ESTUDO CLÍNICO SOBRE OS DELÍRIOS - IX
Como já foi dito, os delírios trazem a questão da verdade para a clínica. Mais precisamente para a prática da psicopatologia clínica. O que o paciente diz é verdade?, perguntaria a si mesmo um psiquiatra em busca de um diagnóstico que sustente a sua técnica. Ora, a relação médico-paciente é verticalizada conforme a díade saber-poder.Ela funciona no interior de dispositivos institucionais bem "azeitados". Desse modo, a verdade do paciente está sempre a mercê de um juízo de valor e da produção de sentido, ainda que esse processo se oculte no discurso da racionalidade científica. Vistos duma ótica de afirmação da diferença, os delírios são formas (as vezes bizarras) de expressão subjetiva, subjetividades nômades, já que não se ancoram na consciência intencional.Ao contrário, abalam, em maior ou menor grau, a Consciência como representação do mundo. "Ele não tem consciência do que faz", costuma-se dizer. Isso estabelece um lugar da psiquiatria a partir do delírio (sintoma/doença) do Outro, fazendo o senso comum "esquecer" que a psiquiatria tem os seus próprios delírios. Um deles é simples: ela acredita que sabe mais sobre o paciente do que ele próprio. Trata-se uma crença enraizada na formação biomédica calcada no sofrimento do organismo visível. Mas quem sofre nos delírios, mesmo nos orgânicos, não é o organismo físico-químico e sim o corpo do desejo, o corpo dos afetos, invisível, opaco e arredio à observação médica.
A.M.
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