segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

As  depressões: notas  clínicas e  etiológicas

                                        
                                      Antonio Moura




As  depressões  são  um tema muito  importante nos  tempos  atuais [1].  A  CID-10  inclui a  maior  parte  delas  no  item “transtornos do humor”. Isso nos parece  reducionista em função  do  destaque  conferido ao humor . “O que  é  chamado  de afeto ou humor, na Psiquiatria, é muito mal definido para constituir a base  de uma  categoria  diagnóstica”. [2] Ele  é  posto como função psíquica  passível de mensuração, ou pelo  menos  destacável  em termos  objetivos. Ora, as  depressões  são  bem mais  do que   “transtornos  do humor”, tanto referidas  ao  quadro clínico  quanto  à  origem (etiologia).  A não consideração da  vivência  do paciente é  uma das  raízes do problema. Mas não  só. Há   que  registrar, entre  outros  fatores,   o interesse  da  indústria farmacêutica  nos  quadros    nosológicos  tidos  como de  “alteração  do humor”, já que  este   deve  ser  normalizado  com remédios.  O problema  se  coloca na  própria   avaliação  psicopatológica.  Começa, então,   pela clínica. Desse  modo,  seja  qual for  a    hipótese  etiológica, o Encontro  com o    paciente  é  essencial como condição para uma   atitude  terapêutica. A questão passa a ser: como  se  expressa  o paciente  deprimido? Quais   as dobras  subjetivas (incapacidade  de  dizer  com clareza  o que  sente) e os  signos que    surgem   desse  encontro? Em outras  palavras: o paciente  está de  fato  deprimido? É clássica  a  descrição de   uma   inibição psicomotora:  ele   se  encolhe, murcha  diante o mundo. As apetências  diminuem:  sexo, alimentação,  anedonia.  Não  há  iniciativa para  o lazer.   Uma insatisfação por  estar vivo lhe  percorre. A tendência é  a    auto-depreciação.  Conforme  a   sua  capacidade  argumentativa, esse  dado  pode  vir   encoberto  por  uma real demonstração de que  ele não  vale mesmo  muita  coisa.   Busca  aliados (o técnico, as pessoas  em volta)    para  obter    subsídios  ao seu “não-valor”.   Mais: que tudo  vai de mal a pior  e  tudo dará errado. A vivência do  tempo costuma estar  modificada   na  proporção   da   gravidade do caso.  Num certo sentido, é  como  se  o deprimido estivesse  “fora”  do tempo.  O tempo não flui,  tudo  é  pesado. A   marca  característica   é  a do endurecimento do presente.  Ou seja, o passado lhe empurra, lhe encurrala  a propósito  de terríveis  acusações. O futuro  lhe  acena  com ameaças  e   castigo.  Entre um e  outro  o fantasma da  culpa sobrevoa uma atmosfera pesada e se  inscreve num  corpo desvitalizado pela  auto-retaliação.  O paciente deprimido  é  potencialmente  um suicida. Essa patologia  nega  e destrói a  vida em  graus  variados (...)



[1] “ A depressão se encontra  hoje em dia  generalizada e quanto mais sobre ela se fala, se escreve e  se pesquisa, tanto mais ela é encontrada nos mais  insuspeitos recônditos de nossa  civilização. O significante é  realmente  criacionista e  o significante depressão  parece ter engendrado o batalhão de sujeitos que  assim qualificam seu estado d ´alma quando  se encontram tristes, desanimados, frustrados,enlutados, anoréxicos, apáticos, desiludidos, entediados, impotentes,angustiados etc.Antes nós não os percebíamos? Onde  se escondiam?” – Quinet, A., Atualidade da depressão e a  dor de existir in Extravios do desejo – depressão e melancolia, A. Q. (org), Rio, Marca  d´Água, 1999, p.87.
[2] Sonenreich, C., Estevão, G. e  Silva Filho, L. de M. A., As depressões in Psiquiatria: propostas, notas, comentários, São Paulo, Lemos, 1999, p.100.

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