domingo, 31 de dezembro de 2017

COMO DIZEM NO CONGRESSO: FELIZ 2018 %


IGREJA RIDÍCULA

O papa Francisco atacou neste domingo (31), em homília feita durante cerimônia realizada na Basílica de São Pedro, no Vaticano, os conflitos entre povos, que classificou como "obras de morte".

"As guerras são um sinal flagrante deste orgulho reincidente e absurdo. Mas, também o são, todas as pequenas e grandes ofensas à vida, à verdade, à fraternidade, que causam múltiplas formas de degradação humana, social e ambiental".
(...)

Por Agencia EFE, Globo.com,31/12/2017, 15:00 hs
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar: desnecessário.
(...)

Carlos Drummond de Andrade

SVETLANA TICKONOVA


Nunca discutas com um idiota. Ele arrasta-te até ao nível dele, e depois vence-te em experiência.

Mark Twain

CELSO ZIMON - E se for verdade?

Não entendo o porque das pessoas pensarem sempre no pior e não no mais provável que é pior ainda.

George Carlin
O RUIM E O PIOR

(...)
Entramos em 2018 com a impressão de que teremos um ano melhor. O problema é que essa impressão se dá muito mais em razão da tragédia que foi o ano anterior, do que na aposta em um projeto efetivo para o País. Das candidaturas presidenciais até agora colocadas, nenhuma aponta ou discute caminhos concretos para o Brasil, quando muito divagam sobre velhas trilhas já exploradas desde 1994. Uma dessas candidaturas insiste no repeteco das mentiras e no dom de iludir como se pudesse repetir em 2018 o que fez em 2014. Tenta transformar carisma em sinônimo de impunidade. Outra vende a ideia de que com truculência e elevada ignorância conseguirá promover distribuição de renda, desenvolvimento, justiça social e derrotar no grito o crime organizado que vem dominando nossos estados. Há ainda aqueles que insistem em repetir as fórmulas que há décadas aplicam em seus redutos eleitorais, sem, entretanto, conseguirem êxito na educação, na saúde ou na segurança. É nesse quadro que se coloca a polarização. De um lado o ruim, de outro o pior.
(...)

Mario Simas Filho, Isto É, 21/12/2017, 18:00 hs

sábado, 30 de dezembro de 2017

ROSA PASSOS - Juras

AFETOS  INUMANOS

Os afetos dão consistência ao real subjetivo que se expressa como real objetivo. Eles são o próprio real, encontro de corpos com corpos.Não organismos, mas corpos. Os afetos não são passíveis de codificações fixas, como tenta fazer a psiquiatria biológica ao cunhar o logro da ansiedade-doença, do pânico-doença, da depressão-doença, entre outros. Eles sempre vazam, muitas vezes, inomináveis, quando, por exemplo, nem uma só palavra expressa o que alguém está sentindo. O que dizer? São abstratos se usarmos esse termo fora da acepção ordinária. Trata-se de algo sem medida, sem forma e invisíveis. Essencialmente concretos, fluxos de vida querendo conexões infinitas para além de toda regra social. O desejo...


A.M.
NÚMERO DA PAIXÃO

na corda bamba
quero ser teu contrapeso
no número das facas
assoviar nos teus ouvidos
no globo da morte
quero ser teu co-piloto
no vai e vem do trapézio
quero ser quem te segura

quero te acompanhar pelas ruas do rio
sorrindo ou chorando
quero me molhar todinho só pra te deixar
sequinha nesse temporal
quero te abraçar apaixonado
sentir teu coração pulsar
quero te beijar do oiapoque ao chuí, bem ti vi

porque eu sei que teus cabelos
são tempestades que me alucinam
que despencarei cada vez que subir nos teus andaimes
que me esfaquearei transtornado
com tuas sutis insinuações sobre o tempo
que me transmutarei em nêspera
cada vez que me disseres:
- hasta luego, luz del fuego
que vagarei sem esperanças não mais fizeres parte
das cenas dos meus próximos capítulos
que capitularei enfim, com a cabeça espatifada
nos escombros do meu próprio coração

Chacal

DOUGLAS GIRARDI


ENTRISTECER PARA DOMINAR

(...)
Vivemos em um mundo desagradável, onde não apenas as pessoas, mas os poderes estabelecidos têm interesse em nos comunicar afetos tristes. A tristeza, os afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa potência de agir. Os poderes estabelecidos têm necessidade de nossas tristezas para fazer de nós escravos. O tirano, o padre, os pastores, os gurus, os tomadores de almas, têm necessidade de nos persuadir que a vida é dura e pesada. Os poderes têm menos necessidade de nos reprimir do que de nos angustiar, ou, como diz Virilio, de administrar e organizar nossos pequenos terrores íntimos. A longa lamentação universal sobre  a vida: a falta-de´ser que é a vida... Por mais que se diga "dancemos", não se fica alegre. Por mais que se diga "que infelicidade a morte", teria sido preciso viver para ter alguma coisa a perder. Os doentes, tanto da alma quanto do corpo, não nos largarão, vampiros, enquanto não nos tiverem comunicado sua neurose e sua angústia, sua castração bem amada, o ressentimento contra a vida, o imundo contágio.
(...)

G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos
A verdade é que a maior parte das pessoas foge de tentações que nem se dão ao trabalho de tentá-las.

Millôr Fernandes

ANA CAÑAS - Mulher

COMO VIRAR A PÁGINA?

2018 começa na segunda-feira, 1º de janeiro. Abre-se a temporada eleitoral. As opções presidenciais conspiram contra a ideia de Ano Novo. A oligarquia política oferece ao eleitorado algo que Cazuza chamaria de um museu de grandes novidades. Considerando-se as vísceras expostas pela Lava Jato, a piscina dos partidos políticos está cheia de ratos. Levando-se em conta o lero-lero dos candidatos, suas ideias não correspondem aos fatos. E o tempo não pára.

O favorito nas pesquisas pode ir para a cadeia. O segundo colocado surfa uma onda conservadora de coloração verde-oliva que tem tudo para morrer na praia. Os outros pretendentes se acotovelam na franja inferior das sondagens eleitorais. Por ora, o protagonista da disputa é o ponto de interrogação. Não surgiu um nome capaz de empolgar quem foi às ruas ou bateu panelas na janela.

O ano supostamente novo começa sob os escombros do velho. Tudo parece seguir a lógica de um conhecido preceito bíblico. Está anotado no livro de Eclesiastes, capítulo 1, versículo 9: “O que foi tornará a ser; o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol.” A conjuntura é um convite ao surgimento de novidades. A boa notícia é que o eleitor tem o poder de virar a página. A má notícia é que, se não tomar cuidado, pode virar a página para trás.

Do Blog do Josias de Souza, 29/12/2017, 23:57 hs
Amor e seu tempo

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.


Carlos Drummond de Andrade

PINA BAUSCH - Stravinski

COMO PENSAR

É muito difícil o exercício de pensar. Não basta ter um cérebro, não basta ter conhecimento. O cérebro mente, o conhecimento entorpece. Antes, pensar é empreender uma espécie de raspagem no solo idealista das categorias platônicas e cartesianas. Entre outras doutrinas,  e contra elas, pensar é partir... para além do cais... "seguir sempre a linha de fuga do vôo da bruxa." Esta frase do livro "O que é a filosofia?" (Deleuze e Guattari, 1992) coloca o pensamento no tempo infinitivo, aquilo que faz vivenciar na carne o vôo da bruxa. Ora, para onde, mesmo, estaria ela indo? Pensar é um ato corpóreo, visceral, material, inscrito como prática social de uma maquinação desejante. Pensar é desejar. Não sendo isso, estamos e estaremos afundados no universo da representação das coisas (humanas e inumanas). Aí o pensamento não entra, ou só entra se for convertido aos códigos estáveis da razão, da consciência e do eu.

A.M.

CHICO ANYSIO - Mundo Moderno

QUAL DEMOCRACIA?

O produtor de TV britânico Peter Pomerantsev fugiu com os pais da União Soviética para Londres em 1978, quando bebê. Voltou à terra natal para tentar a sorte profissional em 2002, no momento em que o presidente Vladimir Putin consolidava seu poder. Morou em Moscou por quase dez anos. Voltou ao Reino Unido e, desiludido, publicou no final de 2014 um livro sobre sua experiência: Nothing is true and everything is possible (Nada é verdade e tudo é possível). No ano da Copa do Mundo, quem quiser entender a Rússia de Putin precisa ler Pomerantsev. “Não se trata de um país em transição, mas de uma espécie de ditadura pós-moderna, que usa a linguagem e as instituições do capitalismo democrático para fins autoritários”, escreve.
Há eleições, mas a oposição é financiada e serve aos interesses do Kremlin. Há sociedade civil e ONGs, mas também leais ao Kremlin, defendendo apenas causas que não envolvam temas sensíveis, como oligarcas ou declínio econômico. Há livre mercado, mas as megacorporações são comandadas por figuras fiéis a Putin – se deixam de sê-lo, são descartadas. Imprensa e canais de TV são profissionais como no Ocidente, mas sem autonomia para produzir conteúdo que ofenda os interesses do governo. “Você pode dizer o que quiser, desde que não siga as pistas da corrupção”, diz Pomerantsev. O maior exemplo é a RT, criada à imagem de redes independentes como a BBC, mas na verdade uma máquina de propaganda usada para fins políticos. “Moscou pode transmitir uma sensação de oligarquia pela manhã e democracia à tarde, monarquia no jantar e Estado totalitário na hora de dormir.” Nada é real, tudo é mentira, feito de espuma e aparências.
(...)

Helio Gurowitz, Época,  24/12/2017, 10:00 hs

RIO QUE MORA NO MAR

amor  ao  amar
quem deseja
acontece


A.M.
Fracassamos em traduzir por inteiro o que nossa alma sente: o pensamento não tem medida comum com a linguagem.

Henri Bergson

SALVADOR, MEU AMOR

Relógio de São Pedro

MAIS SIGNOS

(...)
Só procuramos a verdade no tempo, coagidos e forçados. Quem procura a verdade é o ciumento que descobre um signo mentiroso no rosto da criatura amada; é o homem sensível quando encontra a violência de uma impressão; é o leitor, o ouvinte, quando a obra de arte emite signos, o que o forçará talvez a criar, como o apelo do gênio a outros gênios. As comunicações de uma amizade tagarela nada são em comparação com as interpretações silenciosas de um amante. A filosofia, com todo o seu método e a sua boa vontade, nada significa diante das pressões secretas da obra de arte. A criação, como gênese do ato de pensar, sempre surgirá dos signos. A obra de arte não só nasce dos signos como os faz nascer; o criador é como o ciumento, divino intérprete que vigia os signos pelos quais a verdade se trai. 
(...)

Gilles Deleuze in Proust e os signos

ANO NOVO


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

arrisque-se
leia leminski

P. Leminski
A VINGANÇA FASCISTA


Os termos "Esquerda" e "Direita" tornaram-se anacrônicos, mas não as posições políticas a que eles remetem. Posições políticas são sempre atuais. Elas remetem a um presente que não passa e passa. Uma abertura ao porvir. Em meio ao funeral petista, é possível ver as cenas abomináveis daqueles que nunca aceitaram a mais simples hipótese de tudo mudar, entendendo "tudo" como o real-social em expressões concretas como a fome, a divisão de classes, o desemprego, a violência...entre outros horrores menos votados. Portanto, existe sim, e ressurgindo das trevas, uma Direita Fascista disseminada pelos quatro cantos do país. Ela se expõe em máscaras discursivas. Não é difícil reconhecê-la.

A.M.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa incerteza.

Lygia Fagundes Telles

VAN GOGH


SIGNOS DO AMOR


(...) Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que traz consigo ou emite. É tornar-se sensível a esses signos, aprendê-los  (como a lenta individualização de Albertina no grupo das jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível, desconhecido de nós. O amado implica, envolve, aprisiona um mundo, que é preciso decifrar, isto é, interpretar. Trata-se mesmo de uma pluralidade de mundos; o pluralismo do amor não diz respeito apenas à multiplicidade dos seres amados, mas também à multiplicidade das almas ou dos mundos contidos em cada um deles. Amar é procurar explicar, desenvolver esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado. É por essa razão que é tão comum nos apaixonarmos por mulheres que não são do nosso "mundo", nem mesmo do nosso tipo. Por isso, também as mulheres amadas estão muitas vezes ligadas a paisagens que conhecemos tanto a ponto de desejarmos vê-las  refletidas nos olhos de uma mulher, mas que se refletem, então, de um ponto de vista tão misterioso que constituem para nós como que países inacessíveis, desconhecidos: Albertina envolve, incorpora, amalgama "a praia e a impetuosidade das ondas". Como poderíamos ter acesso a uma paisagem que não é mais aquela que vemos, mas, ao contrário, aquela em que somos vistos? "Se me vira, que lhe poderia eu significar? Do seio de que universo me distinguia ela?"
Há, portanto, uma contradição no amor. Não podemos interpretar os signos de um ser amado sem desembocar em mundos que se formaram sem nós, que se formaram com outras pessoas, onde não somos, de início, senão um objeto como os outros. O amante deseja que o amado lhe dedique todas as suas preferências, seus gestos e suas carícias. Mas os gestos do amado, no mesmo instante em que se dirigem a nós e nos são dedicados, exprimem ainda o mundo desconhecido que nos exclui. O amado nos emite signos de preferência; mas, como esses signos são os mesmos que aqueles que exprimem mundos de que não fazemos parte, cada preferência que nós usufruímos delineia a imagem do mundo possível onde outros seriam ou são preferidos. "Mas logo o ciúme, como se fosse a sombra de seu amor, se completava com o double desse novo sorriso que ela lhe dirigira naquela mesma noite – e que, inverso agora, escarnecia de Swann e enchia-se de amor por outro... De sorte que ele chegou a lamentar cada prazer que gozava com ela, cada carícia inventada e cuja doçura tivera a imprudência de lhe assinalar, cada graça que nela descobria, porque sabia que dali a instantes iriam enriquecer de novos instrumentos o seu suplício." A contradição do amor consiste nisto: os meios de que dispomos para preservar-nos do ciúme são os mesmos que desenvolvem esse ciúme, dando-lhe uma espécie de autonomia, de independência, com relação ao nosso amor. 
A primeira lei do amor é subjetiva: subjetivamente o ciúme é mais profundo do que o amor; ele contém a verdade do amor. O ciúme vai mais longe na apreensão e na interpretação dos signos. Ele é a destinação do amor, sua finalidade. De fato, é inevitável que os signos de um ser amado, desde que os "expliquemos", revelem-se mentirosos: dirigidos a nós, aplicados a nós, eles exprimem, entretanto, mundos que nos excluem e que o amado não quer, não pode nos revelar. Não em virtude de má vontade particular do amado, mas em razão de uma contradição mais profunda, que provém da natureza do amor e da situação geral do ser amado. Os signos amorosos não são como os signos mundanos: não são signos vazios, que substituem o pensamento e a ação; são signos mentirosos que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem, isto é, a origem dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que lhes dão sentido. Eles não suscitam uma exaltação nervosa superficial, mas o sofrimento de um aprofundamento. As mentiras do amado são os hieróglifos do amor. O intérprete dos signos amorosos é necessariamente um intérprete de mentiras. O seu destino está contido no lema "Amar sem ser amado". 
(...)

Gilles Deleuze in Proust e os signos

A Cidade Onde Envelheço, direção de Marília Rocha, 2016

NEM PUTA NEM GAY


RIO - Um presépio com uma prostituta e um casal homossexual entre seus personagens — além do Menino Jesus, e de Maria e José —, e que já tinha sido apresentado como uma obra que representa os excluídos, não está mais em exibição no Convento de Santo Antônio, no Centro do Rio. No lugar das imagens, agora figura um pano preto. Conforme divulgado pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna, os curadores informaram que retiraram a peça “a fim de evitar escândalos que em nada contribuem para fomentar o Espírito de Natal”.
O presépio, feito pelo artista plástico Luciano de Almeida, estava em exposição pela primeira vez no Rio, após passar por São Paulo, Alemanha e Itália. Há quem associe a retirada da obra à censura ocorrida no carnaval de 1989, quando o Cristo Mendigo de Joãosinho Trinta foi proibido pela Igreja de desfilar na Sapucaí e saiu coberto por plástico preto.
Em nota, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, ligada ao convento, afirmou que a decisão se deu pela compreensão distorcida de alguns grupos, e que o objetivo da peça era fazer uma provocação artística para o diálogo, a acolhida e a misericórdia. Ainda de acordo com o comunicado, “aquele que não veio para condenar, mas para salvar, sonha como um mundo onde o respeito seja a regra e, o amor, a lei maior”. Em outro trecho, afirma ainda esperar que a mesma indignação provocada seja capaz de sensibilizar quem se coloca como “fiscal da fé” diante de tantas realidades de morte, intolerância e exclusão.
Nesta quarta-feira, o convento e o curador da mostra, frei Róger Brunorio, não se pronunciaram. Em recente entrevista ao GLOBO, o frei tinha dito que a obra representava excluídos da sociedade.

Diego Amorim, O Globo, 28/12/2017, 06:45 hs


ELIS REGINA - Cais

2018

Nestes dias atribulados, que deveriam ser de confraternização e são de consumo, busquei ajuda do imponderável para tentar antecipar o cenário do mundo, e em particular do Brasil, no ano que nos aguarda acocorado logo ali à frente. Já que não podemos contar com a racionalidade – 2017 provou, mais uma vez, que a realidade é inverossímil -, apelemos a formas de conhecimento alternativas, que, apenas porque não compreendemos, não podem ser julgadas inferiores.

Janjão do Jardim Paraná e Tia Maura são videntes reconhecidos em suas comunidades. O primeiro, mestiço alto e forte, é especialista na leitura dos búzios, essas pequenas conchas marinhas que revelam a história futura a quem sabe lê-las e interpretá-las. A segunda, de estatura mediana, nem magra nem gorda, carismática e envolvente, mistura de todas as etnias do mundo, desembaraça os fios vindouros examinando as figuras enigmáticas do baralho cigano.

A ambos fiz perguntas específicas, abarcando questões políticas e econômicas, e, claro, num ano de Copa do Mundo, busquei algum indício a respeito do desempenho da nossa seleção de futebol. O que se segue é um apanhado das respostas, nem sempre claras, nem sempre contundentes, pois a linguagem das predições é a da poesia, que eu tento canhestramente traduzir em prosa. Portanto, se equívoco houver, deverá ser debitado à minha incompetência – traduttore traditore, já esconjuravam os italianos.

O mussoliniano presidente norte-americano, Donald Trump, continuará tentando, a todo custo, provocar uma terceira guerra mundial. Depois de enjerizar o mimado ditador norte-coreano, Kim Jong-un, e de atiçar os muçulmanos com a transferência da embaixada para Jerusalém, Trump arrumará novas desculpas para colocar o planeta na iminência de um conflito de proporções catastróficas. Conseguirá? Não em 2018, não ainda... Mas a passos largos caminhamos nessa direção.

Os fundamentalistas islâmicos seguirão se explodindo nas ruas da Europa e eventualmente dos Estados Unidos, e os miseráveis, expulsos pela fome e pela falta de perspectiva, permanecerão se aventurando nas águas do Mar Mediterrâneo para alcançar as costas da Itália. Enquanto os ricos do mundo fingirem que não têm responsabilidade sobre a tragédia africana e do Médio Oriente, estarão apenas alimentando o ódio, o rancor e o ressentimento, caldo de cultura ideal para o desenvolvimento do fanatismo.

O clima se manterá enlouquecido. O número de ciclones e de tufões aumentará, provocando enormes estragos e inúmeras mortes no Caribe e Estados Unidos, e nos países-ilhas do Oceano Pacífico. Um terremoto de proporções gigantescas assustará o mundo e levará muitos a pensar no Juízo Final. Por aqui, serão registradas temperaturas, máxima e mínima, nunca antes conhecidas. Poderá faltar água em algumas capitais brasileiras, devido a um longo período de escassez de chuvas.

Infelizmente, as notícias sobre o Brasil não são as melhores. A violência urbana fugirá de vez do controle em algumas partes do país, evidenciando o poder real do tráfico de drogas. A economia reagirá como um paciente saindo do coma: com picos de melhora e de piora, pois o organismo, frágil e enfraquecido, às vezes parecerá sucumbir à enfermidade. O desemprego vai se conservar alto e o pessimismo em relação ao futuro levará jovens e idosos de classe média a fugir do país, revivendo um quadro desenhado na década de 1980.

Mas há notícias boas! Um astro da televisão se casará, um fenômeno da música brasileira irá se transformar num sucesso internacional, a internet se expandirá para os mais longínquos lugares do país, e os nossos jogadores continuarão sendo exportados como produto de excelência para campos de futebol de todos os cantos do mundo. Aliás, este é outro dado alentador: a seleção de Tite estará entre os finalistas em Moscou, embora ambos os consultados tenham se arriscado cravando que será a Alemanha o campeão do certame...

E o resultado das nossas eleições? Pois é, aqui, até mesmo os astros preferem se abster...


Luiz Ruffato, El País, 27/12/2017, 16:23 hs

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa: uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância – irmãos siameses que não estão pegados.
(...)

Fernando Pessoa

HENRY ASENCIO


Nenhuma lição nesta paisagem
que não o fartamente conhecido:
as coisas nos lugares, engrenagens

do estar-em-si, do tudo-é-relativo,
etc. A mesma grafitagem
inconseqüente de sempre: rabisco

logo existo. — O mundo segue opaco,
imune à consciência e seus lampejos
de lógica, sua falta de tato,
sua avidez, seus deuses e desejos.

(Aqui termina o sonho. Fim das névoas,
caramelos e almofadas formidáveis.
Daqui pra frente, as portas sem remédio
e todas as maçãs assassinadas.)


Paulo Henriques Britto
EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS - 1

O campo das emergências psiquiátricas compreende situações em que o comportamento do paciente traz algum risco a si mesmo ou a terceiros. Tais situações são marcadas pelos códigos sociais que balizam e aplicam a moral vigente. Portanto, discutir (sem preconceito) tal tipo de emergência requer sair da ordem médica em prol de uma visão de saúde mental que priorize o paciente enquanto diferença. Isso não é fácil, notadamente em termos práticos. Alguém está agitado, o que fazer? Uma imagem-clichê costuma iluminar o olhar repressor que habita as consciências normais. Ora, se considerarmos que algo precisa ser feito em questão de minutos (ou segundos), que seja em nome do cuidado-ao-outro, e não pela manutenção da ordem racional vigente. Será, então, preciso discutir, caso a caso, o que a psicopatologia nos diz à respeito das emergências. Histeria, psicose, delírio paranóide, tentativa de suicídio, agitação psicomotora, dentre outros signos emergentes, o que se deve fazer estará inscrito no que se deve pensar à respeito. Antes de tudo, um conceito : o que é, de fato, uma emergência psiquiátrica?

A.M.

DORIVAL CAYMMI - Morena do mar

O HORROR HUMANO

Apenas 25 metros separavam o Chalet, centro clandestino de detenção que funcionou durante a ditadura argentina no hospital Posadas, do lugar onde foi enterrado o médico desaparecido Jorge Mario Roitman. Depois de ser torturado e morto, foi enterrado a 60 centímetros de profundidade dentro do terreno do hospital, localizado na periferia de Buenos Aires. Seu corpo permaneceu desaparecido por quase 41 anos, até que no último 8 de novembro, um grupo de trabalhadores encontrou alguns ossos enquanto cavava uma vala para um esgoto. A Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) exumou os restos e uma análise genética acaba de determinar que pertenceram a Roitman. Na próxima sexta-feira será enterrado no cemitério judeu de La Tablada e horas antes seus colegas do hospital realizarão uma homenagem na porta do edifício.
(...)

Mar Centenera, El País, Buenos Aires, 26/12/2017, 20:57 hs

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Nunca deixei que a escola interferisse na minha educação.

Mark Twain

ALIEN, O OITAVO PASSAGEIRO, de Ridley Scott, 1979

OS MORNOS
Em sua obra célebre, Dante Alighieri previa a existência de um “Anteinferno” após a morte, onde ficariam os “mornos”, ou seja, aqueles que viveram sem infâmia, mas também sem louvor. Que passaram a vida diante de um largo muro sem tomar posição e foram parar nesse “Anteinferno” exatamente por isso. No momento, a maior parte do eleitorado brasileiro não está correndo o risco de ir para o “Anteinferno”. Está correndo o risco que é ir para o Inferno mesmo.
Isso porque quando olhamos as pesquisas de intenção de voto para 2018, vemos uma maioria tomando posição a favor do ex-presidente Lula (PT) ou do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Esses dois líderes das pesquisas de opinião representam alegorias justamente do que não devemos desejar para o País. Representam faces distintas do mesmo conservadorismo populista e demagógico que devemos repudiar. Conservadorismo radicalizado por uma narrativa demagógica e teatral poluída de meias verdades e de verdades mambembes.
Não devemos, contudo, condenar os eleitores que escolhem o abismo. Tal escolha é fruto do fracasso de nossas elites em levar o debate político para o seu devido patamar. As escolhas ruins, atribuídas ao populacho, refletem diversos fatores. Entre eles, o fiasco do mundo político, a ignorância da população e a omissão das elites em abordar a questão política com a devida seriedade.
No entanto, quando perguntados sem a indicação de nomes de presidenciáveis, esses eleitores assumem a postura dos “mornos”. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 19% dos entrevistados não votariam em ninguém; e 46% ainda não sabem em quem votar. Ainda bem. Que desçam para o lado certo do muro.
Depois da pior recessão de nossa história, que jogou milhões na miséria e no desemprego, não devemos buscar soluções irresponsáveis. Para o cidadão comum, estamos longe do Carnaval e da Semana Santa. A eleição presidencial também é um evento longínquo, que hoje não está em suas preocupações do dia a dia.
(...)
Murillo de Aragão, Isto É, 21/12/2017, 18:00 hs



PRESENÇA 

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.


Mario Quintana
QUEM ELE PENSA QUE É?

(...)Trabalhar com pacientes num Caps, por exemplo, implica em sair dos moldes da Conserva do hospício, dos ambulatórios, dos consultórios clínicos, estes, por sua vez, marcados pela forma-hospício. Explorar as linhas de multiplicidade, mesmo e principalmente no paciente identificado ao portador de transtorno mental. Há outras linhas não percebidas, talvez invisíveis. Pacientes registrados, cadastrados, codificados, rotulados sob o efeito de formas sociais (instituições) como a família, a clínica, a escola, o trabalho, o direito, o estado, a polícia, o casamento, entre outras, estão enfiados em buracos negros onde  o devir-pensamento foi relegado a uma atividade cognitiva mínima, rasteira, como registram os manuais psiquiátricos. Curso, forma, conteúdo, raciocínio, juízo, são categorias semiológicas usadas num exercício de mortificação do devir-pensamento. Elas compõem o mundo da  representação. Tornar o pensamento visível e frear a sua velocidade infinita, isso é assunto dos psiquiatras biológicos e adquire na psiquiatria atual o requinte das tecnologias de ponta. Subjacente à técnica, existe a crença de que o paciente não pensa, ou se pensa, é para responder qual o seu nome, que dia é  hoje, onde  estamos, que veio  fazer aqui, etc. Insistimos  no dado de que o pensamento não é só o que é falado, mas o que é experimentado via sensações, intensidades, afetos, o que muitas vezes não  pode ser dito, não chega a ser  dito, não consegue  ser  dito.  Mas existe.
(...)

A.M.
O terapeuta também está em análise, tanto como o paciente… razão porque também está exposto às influências transformadoras. Na medida em que o terapeuta se fecha à esta influência, ele também perde sua influência sobre o paciente.
(...)

Carl Jung

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

HELMUT MIDDENDORF


AOS EMUDECIDOS

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.

A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.

Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.


George Trakl
(tradução: Cláudia Cavalcante)
O trabalho da clínica 

Estar com o paciente é entrar  em contato  com os  fluxos  caóticos da  subjetividade. Podemos  chamá-los de loucura no intuito de borrar os limites  entre o patológico e o não patológico. Por que  isso  é necessário?  É que sob  a  ótica  da  “diferença”, os   conceitos se  interpenetram neste sentido -  “loucura – subjetividade - transtorno mental” e não  “transtorno mental – subjetividade – loucura” como reza a concepção biomédica. Colocar a loucura  como  primado da condição psicopatológica  implica numa  atitude de aceitação incondicional do paciente como  subjetividade que vem de fora, do mundo, do cosmos, do universo. A loucura é o nosso operador conceitual  na medida  em que  não se  detém em limites  fixados  pela  ideia de  razão. A psicopatologia prescinde  da  razão como  princípio  norteador, usando-a tão só como linha molar, endurecida. A razão não é, pois, um mal  em si. Ela é sintetizada  na produção desejante como  um  elemento  a mais. Trata-se de  um agenciamento  de  desejo. O trabalho da clínica é complexo porque se relaciona com a não-clínica, daí  com a  crítica. A subjetividade do paciente está ligada diretamente à subjetividade dos que estão à  sua volta. É neste  sentido que a clínica  é um sistema aberto inserida em processos institucionais que a atravessam  todo o tempo. Assim, os processos subjetivos  são  fragmentários e fragmentados,  conectando-se com as linhas de um universo virtual. Isso não depende da orientação teórica adotada, mas de critérios ético-políticos inscritos na natureza do Encontro.Uma subjetividade a-subjetiva significa antes de tudo que  ela não está  fechada sobre si,  ainda que em expressões patológicas extremas, como na catatonia, no autismo, etc. A-subjetivo implica em se ver o portador de transtorno mental como “portando” um mundo, este sim, um Encontro irrecusável gerador de estados de potência ou impotência.
(...)

A.M.

XÊNIA FRANÇA - Breu

O PROCESSO DE PRODUZIR MAIS VALIA

(...) O produto, de propriedade do capitalista, é um valor-de-uso, fios, calçados etc. Mas, embora calçados sejam úteis à marcha da sociedade e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica sapatos por paixão aos sapatos. Na produção de mercadorias, nosso capitalista não é movido por puro amor aos valores-de-uso. Produz valores-de-uso apenas por serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca. Tem dois objetivos. Primeiro, quer produzir um valor-de-uso, que tenha um valor-de-troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E segundo, quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-la, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado. Além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais valia).
(...)

K. Marx

domingo, 24 de dezembro de 2017

SONETO INGLÊS

A surpresa do amor — quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove —
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil — eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura —
definitiva, radical, imensa —
do que nem parecia mais doença.


Paulo Henriques Britto

RIO, HOJE

Arco-íris duplo visto sobre o Pão de Açúcar e a Enseada de Botafogo, por G1 Rio, 24/12/2017, 18:12 hs

O ESTADO DAS COISAS

O deprimido vive o "endurecimento"do presente. O passado lhe julgacondena. O futuro ameaça e persegue. Resta o presente como espécie de refúgio, escape ao devir.  Mas não há escape, só ilusões na carne. A Depressão é um anti-devir, tentativa (óbvia) fracassada de fazer parar o tempo. Desse modo, ela se instala e circula por todas as partes onde o devir estanca. Um corpo é afetado, humilhado. Fibromialgia. O meio são as instituições molares, identidades fixas, organizações sombrias. Não se vive, não se cria, não se sente, mas se sobrevive.O organismo físico-químico, devidamente fabricado, mensurado e comercializado pelo biopoder médico, é uma das instituições. Vá ao médico e confira. Suas couraças musculares ( cf. Reich ) alimentam-se do Consumo automático de uma subjetividade induzida. Ele abastece o tempo com o presente eterno, a criação ilimitada com a vida-consumo, a ética da alegria com o mercado dos remédios. 

A.M.

MARC CARY FOCUS TRIO - 12 Stories -

Está bem que você acredite em Deus. Mas vai armado.

Millôr Fernandes
Só não dói mais porque não é preciso.
Se fosse o caso, a dor era pior.
Não há nada nisso de extraordinário:

A natureza odeia o desperdício,
tal como o vácuo. Sem tirar nem pôr.
É exatamente a conta necessária,

até que alguma solução se encontre.
O que aliás não acontece nunca.
E isso também é natural. No entanto
há sempre um tralalá, um deus, um bálsamo

pra não perder a esperança e o bonde:
A caixa de bombons. A "Marcha húngara"
de Liszt. Ou Brahms. Um dos dois. Ou não. Tanto
faz. A dor continua. Hoje é sábado.


Paulo Henriques Britto

HENRY ASENCIO


ESSES JOVENS

Um levantamento feito pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) revela que a população carcerária do estado é extremamente jovem. Os dados, divulgados pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, apontam que 59% dos 51.007 presos têm de 18 a 29 anos. São 30.053 encarcerados nessa faixa etária, o equivalente à população do município de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos.

Para a advogada Kátia Lopes, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, o perfil é um reflexo da falta de políticas públicas, principalmente dentro das comunidades do Rio.

— São meninos novos e pobres que só têm como referência os traficantes. Sem uma política pública que dê uma opção de escolha para esses jovens, eles acabam indo para a vida do crime. Fico me perguntando qual será o futuro dessa juventude presa. Se a falta de política persistir dentro do sistema prisional, todos continuarão sem opção, e o destino será continuar na vida criminal. O sistema que temos hoje só qualifica esses jovens para o crime, não oferece oportunidades. É necessário dar essa possibilidade a eles. A Vara de Execuções Penais está nos apoiando nisso — analisou.
(...)

Carolina Heringer, Extra, 24/12/2106, 10:49 hs

GRANDES ESCRITOS


DIREITA INTELIGENTE

Alguns fatos poderiam indicar que o clima de rejeição de Temer começa a diminuir. O primeiro foi a última pesquisa do Ibope no qual, em vez de continuar despencando, os índices mostram uma pequena melhora. Cerca de 3% deixaram de rejeitá-lo, aumentando em três pontos percentuais os que o aprovam. Com os índices de desaprovação extremos sofridos até ontem, o fato de que, de repente, podem ter aumentado em seis milhões de pessoas os que consideram seu desempenho bom, não deixa de ser significativo.

Uma charge humorística chegou a apresentar uma desaprovação de 105% do presidente afirmando que não só todos os vivos, mas também até os mortos estavam começando a rejeitá-lo. Frente a isso, o novo Ibope deve ter reanimado um pouco o demônio Temer.

Mas há mais. Acaba de ser revelado pelo jornal Folha de S. Paulo, que no início de outubro, a alta hierarquia do império Globo pediu e conseguiu, na residência de um dos irmãos Marinho, um almoço com o presidente Temer que parece um desejo de reconciliação com ele, depois que a Globo tinha colocado todo seu peso a favor de sua destituição por causa das acusações de corrupção e depois de ter pedido em um editorial sua renúncia para o bem do Brasil.

Sabe-se agora que naquele almoço Temer foi claro e duro com os líderes da Globo, alegando que tinham se precipitado ao condená-lo antes de ter provas concretas contra ele. Segundo a Folha, Temer lembrou, com uma certa ironia que não é suficiente uma delação para considerar alguém culpado e trouxe à tona a questão espinhosa do delator Alejandro Buzasco que acaba de acusar a TV Globo de pagar suborno pela transmissão de campeonatos de futebol e que a empresa rejeita com violência como falsa.

Talvez os dirigentes da Globo não foram capazes de intuir a capacidade de resistência aos golpes do político veterano que, contra todos os prognósticos, conseguiu ficar no cargo sem sofrer um impeachment pelo Congresso, nem ser forçado a deixar o cargo, apesar sua popularidade em frangalhos.
(...)

Juan Arias, El País, 20/12/2017, 20:23 hs
DA NATUREZA DO INCONSCIENTE

(...) A sexualidade não é um meio a serviço da geração; a geração dos corpos é que está a serviço da sexualidade como autoprodução do inconsciente.(...)A sexualidade não é um prêmio para o ego em troca da sua subordinação ao processo de geração; ao contrário, a geração é que é a consolação do ego, seu prolongamento, a passagem de um corpo a outro, através da qual o inconsciente apenas reproduz a si próprio em si mesmo. É precisamente neste sentido que é preciso dizer: o inconsciente foi sempre órfão, isto é, sempre engendrou-se a si próprio na identidade da natureza e do homem, do mundo e do homem. É a questão do pai, é a questão de Deus, que se tornou impossível, indiferente, de modo que dá no mesmo afirmar ou negar um tal ser, vivê-lo ou matá-lo: um só e mesmo contrassenso sobre a natureza do inconsciente.
(...)

Gilles Deleuze e Félix Guattari in O anti-édipo

ENTÃO É NATAL !


DELÍRIOS DE ESTADO

As novas sanções impostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Coreia do Norte, no sábado (23), são um "ato de guerra e equivale a um bloqueio econômico completo contra o país", informou o Ministério das Relações Exteriores norte-coreano em um comunicado divulgado pela agência oficial de notícias KCNA neste domingo (24).

"Nós rejeitamos totalmente as últimas sanções da ONU como um ataque violento à soberania da nossa república e a um ato de guerra que destrói a paz e a estabilidade da península coreana e da região", afirmou a chancelaria da Coreia do Norte.

"Os Estados Unidos, completamente aterrorizados com os esforços para completar a força nuclear norte-coreana, estão cada vez mais frenéticos em impôr duras sanções e pressões sobre o nosso país", disse o Ministério.

O líder norte-coreano Kim Jong-Un proclamou em 29 de novembro que seu país se tornou um Estado nuclear operante depois de testar com sucesso um novo tipo de míssil que ele acredita poder atingir qualquer lugar nos Estados Unidos.

"Vamos continuar a consolidar a nossa defesa nuclear destinada a erradicar fundamentalmente as ameaças nucleares dos EUA, chantagem e movimentos hostis, estabelecendo o equilíbrio prático da força com os EUA", acrescentou o comunicado.
(...)

Por G1, 24/12/2017, 05:56 hs
CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO 

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar. 

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.


Mario Quintana

DANIELA MERCURY - Ilê Ayê

GUERRAS ESQUECIDAS

Milhares de mortos, violações de direitos humanos, guerra de milícias. Apesar de graves, os conflitos que assolaram países como Iêmen, República Democrática do Congo, Somália e Sudão do Sul em 2017 permaneceram "esquecidos" pela opinião pública, e relativamente à margem do debate na comunidade internacional.

No Iêmen, por exemplo, o fato de a população estar totalmente bloqueada no território -- apesar dos protestos de organismos internacionais -- faz com que o acesso da mídia seja muito difícil, e pouco se saiba, de fato, sobre o que acontece no país.

Já na República Democrática do Congo, o clima de instabilidade instaurado em dezembro de 2016, diante de mais uma crise política, se arrastou para 2017, e provocou uma nova onda de refugiados, de acordo com a ONU.

A Somália vive em estado de guerra e caos desde a década de 1990, e pouco tem sido feito pela comunidade internacional para melhorar a situação do país. Já no Sudão do Sul, desde o ano passado, um frágil acordo de paz alcançado entre os dois lados do conflito é regularmente desrespeitado, submetendo sua população à fome e à insegurança.

A atuação do grupo extremista Boko Haram, por sua vez, jogou numa crise humanitária cerca de 17 milhões de pessoas, especialmente mulheres e crianças, na fronteira entre Camarões, Chade, Níger e Nigéria.
(...)

Por G1, 24/12/2017,06:32 hs
QUEM DELIRA?

O delírio é considerado um sintoma (perigoso) pela psiquiatria. Por isso necessita ser controlado via fármacos. Na fenomenologia ele é um modo de existência, um ser-no-mundo. Para Freud, uma defesa contra o desejo homossexual. Já Lacan o via como uma espécie de "buraco" no simbólico, mais elegantemente chamado de foraclusão. São concepções atadas ao espaço psíquico. Pensamos outra coisa: através das linhas abstratas (sem forma) de Deleuze-Guattari, acessamos o delírio como produção coletiva. Neste sentido, todos deliram, restando saber onde, quem, quando, como, por que e para que. O desejo, em seus mil agenciamentos, responderá... Isso põe o técnico em saúde mental, não só o psiquiatra, implicado diretamente com o que acontece para além dos neurônios, ou seja, na produção social.

A.M.

MARTÍRIO, de Vincent Carelli, 2016

Dilacerações

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
ó volúpias letais e dolorosas,
essências de heliotropos e de rosas
de essência morna, tropical, dolente…

Carnes, virgens e tépidas do Oriente
do Sonho e das Estrelas fabulosas,
carnes acerbas e maravilhosas,
tentadoras do sol intensamente…

Passai, dilaceradas pelos zelos,
através dos profundos pesadelos
que me apunhalam de mortais horrores…

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
em lágrimas, em prantos, em lamentos
em ais, em luto, em convulsões, em dores...


Cruz e Sousa

sábado, 23 de dezembro de 2017

A  ALMA:  POÉTICA  DO MUNDO *

(...)
Podemos apresentar a alma como sendo um outro que se revela com seus desejos, que se expressa através do jogo fenomenológico das imagens com seu discurso que é, fundamentalmente, metafórico.

O que a psicologia arquetípica quer ressaltar é que a alma é uma perspectiva, não uma substância.

É um ponto de vista em relação as coisas, um instante de reflexão entre pensamento e ação. Alma é o que torna possível a existência de significados, pois transforma eventos em experiências. Esta transformação se opera quando penetramos no interior dos eventos para que eles possam entrar em contato com o nosso interior.

Por isso, tudo que toca a alma passa a assumir uma sensação de grande importância. A alma de qualquer coisa é sua parte mais fundamental e vital.

Dizer que algo toca nossa alma é dizer que esse algo é fundamental.

Um evento é uma vivência externa ,ao passo que uma experiência é uma vivência interna plena de significados, justamente por envolver a alma, que por sua vez nos conduz a um aprofundamento nesta mesma vivência.

Alma e profundidade são inseparáveis, um dá sentido ao outro e vice-versa.

Hillman reconhece os perigos da utilização da palavra alma. Corre-se o risco de ser substancializada, transformando-se numa espécie de ser invisível. Alma nos interessa no seu uso imaginativo,metafórico e retórico: alma como metáfora primária da psicologia arquetípica.

Cultivar a alma é esta a proposta de Hillman, cultivo este que será construído passo a passo nas relações entre o ego e a alma. A alma será cultivada na medida em que o ego for se transformando num ego-imaginal, isto é, na medida em que aceite e aprende a conviver no Imaginal, a viver no mundo das imagens.

A expressão para "cultivo da alma" em inglês é "soul-making" que numa tradução literal significaria "fazer alma". Cultivar e fazer são verbos de ação que transmitem adequadamente a ideia de que deve haver um trabalho de construção para obtermos um sentido de alma. Porém, o verbo fazer é mais pertinente,visto que ele é a tradução da palavra grega "poiesis", poesia.

Por este motivo, Hillman coloca seu trabalho sob o signo da retórica da poética, "o poder persuasivo de imaginar em palavras". Sua psicologia assume que a alma possui uma base poética e é a partir desta base que a alma cria suas ficções.

A expressão "soul-making" foi retirada de um trecho de uma carta do poeta inglês John Keats:

"chame o mundo, por favor, se vale de fazer alma,...

...descobrirás, então, para que serve o mundo"

Ao utilizar esta expressão, Hillman revela que seu fazer é totalmente calcado no mundo, que a alma a ser cultivada não é apenas a "minha", encontrada no meu "interior", mas também a alma do mundo, ou seja, a alma dos carros, edifícios, negócios, doenças, esportes, televisões, transportes, tetos...

Tudo é objeto para uma reflexão psicológica.

Para cultivarmos a alma temos que estar no mundo, pois as imagens sobre as quais nos debruçamos pertencem a ele e não a nós.
(...)

Marcus Quintaes, do site Symbolon - Estudos Jungianos, acessado em 23/12/2017 (texto sem data)

* Título original - "Por uma Psicologia com Alma e Beleza"