A LINHA ESQUIZO
Sabemos que a Consciência é regida por representações da realidade. Ela traz a certeza de si ancorada no eu, (que também é uma representação), estanca os devires e fabrica impressões de identidade. Isto é uma mesa. Aquele é o paciente. A suposta identidade do outro vem atada a um modelo cognitivo único: a razão. Institui-se, assim, o hábito de que o pensamento é um decalque do real. Contudo, pensar só é possível “encontrando” o lado de fora, a linha do Fora. O que é isso? Chamamos a mente de subjetividade. Ela expressa um mundo próprio mediante a criação de processos singulares. Rigorosamente, não há “dentro” nem “fora” da subjetividade. A expressão “no mundo” já é um mundo, mesmo que seja delirante. O eu se esfuma em proveito de linhas de vida que escorrem pelo corpo. O centro deixa de ser o eu para ser o corpo- superfície onde se inscreve o desejo. O corpo é o desejo. Aqui se traçam e se trançam linhas existenciais. Conforme Deleuze, são 3 as linhas que nos constituem. Enroladas umas nas outras, às vezes indiscerníveis para um olhar-clichê. Temos: a linha molar (ou sedentária), a molecular (ou nômade) e a de fuga. Vejamos algumas de suas características no campo da saúde mental, mais especificamente no paciente. A linha sedentária estabelece um papel social “estável” hoje nomeado “portador de transtorno mental”.A linha nômade expressa singularizações que escapam à forma-doença. São estilos de vida, maquinando uma certa arte, talvez a arte de viver. Por fim, a linha de fuga, a mais inesperada e louca: traduz universos insólitos não sonhados pela organização molar.É o mundo abstrato das formas não instituidas. Tudo isso compõe os processos subjetivos. A linha de fuga, sem dúvida, a mais estranha e arriscada, traz a questão da loucura para dentro da Clínica. Deste modo, a avaliação da Consciência é apenas um elemento ( dos mais frágeis) para se poder dizer “quem é o paciente?” A sua identidade, estabelecida pela razão psiquiátrica e por todas as razões de mando e comando, revela-se uma linha pronta a se encaixar no molde diagnóstico. Qual a CID? Falamos de outra coisa, talvez inominável. Portamos a Consciência e suas representações da realidade porque a tal Realidade não é a “nossa” e sim a que nos fazem acreditar. O paciente recusa-a. Ele escapa por linhas-sintomas (o delírio, a alucinação, etc) nem sempre criativas, e muitas vezes destrutivas para si e para os outros. As linhas moleculares (singularizações) se tornam meras esquisitices e as linhas de fuga buracos negros enregelados e malditos. A linha esquizo passa então a ser a entidade clínica tão cara à psiquiatria e aos seus axiomas. Veja: é esquizofrenia! Apesar disso, ela é a linha do Fora (onde é possível pensar) pois está em contato com forças inumanas. O Inconsciente não freudiano, reservatório de multiplicidades pulsantes, está aí, mesmo sem ser visto. A arte, mais uma vez, comparece. Seus paradoxos e expressões são uma linha esquizo se esboçando, se fazendo...
A.M.
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