A CATÁSTROFE DO SUCESSSO
(...) (...)Para mim um lugar conveniente para trabalhar é um lugar distante, em meio a estranhos, onde eu possa dar umas braçadas. Mas a vida deve exigir um mínimo de esforço de nossa parte. Você não deve ter gente demais a servi-lo, ao contrário: você devia fazer sozinho a maioria das coisas. O serviço oferecido pelos hotéis é embaraçoso. As empregadas, os garçons, os boys e os porteiros etc. são as pessoas mais embaraçosas do mundo porque continuamente estão a recordar-nos as iniquidades que nós aceitamos como coisas certas. O quadro de uma velhinha ofegante que carrega com enorme esforço um balde pesado d'água por um corredor de hotel para limpar a imundice de um hóspede bêbado e cheio de privilégios sociais é um quadro que me faz ficar doente e oprime meu coração, fazendo-o murchar de vergonha deste mundo, em que essa situação é não só tolerada mas considerada como a prova dos nove de que o mecanismo da Democracia está funcionando devidamente, sem interferência de cima ou de baixo. Ninguém deveria ter que limpar a imundice de outros neste mundo. É intoleravelmente horrível para ambas as pessoas, mas talvez pior ainda para quem recebe esse tipo de serviço. Eu fui tão corrompido quanto qualquer outra pessoa pelo número vastíssimo de serviços humilhantes que nossa sociedade se acostumou a esperar e do qual ela depende. Mas nós devíamos fazer tudo por nós mesmos ou deixar que as máquinas o fizessem por nós, a gloriosa tecnologia que garantem ser o facho de luz do mundo futuro. Somos como um homem que comprou uma quantidade enorme de equipamento para acampar, que tem a canoa e a barraca, as linhas de pescar e o machado, os fuzis e os lençóis e os cobertores, mas que agora, que todos os preparativos e providências estão empilhados, por mão de perito, uns sobre os outros, sente-se de repente demasiado tímido para iniciar a jornada e fica-se onde estava ontem e antes de ontem e antes e antes, olhando com desconfiança, através das cortinas de renda branca, para o céu claro de suspeita. Nossa grandiosa tecnologia é uma oportunidade, que Deus nos enviou, para gozarmos da aventura e do progresso que temos medo de arriscar. Nossas ideias e nossos ideais continuam sendo exatamente os mesmos, no mesmo ponto em que os deixamos, três séculos atrás. Não, desculpe! Já ninguém mais se sente seguro bastante para sequer afirmá-los. Esta foi uma digressão longa, partida de um tema pequeno para um imenso, que eu não tinha intenção, originalmente, de fazer, por isso voltemos ao que eu estava dizendo antes. O que venho afirmando é uma simplificação extrema. Ninguém escapa assim tão facilmente da sedução de uma maneira de viver sibariticamente. Você não pode arbitrariamente dizer a si mesmo, de um momento para o outro: agora vou continuar minha vida como ela era antes desta coisa, o Sucesso, me acontecer. Mas logo que você apreender a vacuidade de uma vida sem lutas você estará equipado com os meios básicos de salvação. Logo que você souber que isto é verdade, que o coração do ser humano, seu corpo e seu cérebro são forjados numa fornalha de brasas vivas especificamente para o propósito do conflito, do choque (a luta criadora), e que uma vez desaparecendo esse conflito o homem é uma mera espadinha de criança, boa para cortar margaridas, que não é a privação, mas sim o luxo, o lobo mau, e que os dentes agudos do lobo são formados pelas vaidadezinhas e indolências pequeninas que constituem o legado do Sucesso - então, de posse desta certeza, você está pelo menos apto a saber onde reside o verdadeiro perigo. Você sabe, então, que o "alguém" público que você é quando "tem um nome" é uma ficção criada por espelhos e que o único alguém digno de você ser é o seu "eu" solitário, não visto pelos demais, que existiu desde a sua primeira respiração e que é a soma de todas as suas ações e, portanto está sempre num estado de eterno devenir, moldado pela sua própria vontade - sabendo essas coisas, você poderá sobreviver até à catástrofe do Sucesso! Nunca é tarde demais, a menos que você abrace a deusa-cadela, a fama, como William James a alcunhou, com os braços abertos e ache em seus abraços sufocantes exatamente aquilo que o menininho inquieto dentro de você, com saudades de casa, queria: proteção absoluta e uma vida sem sacrifício e esforços de espécie alguma. A segurança é uma espécie de morte, creio, e pode atingi-lo numa enxurrada de cheques de direitos autorais, junto a uma piscina em forma de rim em Beverly Hills ou em qualquer outro lugar que esteja divorciado das condições que tornaram você um artista, se é isso que você é ou foi ou quis ser. Pergunte a qualquer pessoa que já passou pelo tipo de sucesso de que estou falando. Para que serve? Provavelmente para obter uma resposta honesta você terá que lhe dar uma injeção de soro da verdade, mas a palavra que ele emitirá finalmente, com um gemido, não pode ser publicada em publicações refinadas.
Então o que nos serve, afinal? O interesse obsessivo pelas vicissitudes humanas, além de uma certa dose de compaixão e de convicção moral, que pela primeira vez tornou a experiência de viver algo que deve ser traduzido em pigmento, música, movimentos corpóreos ou poesia ou prosa ou qualquer coisa dinâmica e expressiva... isso é que lhe será útil se é que você tem objetivos sérios. William Saroyan escreveu uma grande peça sobre esse tema, o de que a pureza de coração é o único sucesso que vale a pena termos. "Durante sua vida - viva!"
A vida é curta e não volta nunca mais.
(...)
Tennencee Williams
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