A psiquiatria oficial chama o seu paciente de “portador de transtorno mental”. Nem sempre explícito, tal enunciado está na bíblia dos diagnósticos, a CID-10. A expressão “mental” é usada de modo naturalizado, ou seja, todo mundo sabe o que é “mental”. A metonímia “ele é um mental”expõe o nervo do estigma.Contudo, no encontro com a loucura, acontece outra coisa: a mente desaparece como substância ou como algo palpável.Dilui-se num vazio sem forma.Encontrar o paciente seria possível? Sim, na medida em que se adentre ao acaso, ao indeterminado e ao desconhecido.Esta é a condição. Como, então,trabalhar a clínica? A experiência da prática mostra que ela só existe como abertura ao mundo, ou mais ainda como fazedora de mundos. Por outro lado, a ética – essência da clínica - sustenta-se na alegria. É a força maior. “O regime da alegria é o do tudo ou nada: não há senão alegria total ou nula” (C.Rosset). A clínica da diferença busca, então, atuar em linhas existenciais desprezadas pela razão. Lida com o incurável, o imprestável e com discursos submetidos às formações de poder. Requer um desejo não apoiado na realidade objetiva pois o desejo é a própria realidade objetiva. No universo sedutor-violento do capital, a aposta num trabalho com pacientes graves capta o ritmo das canções sem dono. Tudo é impessoal e coletivo. O caps torna-se, então, a procura de saídas não cadastradas pela psiquiatria canônica. A ótica da diferença é a do novo. A ética precede a técnica. Legiões de psiquiatrizados de toda parte ajoelham-se no altar dos psicofármacos e dos cérebros à mão. Tudo conspira a favor do consumo de pacotes cientificamente autorizados para ações lucrativas.No entanto, mesmo desbotada e segregada nos grilhões cidológicos , a diferença resiste. A ética da potência de viver afirma-se como ética de poetas itinerantes.O discurso e a prática da diferença exploram o avesso da ordem do universo capitalista. Quem se interessa em criar, fazer nascer? Pergunta talvez insana na medida em que os poderes investem na repetição do Mesmo e no rigor mortis do pensamento. Por isso, a prática da diferença considera as determinações micro-sócio-políticas como a superfície da ação mais concreta. O ato clínico. Em suas pesquisas, não encontra respostas exatas, mas problemáticas abertas. Se a loucura é a experiência que atravessa a subjetividade, (mesmo que não estejamos loucos, podemos entrar num devir-loucura), tudo muda na percepção fina da realidade da saúde mental .Um novo universo se desvela. Somos devires incontroláveis.
(...)A.M.
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