As bases da subjetividade
Antonio Moura
A clínica das multiplicidades necessita problematizar a origem dos chamados transtornos mentais e propor uma teoria da subjetividade. Desse modo, considera o conceito de subjetividade a partir do contexto sócio-cultural onde se insere o indivíduo. Em tempos atuais, tal contexto está plenamente identificado com a realidade do capital [1] . O registro é o das relações sociais onde tudo começa, mesmo o nível biológico. A título de esquematizar a discussão, o “subjetivo” é colocado como um modo de expressão do indivíduo. Ora, tal posição se ancora em três vetores. Primeiro, o dos processos físico-químicos que se subdividem em fatores genéticos, orgânicos, bioquímicos, etc. O segundo, marcado pela história psíquica, inclue valores e significados que o paciente atribui a si mesmo e à Realidade. O terceiro compreende a instância do socius (papéis sociais) por sua vez determinada pelo funcionamento das instituições (o cultural-em-nós).A proximidade destes fatores com o clássico tripé bio-psico-social é evidente. O que não é evidente é a linha de fronteira entre eles. Onde termina o bio? onde começa o psi ? e o socius? ou o inverso... Não obstante, limites frouxos podem ser úteis para uma visão transdisciplinar do problema. Nosso interesse é, pois, a subjetividade, o que parece não interessar à psiquiatria, marcada pelo isolamento do cérebro como objeto de pesquisa. Não parece ser , mas é . Na verdade, a psiquiatria se ocupa, sim, ainda que por meios enviesados, da subjetividade para melhor adestrá-la a dogmas cientificamente respaldados e interesses concretos. Temos então uma subjetividade-doente-mental (ou portador-de-transtorno-mental) que se constitui como um a priori da epistemologia psiquiátrica. Um “já estar lá”. Uma clínica das multiplicidades é outra coisa: busca trabalhar como produção e não como produto. Isso constitui um olhar sobre o doente que difere em natureza do olhar psiquiátrico. Em outros termos, o interesse da psiquiatria estabelecida sobre a subjetividade é fruto de investimentos (econômico-desejantes) no campo do biopoder [2]. Assim, o primeiro passo para uma outra compreensão da subjetividade seria o de efetuar uma espécie de descolamento do conceito de indivíduo. É que a forma-indivíduo cola na figura do doente mental a “confirmação” visível de um suposto mau funcionamento do cérebro. Tal fato acaba por ocultar o pressuposto teórico que sustenta tal enquadre metodológico. Não partimos do indivíduo e sim dos processos subjetivos. Evidentemente estes incluem o cérebro já que, como multiplicidades, são o real em si mesmo. É uma opção metodológica com implicações éticas, políticas e clínicas.
[1] “A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas representações inconscientes: os modos como se trabalha, como se é ensinado, como se ama, como se trepa, como se fala, etc. Ela fabrica a relação com a produção, com a natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro – em suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. Aceitamos tudo isso porque partimos do pressuposto de que é a ordem do mundo, ordem que não pode ser tocada sem que se comprometa a própria idéia de vida social organizada.” , Guattari, F. e Rolnik, S. , Cartografias do desejo, Petrópolis, Ed. Vozes, 1986, p. 42.
[2] - Sobre o conceito de biopoder ver Foucault, M. in Em defesa da sociedade, São Paulo, Martins Fontes, 1999, pgs. 285 a 315.
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