A VIDA COMO DÍVIDA
Quando dizemos que a vida foi posta para trabalhar, é precisamente a figura do endividado que temos em mente. “Ter dívidas está se tornando a condição geral da vida social“. Não há como construir uma casa sem se endividar, nem ao menos mobiliar uma já existente. Muitas vezes, é difícil chegar ao fim do mês sem dever. Aliás, eis um desafio: encontrar alguém sem dívidas parceladas em suaves prestações, sem juros, sem entrada, sem empréstimos consignados e/ou compras à perder de vista.
Somos todos endividados. “O efeito da dívida é fazê-lo trabalhar arduamente“, dia após dia esperando quitá-las no fim do mês, mas percebendo-se impossibilitado de viver sem contrair mais algumas no caminho. O lema aqui é um só: somos responsáveis por nossas dívidas como livres consumidores e devemos pagar pelos nossos pecados. Uma ética do trabalho muito semelhante à crença no livre arbítrio, tão necessária aos sacerdotes ascéticos. E qual o resultado se pecarmos e não honrarmos nossas dívidas? Culpa e cassação de direitos, é claro. Curioso, no entanto, é que neste caso nossos pecados são a necessidade de ter uma casa, água, comida e algo mais. O cheque especial já não parece tão especial assim.
O débito se perpetua indefinidamente como forma de controle. Para além dos mecanismos disciplinares, encontramos hoje espalhados na vida social, dispositivos de controle, que atuam sobre cada um com vista aos mesmos efeitos: manter, conservar, fiscalizar, inspecionar, dirigir, superintender. Mas não de qualquer maneira, da maneira mais inteligente possível, isto é, fazendo com que cada um de nós seja a expressão de suas amarras, a roda dentada que faz todo o sistema funcionar. “O endividado é uma consciência desventurada que transforma a culpa numa forma de vida“. Forma de vida que interessa a poucos. Fabricar uma subjetividade como a do endividado, interessa a quem mais lucra com a lógica do credor/devedor – os bancos e as instituições financeiras. O endividado nasce do buraco aberto pela enorme distância entre ricos e pobres, é o fecundo fruto da pervertida desigualdade social.
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Rafael lauro e Rafael Trindade do blog Razão Inadequada
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