sábado, 26 de novembro de 2011

AS DEPRESSÕES: duas falas

Paciente 1- 19, homem, classe média alta, estudante de engenharia civil; havia tentado suicídio uma vez; tentou cortar o pulso; foi atendido em emergência e se salvou; perguntado sobre a tentativa, respondeu não ver sentido em nada no mundo atual;  na presença da genitora,  esta comentou: " meu filho, você não é uma pessoa triste; até que é um rapaz alegre", ao que   respondeu: "sim, eu sou alegre, o mundo é que é triste".

Paciente 2- 45, mulher, com queixa de de "sempre fui pra baixo, meio deprimida; chorava muito";  classe média, emprego com boa remuneração, situação econômica estável,  casada (classifica como "bom" casamento ), relaciona-se muito  bem com duas filhas de um casamento anterior, goza boa saúde física; em geral tem uma  "vida boa e arrumada" ; na segunda entrevista, disse: " tá tudo bem, tá tudo certo com o mundo; o problema sou eu; tem alguma coisa errada comigo".

Comentário: no primeiro caso, o paciente acusa o mundo; no segundo, a  paciente acusa a si mesma; clinicamente poder-se-ia   dizer que o diagnóstico é o de uma  depressão? Mas, afinal,  o problema é o mundo ou o  sujeito? Claro que temos poucos dados anamnésticos para uma discussão; no entanto, queremos tão apenas  pontuar  o nexo irrecusável das depressões com o Mundo, ou , no que dá no mesmo, com a Ordem Socio-Cultural. Que se argumente: todas as patologias "mentais" tem esse nexo, claro. Ora, o caso das depressões se destaca por dois aspectos, no mínimo:1-há um claro aumento da sua morbidade nos tempos atuais; 2-a vivência depressiva incorpora a um só tempo, dados bioquímicos, psicológicos, sociais, culturais, econômicos, religiosos, metafísicos, entre outros... toda uma multiplicidade girando em torno da pergunta: a vida merece ser vivida? Este me parece  o móvel para uma ampla pesquisa (não atrelada a  um bioquimismo tosco) que pode esclarecer alguns enigmas do deprimido na contemporaneidade.

Antonio Moura

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