sábado, 30 de dezembro de 2017

QUAL DEMOCRACIA?

O produtor de TV britânico Peter Pomerantsev fugiu com os pais da União Soviética para Londres em 1978, quando bebê. Voltou à terra natal para tentar a sorte profissional em 2002, no momento em que o presidente Vladimir Putin consolidava seu poder. Morou em Moscou por quase dez anos. Voltou ao Reino Unido e, desiludido, publicou no final de 2014 um livro sobre sua experiência: Nothing is true and everything is possible (Nada é verdade e tudo é possível). No ano da Copa do Mundo, quem quiser entender a Rússia de Putin precisa ler Pomerantsev. “Não se trata de um país em transição, mas de uma espécie de ditadura pós-moderna, que usa a linguagem e as instituições do capitalismo democrático para fins autoritários”, escreve.
Há eleições, mas a oposição é financiada e serve aos interesses do Kremlin. Há sociedade civil e ONGs, mas também leais ao Kremlin, defendendo apenas causas que não envolvam temas sensíveis, como oligarcas ou declínio econômico. Há livre mercado, mas as megacorporações são comandadas por figuras fiéis a Putin – se deixam de sê-lo, são descartadas. Imprensa e canais de TV são profissionais como no Ocidente, mas sem autonomia para produzir conteúdo que ofenda os interesses do governo. “Você pode dizer o que quiser, desde que não siga as pistas da corrupção”, diz Pomerantsev. O maior exemplo é a RT, criada à imagem de redes independentes como a BBC, mas na verdade uma máquina de propaganda usada para fins políticos. “Moscou pode transmitir uma sensação de oligarquia pela manhã e democracia à tarde, monarquia no jantar e Estado totalitário na hora de dormir.” Nada é real, tudo é mentira, feito de espuma e aparências.
(...)

Helio Gurowitz, Época,  24/12/2017, 10:00 hs

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