QUEM SOFRE?
Apesar das intenções humanitárias da psiquiatria, a dimensão do socius na formação capitalista infiltra-se na realidade subjetiva, marcando-a como produto. O paciente é esse produto e, portanto, não “sente”. Apenas é consumido. É um dado inscrito no circuito delirante do capital.[1] Produção, registro e consumo. A produção ampliada de modelos patológicos desenha e busca identificar novos transtornos mentais.Apesar do “produto não sentir” , algum sentimento psíquico “deve” acompanhar a doença respectiva e registrá-la como demanda, mesmo que seja a da família.Estamos no consumo. Impõe-se uma necessidade de sofrimento por se estar doente. O diagnóstico de psicose nivela as afetividades pelo incômodo causado ao Outro. Os transtornos mentais são transtornos, o nome o indica. A psiquiatria dispõe um sistema classificatório dos comportamentos em torno do sentimento de ser doente. É um detalhe semiótico atado ao quadro psicopatológico de base. Passa pela consciência. A avaliação é, antes de tudo, a da consciência alienada. Sinta-se doente, você está fora dos normais, está fora da produção, fora da vida.Para ser um sujeito você tem que admitir que está doente. O sentimento de ser ou estar doente, de ser portador de um transtorno mental é antes produzido pela psiquiatria e suas agências de apoio: família, escola, polícia, direito, estado e a indústria farmacêutica. Então, temos o esquema: afetos coletivos (desejo) =instituições= produção, registro e consumo de sentimento = organismo visível = subjetividade individuada =consciência de si=sofrimento (...)
Antonio Moura
[1] “Pois em verdade- a cintilante e negra verdade que jaz no delírio- não há esferas ou circuitos relativamente independentes: a produção é imediatamente consumo e registro, o registro e o consumo determinam diretamente a produção, mas a determinam no seio da própria produção”, Deleuze, G. e Guattari, F.,O anti-édipo, Rio, Imago, 1976, p.18.
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