terça-feira, 17 de setembro de 2019

O QUE É APRENDER?

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3- A dobra subjetiva – A experiência de  ensinar é antes a experiência de aprender com os signos. Antecedendo à  partição significante-significado, o signo procede a uma  violência constitutiva dessa experiência. Forçar a pensar, como diz Deleuze, é criar um campo tanto mais rico na emissão de signos. A função de professor dobra-se e desdobra-se na sua presença-ausência, descolando-se dos conteúdos e fazendo destes o móvel das práticas do pensar. A subjetivação deixa de ser centrada numa pessoa, seja a do professor, seja a do aluno, e constitui-se como ato de pensar por fragmentos do real.  Um pensar estilhaçado, atravessando campos do saber,  tal como um pássaro  bicando aqui e acolá os materiais necessários à produção de conceitos. Ou de afetos e funções, se pensarmos como um artista ou como um cientista, respectivamente. Isso conflui numa subjetividade contra-subjetiva, ou seja, exposta para fora de si, não totalizada, não totalizável e inscrita na superfície dos corpos humanos e inumanos. Trata-se de singularizações móveis do processo do desejo. O muro é a linguagem douta, técnica, rochedo invisível mas  doloroso às invenções não cadastradas do pensar. O caráter redutor, reducionista e por vezes fascista da linguagem leva-nos à dimensão do conhecimento imaculado. Como diz Nietzsche, “em algum canto longínquo do universo difundido no brilho de  inumeráveis sistemas solares, houve certa vez uma estrela na qual animais inteligentes inventaram o Conhecimento. Foi o minuto mais arrogante e mais ilusório da “história universal”, mas não foi mais que um minuto. Com apenas alguns suspiros da natureza a estrela se congela, os animais inteligentes logo morrem”. Esta fábula traz para a experiência do aprendizado as velocidades infinitas do caos-cosmos. Daí, como trabalhar o discurso com um contra-discurso ou sem o discurso ou para além do discurso? Como ultrapassar o discurso normalizante e moralizador da pedagogia vigente e embutida  nas práticas de ensino? Como  seguir o rumo  de  territórios invisíveis, mesmo à mão, e de paisagens vertiginosas,  mesmo à luz da razão? Como fabricar universos de sentido sem cair numa  indiferenciação  subjetiva estéril, também chamada   “porra-louquice”?  Ora, o aprendizado é, antes, a produção (não o produto) do Encontro. Afetar e ser afetado, nos termos de Spinoza, é a densidade própria à dobra subjetiva referida acima, e que situamos como sendo a multiplicidade. O aluno é esta multiplicidade que vaza  e se expande para fora do papel-aluno disposto na série escolar . Obter uma boa nota nos exames, passar de ano ou de semestre, ser aprovado etc, são componentes do papel. Contudo, a depender  do uso feito na produção do Encontro, tornam-se uma caução para o conhecimento bem comportado e estável. O que chamamos  de “devir-aluno” é pois o processo do Encontro mestre-aluno  na dimensão impessoal das multiplicidades. O mestre torna-se outra coisa que não ele. O aluno torna-se outra coisa que não ele. As linhas do aprendizado passam pelo vôo da bruxa  até onde (?) ela irá. São abertas conexões ilimitadas  às sensibilidades em curso. É criado um campo de intensificaçào da  experiência do Encontro entre multiplicidades. Na prática, isso quer dizer: não faça como eu;  faça comigo  até experimentar em você  o gosto pela novidade e pelo risco de pensar com os próprios neurônios, mesmo que estas células recolham de longe o que as faz mover, respirar, funcionar.
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A.M.

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