo os ditos orgânicos. Nas linhas classificatórias da CID-10 encontramos comportamentos, atos, condutas, sintomas, mas nenhuma referência ao modo de subjetivação que precede e constitue tais alterações. Fim da psicopatologia? Transtorno mental seria o mesmo que transtorno cerebral ou de conduta?
(...)
A.M.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
PENSAR AS MULTIPLICIDADES NÃO É FÁCIL (cont.)
(...) (...) ”Eu sou meu delírio”, “Eu sou minha tontura”, etc. As linhas singulares estão embutidas e só se mostram ao exame quando as relações com o mundo (o que inclui o próprio eu) acontecem e se firmam como referências de verdade. O paciente diagnosticado pela psiquiatria traça linhas singulares na esteira do diagnóstico e/ou dos signos que remetem a esse diagnóstico. Linhas singulares são modos de ser que se expressam no desempenho de papéis sociais. Sendo assim, o papel social “portador de transtorno mental” acaba sendo um modo de subjetivação exclusivo, capturando linhas singulares e as desfigurando na pessoa do doente.Apesar disso, não queremos colocá-las como o “lado não doente” do paciente. Elas constituem, sim, o paciente, elas são a materialidade do paciente em termos de processo subjetivo, devir, acontecimento, o que implica numa ótica de outra natureza em relação ao fenômeno da loucura. Mudança de perspectiva sobre a saúde mental. A psiquiatria estanca nesse ponto porque não dispõe de instrumentos conceituais para pensar e fazer a diferença. Nem é esse o seu mister. Além disso, compromissos morais e políticos lhe travam a percepção do Outro.
(...)
A.M.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Glossário - letra P
Psiquiatria cido-biológica - Ramo atualmente hegemônico da psiquiatria. Caracteriza-se por um apego/submissão canônico (e crônico) à Classificação Internacional das Doenças (CID-10, ítem F), somado a uma concepção biologicista dos transtornos mentais. Desse modo, o viés neuro-cerebral ocupa a primazia das pesquisas e intervenções práticas (produção de uma fármaco-clínica) sobre o paciente.
A.M.
Arte e análises velhas, por Míriam Leitão,
O Globo
A arte da capa do folheto e dos cartazes comemorativos dos 10 anos do PT foi comparada à estética gráfica dos regimes totalitários de direita e de esquerda. Parece mesmo. Aquelas fotos enormes das duas cabeças em um corpo, e um povo miúdo em comemoração, evoca a idolatria personalista de regimes autoritários. O texto é ainda mais discutível.
A versão de que a virtude absoluta está de um lado, e toda a maldade se concentra nos adversários, é bizarra. Hoje, após quase três décadas de democracia, o país foi exposto ao contraditório, teve decepções, aprendeu nuances, vê com espírito crítico mesmo aqueles nos quais vota.
É fazer pouco da inteligência dos brasileiros. Eles não são adoradores infantilizados de líderes macrocéfalos, mas cidadãos capazes de pensar criticamente.
A história democrática recente não está dividida em dois períodos — os anos desastrosos e os anos gloriosos. É uma simplificação grosseira, só aceitável em regimes que controlam a opinião pública, o que é impossível na democracia. Há nuances, virtudes e defeitos nos dois períodos de governo. Há diferenças até dentro de um mesmo período presidencial. O período Palocci é diferente da gestão Mantega, por exemplo, com superioridade para o primeiro, que preservou a estabilidade da moeda, conquistada no governo anterior. O segundo tem tomado decisões perigosas na área fiscal e monetária.
No texto, há um trecho que diz: “A teoria do bolo, de que somente após a economia crescer seria possível distribuir, se tornou uma referência a não ser questionada.” Tal teoria do bolo não foi invenção de nenhum adversário do PT, mas do seu neoamigo Delfim Netto.
Os redatores da cartilha não conseguem provar a tese de que um período concentrou renda e o outro distribuiu. Nos números que contrapõe, admite que houve redução da desigualdade, medida pelo Índice Gini, nos dois períodos. Houve mais redução no governo Lula, mas o processo virtuoso começou após a estabilização da moeda. Só é possível fazer políticas sociais eficientes quando há inflação sob controle.
O PT tem erros a omitir e virtudes a exibir. Fiquemos na segunda parte: a ampliação da rede de proteção social. Mas os dados do próprio governo mostram que o programa anterior estava transferindo R$ 4 bilhões no fim do governo Fernando Henrique. No governo Lula, R$ 15 bilhões, e agora, R$ 23 bilhões. O programa mudou de nome e foi ampliado e aperfeiçoado. Omite-se que a ideia original da campanha de 2002 era distribuir vales para trocar por alimentos. Felizmente, a ideia obsoleta foi abandonada.
O texto alega que nos anos petistas foi feita a organização das finanças públicas, o que na verdade foi um trabalhoso esforço que consumiu anos até se chegar à Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso tem sido ameaçado pela alquimia contábil. Em dado momento da cartilha, eles dizem que nos anos petistas o crescimento do PIB por habitante foi de 2,2%. No final desta semana, será confirmado que em 2012 o PIB per capita teve crescimento zero.
Peça de propaganda publicitária não é para dialogar com sinceridade, mas para construir uma versão a ser vendida ao eleitorado. O problema é que faltam 18 meses para o período oficial da campanha eleitoral e o governo precisa governar.
Explicações maniqueístas têm um defeito básico: elas anulam o espaço para a conversa inteligente. O início extemporâneo de campanha põe em risco a ação sóbria do governo para corrigir o rumo na direção do que o país quer, seja quem for que o governe: desenvolvimento com moeda estável.
O CORVO
Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."
Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.
E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."
Minha alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."
Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."
No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."
Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."
Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!
trad. Machado de Assis - 1883
Edgar Allan Poe
"O INCONSCIENTE É ÓRFÃO, ATEU E ANARQUISTA"
(...) (...) A luta pela diferença passa por uma rachadura no conceito de saúde mental. Feito isso, o espaço-tempo de trabalho com o paciente alarga-se ao ponto de não mais pertencer ao mercado da saúde mental e sim aos territórios coletivos conquistados no encontro com a loucura. Muda o conceito de transtorno mental ou o de doença mental, como antes era chamado. Quem é doente? O que é doença? Não há certezas. Esse fato é condição elementar para desfazer a saúde mental como organização da forma- Estado e substitui-la por uma clínica órfã e molecular, produzindo seus próprios códigos. Uma outra semiótica poderá surgir dos problemas (sempre há) que o paciente traz. O diagnóstico submete-se ao contexto social e não o contrário. Acreditamos que, desse modo, os técnicos se farão aliados de forças que eles mesmos tornarão úteis em terapêuticas singulares. Ao pé da letra, diríamos: servirão ao paciente ou nada serão
(...)
A.M.
Soneto antigo
Esse estoque de amor que acumulei
Ninguém veio comprar a preço justo.
Preparei meu castelo para um rei
Que mal me olhou, passando, e a quanto custo.
Meu tesouro amoroso há muito as traças
Comeram, secundadas por ladrões.
A luz abandonou as ondas lassas
De refletir um sol que só se põe
Sozinho. Agora vou por meus infernos
Sem fantasma buscar entre fantasmas.
E marcho contra o vento, sobre eternos
Desertos sem retorno, onde olharás
Mas sem o ver, estrela cega, o rastro
Que até aqui deixei, seguindo um astro.
Mário Faustino
sábado, 23 de fevereiro de 2013
UM CONCEITO FURADO
Transtorno mental é um construto pseudo-teórico "filho" da psiquiatria e suas agências sociais de apoio irrestrito. Não existe "transtorno mental" e sim modos de subjetivação, vivências compostas por linhas do desejo (afetos) e linhas de crença (pensamento). Isso pode se condensar na organização do eu-paciente, um eu-submetido à Ordem. Tudo funciona enxertado nos processos de produção da vida social, hoje, chamada capitalismo. Desse modo, o paciente carrega em si mesmo o peso das instituições que o codificam como a Realidade Definitiva. Ora, não existe realidade definitiva. Só há o devir, a irreversibilidade...
A.M.
RIZOMA E VELOCIDADE
"Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como tecido a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser.
Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio."
G.Deleuze e F.Guattari - do livro Mil platôs
ESTAMOS TODOS DEPRIMIDOS
As depressões são um tema muito importante nos tempos atuais. A CID-10 inclui a maior parte delas no item “transtornos do humor”. Isso nos parece reducionista em função do destaque conferido ao humor. “O que é chamado de afeto ou humor, na Psiquiatria, é muito mal definido para constituir a base de uma categoria diagnóstica”. Ele é posto como função psíquica passível de mensuração, ou pelo menos destacável em termos objetivos. Ora, as depressões são bem mais do que “transtornos do humor”, tanto referidas ao quadro clínico quanto à origem (etiologia). A não consideração da vivência do paciente é uma das raízes do problema. Mas não só. Há que registrar, entre outros fatores, o interesse da indústria farmacêutica nos quadros nosológicos tidos como de“alteração do humor”, já que estes devem ser normalizados com remédios. O problema se coloca na própria avaliação psicopatológica. Começa, então, pela clínica.
(...)
A.M.
MISTÉRIO DO PLANETA
Desde Spinosa, Freud e Nietzsche, entre outros (notadamente artistas, poetas e romancistas), sabe-se que os afetos movem o homem. No entanto, a psiquiatria nunca produziu uma teoria dos afetos, sequer esboçou uma teoria da afetividade, apesar de lidar todo o tempo com o louco. Por que ?
A.M.
O Papa e o meteoro, por Cristovam Buarque
Ao mesmo tempo em que em Roma o Papa Benedito XVI renunciava ao seu pontificado, na Sibéria caia um meteoro. A renúncia foi um destes fatos que nos surpreende com o passado. E a queda do meteoro desperta temor no futuro. São temores que nos fazem sonhar com notícias que nos surpreendam ao longo da vida futura.
Sonho em ler notícia de que a economia é orientada para a redução da pobreza e a construção da igualdade social, com respeito ao equilíbrio ecológico; que o consumo está subordinado ao bem estar, e este à felicidade das pessoas.
Sonho em ler a informação de que todas as crianças do mundo estão em escolas com a mesma alta qualidade, e nenhum pai ou mãe no analfabetismo; que a corrupção passou a ser tema limitado a estudo nos cursos de História; e que todos os políticos são comprometidos com utopias, propondo ações para todo o planeta e as próximas gerações.
Gostaria de ver que os principais recursos da Terra passaram a ser regidos por normas do interesse de toda a humanidade e que a água do mar pode ser dessalinizada a baixo custo energético e com a mesma qualidade da água potável.
Será muito bom saber que todos os políticos eleitos usam os mesmos serviços públicos de seus eleitores; ter a surpresa de ver os mapas-múndi sem fronteiras separando países, todos integrados em uma mesma comunidade de seres humanos, com os mesmos compartilhados sonhos, e saber da desativação da última arma e do último reator nuclear.
Será muito bom saber que os porta-aviões seriam usados apenas para fins turísticos e os bombardeiros para viagens de jovens pelo mundo.
Espero me surpreender ao saber da notícia da cura definitiva de todas as formas de câncer; da recuperação ou o atendimento daqueles que têm deficiências; da previsão e cura do mal de Alzheimer; e do envelhecimento sem a perda do vigor, nem da saúde, nem da memória do passado ou dos sonhos para o futuro.
Gostaria de ver publicidade de chocolate descafeínado, wisky sem álcool, massa que engorda, sal que não eleva pressão arterial. No esporte, quero ver um jogador de futebol ainda melhor do que Pelé.
Sonho ver com deslumbrada surpresa a descida do primeiro homem ou mulher em Marte; quero que ainda em minha vida a ciência seja capaz de criar chips injetáveis no cérebro para fazer cada pessoa ler, entender e falar qualquer idioma; quero usar aeroportos sabendo que não há polícia de fronteira, nem revista ou demora na espera.
Sonho com acordo dos líderes mundiais para desativar o meteoro que explode dentro da civilização industrial, desigualando a sociedade e depredando a natureza.
Ver a notícia de que a tecnologia espacial já dispõe do poder de destruir asteróides a caminho da Terra, garantindo, assim, que a humanidade não terá o destino dos dinossauros e que terá milênios para continuar com boas surpresas, como a de um Papa com dignidade suficiente para abrir mão de seu cargo, nos provocando a lembrar as surpresas do passado e a desejar imaginar sonhos para o futuro.
Hospital de Curitiba afasta 47 funcionários da UTI
Todos trabalhavam com médica acusada de antecipar a morte de pacientes
O GLOBO
Publicado: 22/02/13 - 20h51 Atualizado: 22/02/13 - 20h53
CURITIBA — A diretoria do Hospital Evangélico de Curitiba anunciou nesta sexta-feira o afastamento de 47 funcionários da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), incluindo 13 médicos. Todos trabalharam com a médica Virgínia Helena Soares, ex-chefe da UTI, que está presa no Centro de Triagem de Piraquara acusada de homicídio qualificado de pacientes sob responsabilidade dela. A Polícia investiga o envolvimento de outras pessoas nas mortes de pacientes.
O delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Michelotto, não descarta que houvesse uma “quadrilha da morte” na UTI.
— Se havia isso, ela não fazia sozinha — disse ele.
Uma enfermeira auditora que trabalhou no Hospital Evangélico disse em entrevista que outros funcionários sabiam que Virgínia provocava a morte de pacientes:
— Todo mundo lá no hospital sabia o que a doutora fazia, desde o clínico até os técnicos. Então, não adianta abrir sindicância, todos sabiam.
O diretor clínico do Hospital Evangélico, Gilberto Pascolat, diz nunca ter recebido denúncias contra a médica:
— Oficialmente, nós não temos nenhuma queixa contra a doutora Virgínia nem contra a sua equipe da UTI. Todas as queixas que vêm da equipe médica ou da equipe de enfermagem tem que chegar a mim e não tem nada contra ela.
Em nota, a direção do Evangélico afirmou que o caso é pontual e ocorreu em uma das quatro UTIs. O advogado da médica, Elias Mattar Assad, disse que deve pedir nos próximos dias à Justiça que liberte Virgínia. Ele apresentou carta supostamente escrita por Virgínia pondo em xeque a investigação e questionando a existência de provas válidas.
“O livre exercício da medicina está em risco no Brasil”, diz trecho do documento, que classifica a investigação como “o maior erro investigativo e midiático da nossa história”.
Comentário
João Viramundo 22/02/13 - 23:28
Infelizmente é comércio como outro qualquer. Expirou os trinta dias que o plano de saúde banca, se não tiver costa quente é, literalmente, "caixão". Isto é em todo o Brasil. O que a gente apenas desconfia e não tem como provar existe. Falei muito? Então vamos lá: Vivi 48 horas em uma UTI e vi, EU VI. Um médico do staf determinar o desligamento de aparelhos, recusado por um intensivista brasileiro e concretizado por estrangeiro. Não tinha como me defender, tive que fechar os olhos, foi triste.
A captura da produção desejante pelo capitalismo
(...) (...) Para Guattari, o capitalismo mundial integrado estimula a produção desejante dos
indivíduos por meio das relações sociais, para depois capturá-las a partir de seus próprios
valores de mercado. Ao manipular o desejo, o capitalismo procura desassociar a produção
desejante da produção social. O que ocorre de fato é apropriação dos fluxos desejante para
reproduzir materialmente a sociedade (produção social). Assim, aquilo que chamamos de nosso
desejo, não é exclusivamente nosso, não é algo interior ao homem e muito menos sublimável,
ele é produzido nos encontros que ocorrem no campo social, portanto, exterior ao próprio
homem. Podemos dizer que os fluxos desejante produzidos em nossa sociedade passam antes
por uma axiomatização capitalista, para depois, e só depois, ser sentido por cada um de nós.
Andre Campos de Camargo, do texto Félix Guattari: o capital mundial integrado
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
PENSAR AS MULTIPLICIDADES NÃO É FÁCIL
(...) (...) As linhas singulares são a materialidade subjetiva do individuo, a qual compreende elementos visíveis e invisíveis; acontece no plural, funcionando num movimento incessante. O organismo visível, fornece o lastro concreto para uma subjetividade. Contudo, ele é composto por partes infinitamente divisíveis as quais chamamos corpo. O organismo não é o corpo. Este ultrapassa os limites do organismo de onde a medicina extrai a sua mais-valia de prestígio. As linhas singulares inscrevem-se num corpo não imediatamente visível nem tampouco separado do meio por uma linha de fronteira bem demarcada. Elas são antes de tudo micro-potências que impulsionam o funcionamento motor, cognitivo, intelectual, existencial, enfim, tudo que signifique produção incessante de vida. O paciente é composto por elas e são elas que se expressam como devires. Um sintoma é uma linha singular , já que, apesar de ser signo de uma doença cadastrada na CID-10, ao mesmo tempo é expresso como território existencial.”Eu sou meu delírio”, “Eu sou minha tontura”, etc.
(...)
A.M.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
SEM TRÉGUA
A lei não é pacificação, pois, sob a lei, a guerra continua a fazer estragos no interior de todos os mecanismos de poder, mesmo os mais regulares. A guerra é que é o motor das instituições e da ordem: a paz, na menor das suas engrenagens, faz surdamente a guerra. Em outras palavras, cumpre decifrar a guerra sob a paz: a guerra é a cifra mesma da paz. Portanto, estamos em guerra uns contra os outros; uma frente de batalha perpassa a sociedade inteira, contínua e permanentemente, e é essa frente de batalha que coloca cada um de nós num campo ou no outro. Não há sujeito neutro. Somos forçosamente adversários de alguém.
M. Foucault - do livro Em defesa da sociedade
TUDO É PRÁTICA
(...) (...) Através de uma clínica da diferença poderemos tentar entender os processos subjetivos. Assim, a subjetividade (em psicopatologia) nasce da clínica, mas dela se separa ao lidar com as forças do Caos. É possível ir para além de 1-um mundo interno; 2- uma consciência; 3- um eu; 4-um cérebro. O subjetivo ultrapassa a barreira das entidades fixas do psiquismo. Devido às codificações sociais, isso não é fácil de perceber, mesmo ao clínico mais arguto.O construto “doença mental”, ”transtorno mental” ou “transtorno psicológico”encobre as linhas vivenciais do paciente. Realiza uma espécie de decalque do patológico, cadastrando-o num diagnóstico fixo e essencial. Os processos subjetivos “desaparecem”em prol do diagnóstico. Trata-se da instauração de um regime de verdade: o diagnóstico. Por isso, necessitamos inserir a vivência da loucura como antimodelo da subjetividade. Na verdade, a loucura se “constitue” de vivências múltiplas que não se conjugam em torno de um centro ordenador. Antes de serem consideradas psicóticas, tais vivências expressam linhas de vida não codificáveis. Depois, se for o caso, sendo psicóticas, permanecem como o fundo existencial não adoecido. Não se trata de uma essência imutável, mas de singularizações compondo uma multiplicidade, mesmo que seja cortada de seus nexos produtivos, caso do esquizofrênico crônico. Sendo assim, tomemos os processos subjetivos como linhas singulares da existência compondo multiplicidades. Tentaremos estabelecer aportes mínimos para tais categorias teóricas. Elas se ancoram no exercício de uma clínica psicopatológica da diferença encravada em ações práticas.
(...)
A.M
UTI: A TRAMA DO HORROR
Virgínia Helena Soares de Souza, médica-chefe da UTI do Hospital Evangélico, em Curitiba (PR), é presa
CURITIBA (PR) - A polícia do indiciou nesta quarta-feira a médica da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Evangélico de Curitiba, Virgínia Helena Soares de Souza, acusada de praticar eutanásia em pacientes internados em estado grave desde 2006, quando ela começou a chefiar o departamento. Segundo a investigação, Virgínia, presa na terça-feira, "antecipava óbitos" , principalmente de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Testemunhas dizem que ela pouparia quem estava na UTI bancado por planos particulares.
A polícia recolheu prontuários relacionados às mortes nos últimos seis anos para saber se os óbitos naquela UTI podem ter sido provocados pela médica. O telejornal da RPC, filiada à TV Globo, exibiu nesta quarta-feira entrevista com um enfermeiro que trabalhou no hospital de 2004 a 2006. Ele afirmou ter visto a médica desligando um aparelho e provocando a morte de um dos pacientes.
— O paciente da UTI tem dois pontos críticos, que são a ventilação mecânica e as medicações que servem para manter a pessoa viva. Ela interrompia um dos dois, ou os dois —, afirmou o enfermeiro, que preferiu não ser identificado.
Delegado não descarta ‘quadrilha da morte’
O delegado-geral da Polícia Civil do Paraná, Marcus Michelotto, afirma que há indícios de materialidade e de autoria suficientes para que fosse instalado o inquérito policial e pedida a prisão cautelar da médica. Virgínia foi presa durante expediente no hospital.
— Nossa investigação tem cerca de um ano, mas esses fatos podem ter ocorrido há mais tempo. Estamos trabalhando para a coleta de provas —, afirmou.
Michelotto não descarta que haveria uma “quadrilha da morte” no hospital, com o envolvimento de outros funcionários nos supostos crimes.
— Se havia isso (a provocação das mortes), ela não fazia sozinha. Mas não podemos pré-julgar —, disse ele, que vai investigar as mortes naquela UTI nos últimos seis anos, período em que Virgínia chefiava o departamento.
A delegada Paula Brisola explicou que a prisão da médica foi estabelecida pela Justiça para garantir a instrução do processo e a segurança da população.
— O inquérito corre sob sigilo judicial e não podemos dar todas as informações sobre a investigação desses casos, que qualificamos como homicídios —, disse a delegada em entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira. Segundo ela, outras testemunhas reforçaram a acusação do enfermeiro, de que a médica desligava os aparelhos para provocar a morte dos pacientes.
O advogado da médica, Elias Mattar Assad, afirma que vai solicitar à Justiça liberdade para sua cliente. Segundo ele, houve precipitação na prisão.
— Normalmente o procedimento é primeiro investigar, depois ouvir as pessoas e só então, se for o caso, pedir a prisão. Aqui primeiro prenderam para depois investigar —, disse.
Desde terça-feira, quando a médica foi presa, várias pessoas procuraram a delegacia para denunciar “atitudes suspeitas” de Virgínia. Na ação policial, dentro do hospital, foram apreendidos prontuários médicos e outros documentos relativos a internações e mortes de pacientes.
O Conselho Regional de Medicina (CRM) informou que investigará a conduta da médica. O Hospital Evangélico abriu uma sindicância para apurar o caso.
Suspeita chefia UTI há seis anos
A médica atua no hospital desde 1988 e é chefe da UTI desde 2006. De acordo com o Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa), ela é suspeita da prática de eutanásia, que é a indução à morte com consentimento do paciente, além de maus-tratos aos internados. O caso corre em segredo de justiça. A médica está detida no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.
Uma ex-enfermeira, que também não quis se identificar, ouvida pelo G1, disse que a médica foi suspensa por um mês em 2011 por maltratar uma funcionária.
— Eu trabalhei no hospital em 2005 e presenciei muitas cenas de maus-tratos contra funcionários. Tanto que não tinha quem não soubesse da frieza e grosseria dela. Essa suspensão eu soube por um colega. Eu não gostava de trabalhar com ela, como a maior parte dos outros. Eu nunca presenciei, mas o que 'rolava' nos corredores é que ela fazia isso com os pacientes também.
(GAZETA DO POVO)
(GAZETA DO POVO)
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
LOUCURA COMO REFERÊNCIA
(...) (...) Para buscar uma definição da subjetividade usamos a loucura como Realidade e base da condição humana. Nosso objeto de pesquisa torna-se a loucura e não a doença mental. Esta é um produto da psiquiatria.Usá-la como objeto é girar no círculo redundante do olhar psiquiátrico. Ora, acessar a loucura requer o uso de múltiplos saberes. Os processos subjetivos seguem-na como vivência. A pergunta “o que é a loucura?” só poderá ser respondida ao modo das vivências trazidas pelo chamado louco. Este é o personagem que encarna o conceito de loucura para além de qualquer teoria. É isso que busca uma clínica da diferença.
(...)
A.M.
SUBJETIVIDADE - TEMPO
(...) (...) Tudo o que é subjetivo remete ao “fora” porque se refere ao mundo. Não há como situar a subjetividade“dentro” de algo ou “acima” do mundo, como querem as Transcendências, mesmo as disfarçadas. Na base teórica de tais posições, está a crença no Ser e portanto a negação do tempo. Ao contrário, conforme H. Bergson ensinou, não é o tempo que está em nós, nós é que estamos no tempo, enfiados num tecido que não é o da história mas o do devir. A subjetividade-está-no-mundo. Tal assertiva fenomenológica serve de ponto de apoio para uma clínica em produção, em movimento, e não como produto final. É fato que a psiquiatria, tomada em seu percurso epistemológico, nunca formulou uma teoria da subjetividade. Talvez, na vertente jasperiana, haja um esboço do que estamos nos referindo, ao se falar do eu e de suas alterações. Mas é muito escasso se considerarmos a gama de condutas ditas psicopatológicas que figuram na CID-10, cap. F. Neste sentido, uma pergunta se impõe: o que é o “psíquico”? Ora a subjetividade ultrapassa o “psíquico”. O “psiquismo” padece de versões marcadas por uma espécie de “interiorização” do universo subjetivo que permaneceria estático, ou pior, jogado às alturas do imaginário, espécie de epifenômeno sobrevoando o que se considera matéria. Entretanto, se nos basearmos no tempo, tudo muda. Tal universo não estará apenas voltado para fora, mas será o Fora. Não mais formas estáveis ou substâncias formadas. Isso é o Fora, ou seja, o Caos. Pensar o “subjetivo” de tal perspectiva é incluir o tempo, a passagem, a “durée”, ao estilo bergsoniano. Portanto convém não falar em “subjetividade” mas em “processos subjetivos ”ou “modos de subjetivação”.
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A.M.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
ESPERAR
Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava doido também.
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Charles Bukowski
NÃO HÁ O SER
(...) (...) Quando se fala em subjetividade, a tendência é considerá-la como algo próximo ou similar à mente, à alma, ao cérebro, ao eu, à personalidade. Ela seria constituída como uma espécie de mundo interior naturalmente separado do mundo exterior. O que essas designações têm em comum é o fato da subjetividade ser posta como uma substância, se possível, visível ao pesquisador dos seus segredos. Ocorre que ela não é algo visível, não possui uma forma que remeteria a uma substância. Ela é processo, fluxo incessante. A vida nos mostra isso. Concebe-se tal qualidade na medida em que adotamos a perspectiva do tempo que passa e não volta: a irreversibilidade. Assim, é possível se pensar a subjetividade segundo uma percepção não espacial, mas temporal. Isso requer uma atitude nova.
(...)
A.M.
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