PENSAR SEM JUÍZO
No exame psiquiátrico ortodoxo a expressão da fala costuma ser o acesso mais fácil ao pensamento do paciente. É de imediato perceptível ao técnico. Não falar coisa com coisa, falar besteira, dizer frases ininteligíveis, não conseguir se comunicar conforme as regras do bom senso, o que é chamado de curso (ou forma) do pensamento, mistura-se ao conteúdo, consumando-se às vezes (caso da esquizofrenia) numa “salada de palavras” ao modo de categorizar da semiologia tradicional. Mais ainda, com o aparente declínio da psicopatologia, o discurso (junto à conduta) é valorizado como prova explícita de insanidade. Esse dado é observado no campo das psicoses, mas abrange variadas síndromes, como as neuroses graves (histeria, TOC, etc), os transtornos da personalidade, notadamente os chamados “borderlines”e quadros orgânicos crônicos como as demências. O que o paciente diz é “julgado” como possível alteração do pensamento expresso na fala. Isso tem efeitos diretos sobre as hipóteses etiológicas levantadas, já que se a comunicação está prejudicada, a tendência é concluir pela ocorrência da patologia x ou y, mesmo sem entender o que o paciente diz. A psiquiatria, como nunca antes, tem “necessidade” de controlar com competência técnica. Usa dispositivos práticos em casos e situações clínicas pontuais. Em casos de retardo mental, por exemplo, a expressão da fala em geral está comprometida, seja por uma dislalia ou pela atividade cognitiva reduzida a nível das relações conceptuais na formação e execução de juízos. O diagnóstico chega rápido... É essencial registrar que o exame do paciente acaba ficando mediado pela fala no sentido mais comum e operatório do contato social. Digamos: uma máquina não está funcionando a contento e é preciso consertá-la.Esse modo de ver não constitui uma acusação à semiologia psicopatológica atual. Bem mais, trata-se de demonstrar sua insuficiência técnica “essencial” com repercussões por vezes danosas sobre a conduta terapêutica. O que o paciente diz e faz (o dizível e o visível) se alternam sob uma avaliação que busca sintomas. Ora, o pensamento não segue uma linha fixa de racionalidade, nem mesmo nas pessoas ditas normais. Além disso, ele é, por excelência, invisível e se move a velocidades infinitas. Estamos diante de uma instância subjetiva que se apresenta em ações não mensuráveis. O pensamento é o silêncio e nem por isso deixa de ser pensamento ou de pensar.
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A.M. in Trair a psiquiatria
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