A ALMA: POÉTICA DO MUNDO *
(...)
Podemos apresentar a alma como sendo um outro que se revela com seus desejos, que se expressa através do jogo fenomenológico das imagens com seu discurso que é, fundamentalmente, metafórico.
O que a psicologia arquetípica quer ressaltar é que a alma é uma perspectiva, não uma substância.
É um ponto de vista em relação as coisas, um instante de reflexão entre pensamento e ação. Alma é o que torna possível a existência de significados, pois transforma eventos em experiências. Esta transformação se opera quando penetramos no interior dos eventos para que eles possam entrar em contato com o nosso interior.
Por isso, tudo que toca a alma passa a assumir uma sensação de grande importância. A alma de qualquer coisa é sua parte mais fundamental e vital.
Dizer que algo toca nossa alma é dizer que esse algo é fundamental.
Um evento é uma vivência externa ,ao passo que uma experiência é uma vivência interna plena de significados, justamente por envolver a alma, que por sua vez nos conduz a um aprofundamento nesta mesma vivência.
Alma e profundidade são inseparáveis, um dá sentido ao outro e vice-versa.
Hillman reconhece os perigos da utilização da palavra alma. Corre-se o risco de ser substancializada, transformando-se numa espécie de ser invisível. Alma nos interessa no seu uso imaginativo,metafórico e retórico: alma como metáfora primária da psicologia arquetípica.
Cultivar a alma é esta a proposta de Hillman, cultivo este que será construído passo a passo nas relações entre o ego e a alma. A alma será cultivada na medida em que o ego for se transformando num ego-imaginal, isto é, na medida em que aceite e aprende a conviver no Imaginal, a viver no mundo das imagens.
A expressão para "cultivo da alma" em inglês é "soul-making" que numa tradução literal significaria "fazer alma". Cultivar e fazer são verbos de ação que transmitem adequadamente a ideia de que deve haver um trabalho de construção para obtermos um sentido de alma. Porém, o verbo fazer é mais pertinente,visto que ele é a tradução da palavra grega "poiesis", poesia.
Por este motivo, Hillman coloca seu trabalho sob o signo da retórica da poética, "o poder persuasivo de imaginar em palavras". Sua psicologia assume que a alma possui uma base poética e é a partir desta base que a alma cria suas ficções.
A expressão "soul-making" foi retirada de um trecho de uma carta do poeta inglês John Keats:
"chame o mundo, por favor, se vale de fazer alma,...
...descobrirás, então, para que serve o mundo"
Ao utilizar esta expressão, Hillman revela que seu fazer é totalmente calcado no mundo, que a alma a ser cultivada não é apenas a "minha", encontrada no meu "interior", mas também a alma do mundo, ou seja, a alma dos carros, edifícios, negócios, doenças, esportes, televisões, transportes, tetos...
Tudo é objeto para uma reflexão psicológica.
Para cultivarmos a alma temos que estar no mundo, pois as imagens sobre as quais nos debruçamos pertencem a ele e não a nós.
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Marcus Quintaes, do site Symbolon - Estudos Jungianos, acessado em 23/12/2017 (texto sem data)
* Título original - "Por uma Psicologia com Alma e Beleza"
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