1964: O ANO QUE NÃO EXISTIU
Na reta final das eleições presidenciais 2018, um movimento atípico tomou conta de ao menos quatro grandes editoras de livros didáticos do país. Autores de história, muitos conceituados e com longa carreira na educação, pediam para fazer modificações na última versão dos livros de história que iriam disputar a licitação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o ano de 2020, voltada à compra de obras para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano). Os pedidos, que incluíam substituir a palavra ditadura por regime, e golpe de 64 por movimento —em contraste com o recomendado pelas próprias diretrizes oficiais que citam ditadura civil-militar—, surpreenderam até mesmo editores. Os próprios autores, antecipando o posicionamento ideológico do Governo Bolsonaro prestes a ser eleito, optaram pela autocensura para não perder espaço potencial num mercado milionário.
O EL PAÍS apurou que, de ao menos três pedidos diretos de modificação de texto para retirar o termo ditadura, um foi acatado e o livro, já modificado. Em um quarto caso, a petição do autor foi para trocar charges de uma obra por "imagens menos impactantes" e as modificações também foram feitas. Todos os envolvidos falaram com a reportagem em condição de anonimato por causa da delicadeza do tema no momento em que a gestão bolsonarista redobra a aposta na estratégia negacionista de ditadura, apoiada principalmente pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez, que, segundo o próprio presidente, está ameaçado de demissão.
Vélez afirmou ao Valor Econômico nesta semana que o país deve mudar os livros didáticos para "resgatar uma versão da história mais ampla" sobre o período de 1964 a 1985. Mas o clima nas editoras mostra que talvez nem seja necessário uma mudança formal. “Muitos autores têm sua principal renda vinda do programa do livro didático, a preocupação em reduzir a críticas é uma estratégia para sobreviver ao Governo Bolsonaro", diz um editor, que frisa que a autocensura não é ideológica.
Os profissionais do setor dizem que o cenário é de insegurança tanto quanto ao futuro do trabalho quanto a qualidade do material publicado. “Fomos orientados para reduzir a crítica nas publicações”, conta um editor. “Escolhemos imagens menos impactantes, evitando charges, por exemplo, que exageram o problema para fazer a crítica”, explica outro editor.
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Regiane Oliveira,El País, São Paulo, 05/04/2019, 22:17 hs
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