terça-feira, 22 de novembro de 2011

PENSAR AS DEPRESSÕES


As depressões  sub-clínicas  tem aí um lugar  importante. Escapam da  grade  psicopatológica  clássica  e   se expressam  socialmente   em múltiplos papéis, máscaras  insondáveis. Uma cultura  da  depressão configura  a depressão como  tijolo onde  se  apóiam as  ações  cotidianas  de manutenção do tempo. Corpos encadeados  em séries  familiares, escolares ou médicas. O  organismo  deprimido é  um  corpo que perdeu as   conexões  com o exterior, com o fora, com as  forças  ativas, com  o inconsciente  produtivo, com  o acontecimento, com o Isso.  Significa dizer  que  seus  contornos  seguem os  estratos onde o  desejo  estanca  a    produção de si. Os  estratos   são estabelecidos  pelos  órgãos.  Assim, a  depressão ataca  os  órgãos e  por  extensão  a  organização dos  órgãos.   Se a depressão  pode  ser  considerada  uma  doença no sentido médico, ela  é  uma  doença  dos  órgãos  submetidos a  um  comando central  que  é  do  organismo. Ora, entre  todos  os  órgãos, um está numa  situação especial  em  relação  às forças coletivas. É  o cérebro. Ele  se  coloca  no limite  da  relação  do   homem  com a natureza  que  o  precede. Assim, as  alterações  passíveis  de modificação  mais  rápida  são as  do  cérebro. O campo neuro-químico  ilustra  bem  essa  hipótese. Um paciente  deprimido  tem o cérebro deprimido. O uso de  fármacos nesse  tipo de depressão é aceito e promovido  como  o tratamento mais adequado.  Isso  significa  que  ele ataca  a  depressão  em sua alteração mais objetiva: os  neurotransmissores. O pressuposto epistemológico  é  o de que  “a depressão  é  um problema  no cérebro” e assim deve  ser  corrigida. Outros tratamentos  como a Estimulação Magnética  Transcraniana ou  o antigo ECT obedecem  a lógica do cérebro  avariado  . Ainda  assim, não se  sabe  ao certo  o mecanismo de  ação  desses  dispositivos. Mas  nada  há   de   errado  em trabalhar com os  recursos  disponíveis  para  aliviar  o sofrimento  humano  ou até  mesmo  salvar  vidas  como  nos  casos  de  suicidas potenciais. A questão passa  por  outro registro,  o do  corpo  desejante e por  extensão pelos  modos de subjetivação. As depressões  “biológicas” são  um caso de subjetivação inscrita  nos  estratos  físico-químicos  do organismo. Daí, alguns dados  clínicos  lhe  caracterizam: 1- Os pacientes  tendem  à inibição psicomotora severa,  às  vezes  chegando  à passividade extrema  nos  casos  (raros) de catatonia. 2-O contato em termos de “feeling” do terapeuta  costuma se aproximar  das  psicoses; a antiga  psicose maníaco-depressiva atesta  esse  “parentesco” clínico-etiológico. 3- O desencadeamento dos  episódios  não segue uma lógica  de compreensibilidade da consciência; ou seja, os  sintomas  aprecem muitas  vezes  sob “céu azul”; tudo vai bem e  tudo  vai mal. 4- nos períodos  de remissão  do quadro, a adesão ao  tratamento é  difícil.  Estes  4  dados reforçam a hipótese de  uma depressão com traços  fásicos  e  uma  subjetividade com estilo psicótico. A alternância  com a mania  não é  rara. Parece, pois,   uma  doença   encaixada  no paradigma  médico.  Essa  lógica epistemológica  criou  um modelo  único  para  as  depressões: o bio-médico. Melancolia, depressão endógena, depressão psicótica,  psicose depressiva, transtorno bipolar, depressão recorrente, são nomes para  designar o humor  como uma secreção, a sua  alteração   e a possibilidade  de  influir, com  remédios  químicos,  sobre   a  produção de  serotonina  e  outros  neurotransmissores. Nasce   a depressão entificada, essencializada como doença incurável ou só controlável. Ela  se afirmou   na última década  do século passado como O transtorno   mental. A psiquiatria recolheu os  frutos.  Os neurocientistas contribuíram com sua  parcela de  cientificidade e fé.  Então, o modelo  de depressão da psiquiatria  é  de  cunho biologicista, ainda  que os manuais  considerem o tripé etiológico bio-psico-social ou a  psicoterapia  como coadjuvante  ao  fármaco.  Se  a depressão  é vista como estando  “dentro”  do cérebro, ou   de origem   cerebral, isso  se torna um axioma. Sim, em geral  há melhora  do quadro sintomático, mormente  nas depressões  graves. E  as  outras depressões? (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

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