sábado, 16 de junho de 2018

MENOS, MORO, MENOS

A missão de combate à corrupção subiu à cabeça de Sergio Moro há muito tempo. Em nome desse fim maior e incontroverso, Moro não economizou nos meios jurídicos ou antijurídicos e se permitiu extravagâncias que a lei e a sensibilidade democrática recusam a juízes. A heterodoxia de suas práticas processuais, de olho na opinião pública, é parcela dessa história. Outra parcela é sua construção como membro da alta sociedade política e empresarial. Sua participação constante em eventos privados que lhe celebram e entregam prêmios de cidadão superior, nem que seja na companhia de personagens de estatura moral decadente, como Michel Temer e Aécio Neves, banalizou prática que põe em risco um dos ativos mais caros e voláteis do Judiciário — a imparcialidade. Em sua filosofia declarada, buscar aliados é estratégico para se proteger contra poderosos adversários. Na vida real da política, só faz comprometer a integridade de sua instituição no longo prazo. Como o longo prazo ainda não chegou, poucos se dão conta da gravidade do que está em curso.

Já em 2015, diante das críticas contra sua participação em eventos do LIDE, empresa de João Doria, Moro disse em sua defesa que o encontro estava “muito longe das eleições de 2016, quando nem sequer João Doria havia sido definido como candidato”. Em maio de 2018, e vários eventos do LIDE depois, Moro foi a Nova York para receber prêmio da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, pelas mãos de Doria e, no dia seguinte, participar do “LIDE Brazilian Investment Forum”. Nas palavras de Doria, Moro é o “Brasil dos homens de bem”, clube do qual Doria se considera sócio de carteirinha. Em 2018, contudo, Doria não só se consolidou como liderança de destaque do PSDB, como já largou a prefeitura e é candidato novamente. A justificativa dada em 2015, portanto, não se aplica a 2018, mas para Moro “isso não significa nada, é uma bobagem”.

Assim como a liberdade exige responsabilidade, a independência judicial pede compostura. Protagonistas do Judiciário brasileiro, contudo, têm ignorado essa regra de ouro da reputação judicial. Ao se recusarem a seguir padrões éticos da instituição e optarem por seus próprios, corroem a imagem de imparcialidade da qual depende a autoridade do Judiciário. Enquanto jornalistas e observadores da Corte não afiarmos nossos conceitos para definir o que está errado e por que está errado, juízes poderão caminhar nessa zona da libertinagem judicial sem maior constrangimento.

Não se exigem de juízes hábitos monásticos, apenas discrição no espaço público e inteligência institucional. Autorrespeito e respeito ao Judiciário, enfim. Não é muito. O deslumbre na festa de gala em Nova York pode até ser de gosto duvidoso, mas gosto duvidoso todos temos, e o problema não é esse. No caso da foto em black tie, Moro ajuda a atrapalhar a Lava Jato. Em qualquer circunstância, já seria grave o bastante. Em ano eleitoral, posar ao lado de um candidato é ainda pior: presta-se gratuitamente a garoto-propaganda de campanha. Doria agradece e posta nas redes. Em sua nada inocente irresponsabilidade, com a certeza de que paira acima do bem e do mal, e confundindo maliciosamente as críticas que lhe são dirigidas com a defesa de corruptos, Moro acomodou-se na pose de herói. Sua vítima é o Judiciário.

Quando um juiz tem sua imparcialidade sob suspeita em razão de sua proximidade com pessoas que deve julgar, não basta nos assegurar que seu julgamento é imparcial e invocar, em seu favor, casos que decidiu contra o interesse dessas pessoas. Essa técnica já foi vulgarizada pelo ministro Gilmar Mendes, que não se constrange em julgar pessoas de seu círculo pessoal e político (e o STF se recusa a pautar pedidos de suspeição contra ele). O Judiciário não pode prometer nem garantir a imparcialidade subjetiva de seus membros. Deve, porém, proteger a imparcialidade objetiva da instituição, ou, em outras palavras, cultivar a “fumaça do bom juiz” (o fumus boni iudex).

Conrado Húbner Mendes, Época, 15/06/2018, 12:17 hs

Nenhum comentário:

Postar um comentário