sábado, 11 de maio de 2013

A LINHA ESQUIZO

Sabemos que a Consciência é regida  por representações da realidade. Ela  traz   a certeza  de si ancorada no eu, (que também é uma representação), estanca os devires e fabrica impressões  de identidade. Isto é uma mesa. Aquele é o  paciente. A suposta  identidade do outro vem atada  a um modelo cognitivo  único: a  razão. Institui-se, assim, o  hábito de que o pensamento é um decalque do real.  Contudo, pensar só  é possível   “encontrando” o lado de  fora,  a linha  do Fora. O que é isso? Chamamos a mente de subjetividade. Ela  expressa um mundo  próprio  mediante a  criação  de processos singulares. Rigorosamente, não há  “dentro” nem “fora” da  subjetividade. A expressão “no  mundo” já  é um mundo, mesmo  que seja delirante. O eu se esfuma em proveito de  linhas de vida que escorrem pelo corpo. O centro deixa de ser o eu para ser o corpo- superfície onde se inscreve o desejo. O corpo é o desejo. Aqui se traçam e se trançam linhas existenciais. Conforme Deleuze, são 3 as linhas que nos constituem. Enroladas umas nas outras, às vezes indiscerníveis para um olhar-clichê. Temos: a linha molar (ou sedentária), a molecular  (ou  nômade) e a de fuga. Vejamos algumas de suas  características  no campo  da  saúde  mental, mais especificamente no paciente. A linha sedentária estabelece  um papel social “estável” hoje  nomeado  “portador de transtorno mental”.A linha nômade expressa singularizações  que escapam à  forma-doença. São estilos de vida, maquinando  uma certa arte,  talvez a arte de viver. Por fim, a linha de fuga, a mais inesperada e louca: traduz universos  insólitos não sonhados pela  organização molar.É o mundo abstrato das formas  não instituidas. Tudo  isso compõe os  processos subjetivos. A linha de  fuga, sem  dúvida, a mais estranha  e arriscada, traz a questão da loucura para dentro da Clínica. Deste modo, a avaliação da Consciência é  apenas um elemento ( dos  mais  frágeis) para  se poder dizer “quem é o paciente?” A sua identidade, estabelecida pela razão psiquiátrica e por todas as razões  de mando e comando, revela-se  uma linha  pronta a se encaixar no molde diagnóstico. Qual a CID? Falamos de outra coisa,  talvez inominável. Portamos a Consciência e suas representações da realidade porque a tal Realidade não é a “nossa” e sim a que nos  fazem acreditar. O paciente recusa-a. Ele escapa por linhas-sintomas (o delírio, a alucinação, etc) nem sempre criativas, e muitas vezes destrutivas para si e para os outros. As linhas moleculares (singularizações) se tornam  meras  esquisitices e as linhas  de  fuga  buracos  negros enregelados e malditos. A linha esquizo  passa  então   a ser  a entidade  clínica  tão cara  à psiquiatria e aos seus axiomas. Veja:  é esquizofrenia! Apesar  disso, ela é a linha do Fora (onde é possível pensar) pois está em contato com forças inumanas. O Inconsciente não freudiano, reservatório de  multiplicidades pulsantes, está aí, mesmo sem ser visto. A arte, mais uma vez, comparece. Seus  paradoxos e  expressões são uma  linha esquizo  se esboçando, se  fazendo... 

A.M.

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