domingo, 1 de janeiro de 2012

As  bases  da  subjetividade
                                          

                                                                                         Antonio Moura

A clínica  das  multiplicidades necessita problematizar  a origem dos  chamados  transtornos mentais  e propor  uma  teoria  da  subjetividade. Desse  modo, considera  o conceito  de subjetividade a  partir do contexto   sócio-cultural onde se  insere o indivíduo.  Em tempos atuais, tal  contexto  está plenamente  identificado   com a  realidade do  capital [1] .  O registro é  o  das  relações sociais   onde  tudo  começa, mesmo  o  nível  biológico. A título de esquematizar a  discussão,    o “subjetivo” é  colocado   como um modo  de expressão do indivíduo. Ora, tal posição   se ancora em três vetores. Primeiro, o dos  processos  físico-químicos  que se  subdividem em fatores  genéticos, orgânicos, bioquímicos, etc. O segundo, marcado pela  história psíquica, inclue  valores e significados que o paciente  atribui  a   si  mesmo  e  à Realidade.  O  terceiro  compreende a   instância do socius (papéis  sociais)  por  sua vez  determinada  pelo funcionamento das  instituições  (o cultural-em-nós).A proximidade destes fatores com o clássico  tripé  bio-psico-social é evidente. O que não é evidente  é  a linha  de fronteira entre  eles. Onde   termina o   bio? onde  começa   o psi ? e o  socius?   ou  o inverso...  Não obstante, limites frouxos  podem  ser úteis  para  uma  visão  transdisciplinar  do  problema. Nosso interesse  é, pois,   a subjetividade, o que   parece não interessar  à   psiquiatria, marcada pelo isolamento  do  cérebro  como objeto de   pesquisa.  Não  parece ser , mas é . Na  verdade, a psiquiatria se  ocupa, sim, ainda   que por   meios  enviesados,  da  subjetividade   para melhor adestrá-la a  dogmas cientificamente  respaldados e  interesses  concretos. Temos então  uma  subjetividade-doente-mental (ou portador-de-transtorno-mental) que se  constitui como um a priori da epistemologia  psiquiátrica. Um  “já  estar  lá”.  Uma  clínica  das  multiplicidades  é  outra  coisa:  busca  trabalhar como  produção e  não  como produto. Isso   constitui  um olhar  sobre  o doente que  difere  em natureza  do olhar psiquiátrico. Em outros  termos, o interesse  da  psiquiatria estabelecida  sobre a  subjetividade é fruto de  investimentos  (econômico-desejantes) no campo  do  biopoder [2]. Assim, o   primeiro  passo para uma  outra compreensão  da  subjetividade seria  o de  efetuar uma  espécie  de  descolamento    do  conceito  de indivíduo. É  que  a  forma-indivíduo  cola   na  figura  do  doente mental a “confirmação”  visível de  um suposto  mau   funcionamento do  cérebro. Tal fato acaba  por  ocultar  o pressuposto  teórico que  sustenta   tal   enquadre metodológico.  Não partimos do  indivíduo  e   sim  dos processos  subjetivos. Evidentemente estes  incluem  o cérebro  já  que,    como    multiplicidades,   são   o real  em si  mesmo.  É  uma opção  metodológica  com implicações   éticas,  políticas e  clínicas.



[1] “A ordem  capitalística  produz  os   modos  das  relações  humanas até  em suas  representações inconscientes: os  modos como  se  trabalha, como  se  é  ensinado, como se  ama, como  se trepa, como  se  fala, etc. Ela fabrica  a  relação com a produção, com a natureza, com  os fatos, com o  movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, com  o passado e  com o futuro – em  suma, ela  fabrica a  relação  do  homem com o  mundo e  consigo   mesmo. Aceitamos tudo  isso  porque partimos do  pressuposto  de  que é   a   ordem do  mundo, ordem  que  não  pode ser  tocada  sem que  se  comprometa a  própria  idéia de  vida  social  organizada.” ,  Guattari, F. e Rolnik, S. , Cartografias  do  desejo, Petrópolis, Ed. Vozes, 1986, p. 42.
[2] - Sobre  o conceito de  biopoder   ver    Foucault, M. in Em defesa  da sociedade, São Paulo, Martins Fontes,  1999, pgs.  285   a   315.

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