NELSON E O FUTEBOL
“Garrincha não acredita em ninguém e só acredita em si mesmo. Para ele, Pau Grande, a terra onde nasceu, vale mais que toda Europa. Com esse estado da alma, plantou-se em campo para enfrentar os russos. Outros poderiam tremer. Ele jamais. Perante a plateia internacional, era quase um menino. Tinha essa humilhante sanidade mental do garoto que, em Pau Grande, na sua cordialidade indiscriminada, cumprimenta até cachorro.”
“A realeza é, acima de tudo, um estado de alma. Pelé se sente um Rei, da cabeça aos pés! Quando ele apanha a bola, e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. Sua cabeça, mão e ombros, sustentam coroa, cetro e um manto invisíveis. Dir-se-ia um Rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, ponham-no em qualquer lugar e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte ao redor.”
“Diante do defunto, diante do ser transfigurado verifiquei o seguinte: não há morto canastrão. Vestido de noivo, com sapatos engraxados, ele tinha a face, o perfil de um grande ator. Era um perna de pau, apenas um perna de pau. Mas no caixão, apresentava uma nobre e taciturna máscara cesariana. Cheguei a seguinte conclusão: todo morto é um César.”
“A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana. Às vezes, num córner mal ou bem batido, há um toque evidentíssimo do sobrenatural.”
Nelson Rodrigues
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