Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
O GRANDE NARIZ
Temer declarou “guerra” ao crime organizado. Braga Netto, o general-interventor, arma estratégias para percorrer a anatomia da criminalidade. Tenta-se equipar o poder público para atingir o cérebro do narcotráfico, sem perder de vista que o empreendimento já tem os pés fincados em franquias espalhadas por todos os Estados, com braços que enfeixam negócios variados —da extorsão ao roubo de cargas.
Falta um personagem nesse enredo: o Grande Nariz. Por que existem traficantes?, eis a pergunta singela que todos evitam fazer. Eles estão por aí porque existe um mercado consumidor, eis a resposta óbvia. Vende-se cocaína no Brasil porque há quem a aspire. Vende-se muita cocaína, porque há quem a sorva em grandes quantidades. Simples assim.
(...)
Do Blog do Josias de Souza, 25/02/2018, 05:34 hs
domingo, 25 de fevereiro de 2018
NÃO VOTE
Os eleitores que não votaram nem justificaram a ausência na última eleição devem R$ 98.404.457,58 à Justiça Eleitoral. Dos eleitores multados no pleito passado (29 milhões), apenas 3,6% – cerca de 1 milhão – pagaram a multa de R$ 3,51. Os números são os mais recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram levantados a pedido do G1.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Francisco Emerenciano diz que o número de eleitores multados deve ser ainda maior nas eleições de 2018. Ele culpa a descrença na política para o aumento no percentual de abstenção eleitoral.
“Se o interesse é na manutenção do sufrágio universal, da legalidade, em prol da democracia, o ideal é que se ampliem as penalidades [para quem não vota]. O eleitor sabe que não vai gerar nenhum problema, que se resolve com o pagamento de uma multa irrisória”, afirma.
O voto é obrigatório no Brasil. Apenas eleitores que têm menos de 18 anos ou mais de 70 anos não precisam votar. O voto também é facultativo para analfabetos.
(...)
Gabriela Caesar, G1., 25/02/2018, há 5 horas
sábado, 24 de fevereiro de 2018
UM ENCONTRO DIFÍCIL
O organismo físico-químico, visível, palpável e mensurável, é o objeto da medicina, onde ela de fato intervêm, e, caso obtenha êxito terapêutico (principalmente por isso), retira mais-valia de poder. No entanto, junto a esse organismo e fora da relação linear causa-efeito, funciona o corpo das intensidades livres. Não é visível, não é palpável, não é mensurável, nem segue os mapas fisiopatológicos vistos em exames por imagem. Distinto da consciência que sempre obedece ordens, ele não obedece, é rebelde e alterna com o organismo fluxos atuais e/ou antigos de afetos nômades. São estes que impulsionam a vida, que são a vida : potência sem forma. Em face desse real estado de coisas, tal corpo traz grandes dificuldades à pesquisa. Como acessar algo que não se vê não se toca nem se mede? Na clinica psicopatológica há um "corpo que não aguenta mais" e que se expressa em sintomas álgicos (por exemplo, cefaléias crônicas - simbolismo do órgão?), mas também como multiplicidade de sintomas que resumimos sob o nome de angústia. Aqui não se trata de usar a psicanálise como doutrina ou método de trabalho, mas de roubar deste saber a hipótese de um inconsciente para além da representação de papai-mamãe. Um inconsciente "órfão, ateu e anarquista", inconsciente-corpo. Não é fácil encontrá-lo.
A.M.
A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
(...)
Aldous Huxley
"N" SEXOS
O filme brasileiro "Tinta bruta", dirigido por Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, recebeu neste sábado (24) o prêmio da Confederação Internacional de Cinema de Arte e Ensaio (CICAE) no Festival de Berlim.
O filme narra a história de Pedro, um jovem homossexual que ganha dinheiro com atuações em fóruns na internet.
"Tinta bruta" já tinha recebido nesta sexta (23) o prêmio Teddy, destinado a produções com temática LGBT, de melhor ficção. Outra produção brasileira premiada na cerimônia foi "Bixa travesty", de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, que levou o troféu de melhor documentário.
(...)
G1., 24/02/2018, há 10 minutos
POTÊNCIA DA LITERATURA
Vamos partir de uma situação que grande parte de nós já vivenciou. Estamos saindo do cinema, depois de termos visto uma adaptação de um livro do qual gostamos muito. Na verdade, até que gostamos do filme também: o sentido foi mantido, a escolha do elenco foi adequada, e a trilha sonora reforçou a camada afetiva da narrativa. Por que então sentimos que algo está fora do lugar? Eu penso logo em Fim de Caso, do inglês Graham Greene, levado às telas por Neil Jordan. Mas você pode pensar em Harry Potter, em Alice no País das Maravilhas, em qualquer um dos filmes baseados em romances do Cormac McCarthy. No meu caso, eu tinha a Julianne Moore no papel feminino principal, e com ela nada pode dar muito errado, né? Então, por que me senti um pouco traída e com uma sensação de que havia faltado alguma coisa?
O que sempre falta em um filme sou eu. Parto dessa ideia simples e poderosa, sugerida pelo teórico Wolfgang Iser em um de seus livros, para afirmar que nunca precisamos tanto ler ficção e poesia quanto hoje, porque nunca precisamos tanto de faíscas que ponham em movimento o mecanismo livre da nossa imaginação. Nenhuma forma de arte ou objeto cultural guarda a potência escondida por aquele monte de palavras impressas na página.
Essa potência vem, entre outros aspectos, do tanto que a literatura exige de nós, leitores. Não falo do esforço de compreender um texto, nem da atenção que as histórias e poemas exigem de nós – embora sejam incontornáveis também. Penso no tanto que precisamos investir de nós, como sujeitos afetivos e como corpos sensíveis, para que as palavras se tornem um mundo no qual penetramos. É sempre bom ver Julianne Moore na tela... O problema é que ela, ali, toma o espaço que, de alguma forma, eu havia preenchido na narrativa quando a li.
Somos bombardeados todo dia, o dia inteiro, por informações. Estamos saturados de dados e de interpretações. A literatura – para além do prazer intelectual, inegável – oferece algo diferente. Trata-se de uma energia que o teórico Hans Ulrich Gumbrecht chama de “presença” e que remete a um contato com o mundo que afeta o corpo do indivíduo para além e para aquém do pensamento racional.
(...)
Ligia G. Diniz,El País, 22/02/2018, 18:44 hs
O seu santo nome
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
SEM TEMPO PARA CONTAR OS MORTOS
Não há tempo para enterrar os mortos. Não há tempo para contá-los. “Tivemos que empilhar 30 corpos na parte traseira do hospital. Falta eletricidade... e necrotérios, claro”, conta a médica Armani B., falando por telefone de um hospital de Guta Oriental, um inferno onde há dias não se vê a luz do sol. O bombardeio das forças governamentais sírias mergulhou este subúrbio de Damasco na escuridão.
Uma médica na Síria: “Não temos tempo para contar nem enterrar mortos” Quase 200 mortos em 48 horas pelos bombardeios do regime sírio
No quinto dia da ofensiva aérea lançada pelas tropas de Bashar al Assad, cerca de 100 médicos se esforçam para salvar todas as vidas possíveis. São 400.000 os civis retidos no maior cerco do país. Pelo menos 46 pessoas perderam a vida nesta quinta-feira, elevando o balanço humano a mais de 400 mortos (incluindo 95 menores) e mais de 2.000 feridos desde domingo passado, segundo a contagem mantida pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos.
As únicas vozes que chegam de Guta são através de entrecortadas ligações do WhatsApp – as de médicos, ativistas, autoridade locais, agentes da defesa civil e jornalistas, os únicos com acesso a conexões via satélite em uma zona onde todas as comunicações foram cortadas.
(...)
Natalia Sancha, El País, Beirute, 23/02/2018, 17:17 hs
LULA, O MESSIAS
Lula, que é católico, acostumou os brasileiros a se comparar com a figura de Jesus. Quando era presidente da República, tinha na parede, atrás de sua mesa de trabalho, um enorme crucifixo de madeira que desapareceu quando Dilma chegou. Em 2010, o ex- presidente carismático afirmou que tinha sido mais flagelado do que Jesus antes de ser crucificado: “Se eu pudesse dar uma imagem das punhaladas que levei e pudesse tirar a camisa, meu corpo apareceria mais destroçado do que o de Jesus Cristo”. No Brasil, “só Jesus ganha de mim em honradez”, disse em outra ocasião. E perante o juiz Moro explicou que aqueles que o delatam e acusam “deveriam ler melhor a Bíblia, onde se condena nomear o nome de Deus em vão”.
Nunca, no entanto, Lula tinha se atrevido a tanto como fez dias atrás em Belo Horizonte, quando disse aos seus seguidores, aludindo sem dúvida aos juízes: “Estão lutando com um ser humano diferente. Eu não sou eu. Sou a encarnação de um pedaço de células de cada um de vocês”. E acrescentou, no melhor estilo evangélico: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”. Ao elevar o tom de suas identificações religiosas, Lula, que é o melhor publicitário de si mesmo, chegou a flertar com o dogma cristão da encarnação. De acordo com os Evangelhos, Deus “se encarnou em Jesus Cristo”. Desse modo, todos os que creem nele e o seguem se tornam deuses como ele.
A mensagem simbólica de reencarnação enviada por Lula aos juízes e magistrados é clara: é inútil tentar condená-lo ou impedi-lo de disputar as eleições para que, como ele propõe, “o Brasil volte a ser o que era” e não o esfarrapado no qual o transformaram aqueles que tentam encurralá-lo. É inútil, porque, segundo Lula, quem estão perseguindo não é ele, que não é uma pessoa normal, mas “um ser humano diferente”, que não tem por que se submeter às leis dos seres comuns. Por isso, diz que não se sente obrigado a acatar nenhuma sentença de condenação contra ele. Se Lula não é Lula, mas a encarnação dos milhões que o seguem, se ele não é feito como todos nós de nossas próprias células, mas das células de cada um dos pobres, dos sem-terra e dos sem-teto, é inútil acusá-lo de algo porque “ele não é ele”. São os pobres que se transubstanciaram em Lula. Persegui-lo, condená-lo, é condenar milhões de pessoas que confiam nele.
Segundo essa imagem bíblica da encarnação, de nada serviu, por exemplo, que Jesus Cristo tenha sido crucificado, porque ele não era mais um profeta, era a encarnação de tudo quilo que as elites desprezavam. Podiam arrancar-lhe a vida, mas não matar sua mensagem. Curiosamente, é o que afirmou Lula em Minas: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”.
Não deve ser fácil para os juízes e magistrados a sutil e simbólica linguagem teológica de Lula, aos quais manda dizer, evocando os livros sagrados do cristianismo: “Se me encarcerais, se me fechais as urnas, não o estais fazendo ao Lula político, que já não existe, porque se encarnou nos pobres com quem compartilhou suas células”. Encarcerá-lo, condená-lo ao ostracismo, seria como condenar esses milhões de brasileiros, em sua grande maioria pobres e analfabetos que o seguem e querem votar nele, e nos que ele se encarnou e até mesmo se transubstanciou.
Lula deveria dispensar todos os seus advogados. Ninguém sabe defendê-lo melhor do que ele. E faz isso usando parábolas e símbolos sagrados que tocam a sensibilidade de um povo profundamente religioso como o brasileiro. E isso sem necessidade de recorrer aos livros da jurisprudência humana. Para Lula, para se defender, basta-lhe a Bíblia. Bastará também aos juízes e magistrados?
Juan Arias, El País, 23/02/2018, 11:53 hs
PROFESSORES ARMADOS
Os protestos contra as armas se sucedem nos Estados Unidos há uma semana, quando um colégio da Flórida foi o cenário da matança de 17 pessoas, e parecem ter acendido o pavio de um movimento mais amplo. A pressão fez com que Donald Trump, muito próximo da Associação Nacional do Rifle, se mostrasse aberto a algumas tímidas medidas de restrição, como melhores controles de antecedentes e a proibição de dispositivos que transformam um fuzil normal em uma pequena metralhadora. Mas nesta quarta-feira ficou claro que não haverá guinadas radicais na sua política, e que por enquanto nenhuma medida será destinada a frear o fenomenal mercado de armas civis. Num encontro com pai de jovens mortos em matanças, o presidente mostrou-se partidário de armar os professores como maneira de evitar esses recorrentes banhos de sangue.
(...)
Amanda Mars, El País, Washington, 22/02/2018, 11:11 hs
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
APENAS UMA COR
Ninguém fala mal de Willem Dafoe (Appleton, Wisconsin, 1955) na indústria do cinema. Nem os técnicos, nem os diretores, nem os jornalistas. Pouca gente é tão amável e educada quanto ele no showbusiness, e por isso o Urso Honorário ao ator pelo conjunto da carreira nesta edição da Berlinale foi tão aplaudido. Por isso e também porque efetivamente ele acumulou na sua mochila mais de cem filmes de diversos gêneros e nacionalidades, rodando em qualquer parte do mundo à procura desse algo especial que diz motivá-lo na hora de selecionar projetos. Três vezes indicado ao Oscar, a última este ano graças a Projeto Flórida (e tampouco parece que vá ganhar, apesar da imensa qualidade de seu trabalho), em Berlim o ator, numa entrevista coletiva onde se permitiu várias brincadeiras, desmistificou seu processo de escolha de trabalhos,definindo a sua profissão de um jeito meticuloso: “Não tenho agenda, e por isso não me importa se o que me oferecem são personagens protagonistas ou secundários. Eu sou só a criatura, o animal ou o sentimento que alguém necessita para filmar sua visão. Sou apenas uma cor da qual um pintor necessita”.
(...)
Gregorio Belinchón, El País, Berlim, 22/02/2018, 13:48 hs
O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
(...)
Fernando Pessoa
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
O DESEJO
Sou alérgica ao desejo
como ao mofo, ao mar,
aos gatos, ao leite,
aos lugares fechados, a certas flores.
Sou alérgica ao desejo –
doem-me os olhos,
incham-me as pernas,
o sexo arde
como uma caixa de abelhas
lacrada.
O desejo acende-me
como uma casa incendiada;
o desejo me deixa
sem mais nada.
Ana Maria Marques
IMPROVISO PLANEJADO
O ritmo de toque de caixa que marca o início da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro ateou desconforto na cúpula das Forças Armadas. Em privado, os militares se queixam do excesso de improviso. Preferiam que o planejamento tivesse precedido o anúncio da novidade. Receiam que o trabalho a ser executado sob o comando do general-interventor Walter Braga Netto seja utilizado para fins político-eleitorais.
Sob o compromisso do anonimato, um oficial declarou ao blog: “Acionados nos termos da Constituição, estamos cumprindo nossa missão, como de hábito. Fazemos isso para servir ao país, não a interesses políticos. As Forças Armadas se confundem com o próprio Estado. Não seria aceitável que fossem utilizadas para fins eleitorais. Com razão, costuma-se dizer que militar não deve se meter em política. Do mesmo modo, não convém politizar ações militares.”
De acordo com o decreto editado por Temer e aprovado pelas duas Casas do Congresso, a intervenção vai durar até 31 de dezembro, último dia do atual governo. Com base na experiência de operações convencionais de manutenção da ordem, os militares avaliam que, num primeiro momento, o surto de violência que inquieta os cariocas será sedado pela presença das tropas e pelo refinamento da colaboração com as forças policiais do Estado.
Operadores políticos de Temer imaginam que esse efeito anestésico pode retirar a imagem do presidente da UTI, vitaminando seu projeto eleitoral. Desde que decidiu guindar a segurança pública à condição de prioridade, na terça-feira de Carnaval, Temer não dá nem “bom dia” sem se consultar com marqueteiros. É indisfarçável a pretensão do presidente de extrair dividendos eleitorais da intervenção no Rio. Embora já tenha sido alertado sobre o incômodo dos militares, Temer parece dar de ombros. Encomendou uma pesquisa para avaliar os humores do eleitorado.
Do Blog do Josias de Souza, 21/02/2018, 05:38 hs
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
A QUEM SERVE O CAPS? - III
Começamos a problematizar o Caps pela clínica. É nesse micro-território onde tudo começa. O dispositivo chamado "acolhimento" expressa a vontade de superar a tradição manicomial de massacre à diferença. Por este viés, o paciente é o perigo que alimenta o imaginário paranóico da psiquiatria biológica. Cuidado com ele! Mesmo com a Reforma, isso não é fácil de superar, já que o manicômio não é algo apenas externo, exposto como objeto da percepção do técnico em saúde mental. Ao contrário, há hospitais psiquiátricos disfarçados de Caps, ou mesmo invisíveis, funcionando à luz do dia em todos nós. Então, ao extrair da clínica a psicose e a neurose grave como perfis clínicos para o Caps, é importante realizar uma espécie de raspagem conceitual na crença-afeto sobre o chamado portador de transtorno mental. Isso requer uma desvalorização da psiquiatria biológica em prol de um pensamento múltiplo. Uma clínica órfã. A psicose e a neurose grave passam, então, a ser vistas como modos de existência ou subjetivação. Ainda que geradas na psiquiatria biológico-manicomial, escapam de tal enquadre carcerário para um campo social psicopatogênico. Estão atoladas em focos multicentrados de sofrimentos psíquicos, existenciais, espirituais, mentais, etc. Neste sentido, o trabalho clínico faz jus ao nome "psicossocial" e ao cuidado daí decorrente. A quem servirá o Caps senão ao que está fora dele?
A.M.
ENQUANTO ISSO, NA SÍRIA
Quase 200 pessoas morrerem, entre elas 60 crianças, e 470 ficaram feridas durante as últimas 48 horas na periferia de Damasco sob os bombardeios da aviação síria, no que o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), organização que monitora o conflito sírio através de uma rede de informantes na região) descreveu como “o balanço mais mortífero dos últimos três anos [na periferia de Damasco]”. A ONU contabiliza em 393.000 os habitantes de Guta Oriental, a leste de Damasco, que desde 2013 sobrevivem sob um duplo cerco imposto pelas tropas regulares sírias no perímetro exterior e pelas milícias islâmicas que controlam o interior dos bairros cercados. O intenso fogo de artilharia durante as últimas duas semanas marca o prelúdio da iminente ofensiva terrestre das forças especiais sírias, que estão sendo reagrupadas nos arredores de Damasco para penetrar no maior reduto insurrecto da capital.
(...)
Natalia Sancha, El País, Beirute, 20/02/2018, 19:00 hs
A questão sobre se a noção de esquerda ainda faz sentido, na minha opinião, é equivocada e perigosa. Sempre existirá esquerda enquanto houver processos democráticos. Bem como sempre existirá uma direita. Nós podemos chamá-la de outra maneira, mas essa é a própria estrutura da democracia, a estrutura contratual entre aqueles que são ricos e aqueles que são miseráveis, entre aqueles que fazem certo uso, e têm uma certa concepção da liberdade, e aqueles que têm uma outra concepção da liberdade e da igualdade. Então, se dizemos que a esquerda acabou, estamos dizendo que não há mais possibilidade dos miseráveis se expressarem, logo a esquerda não acabou. O que está em crise é a esquerda socialista. O socialismo terminou seu curso histórico, pois ele parou diante do que era apenas uma fase que ele deveria conquistar. Mas depois ele parou. Algum grau de liberdade, igualdade e de bem-estar para os trabalhadores, mas, nos últimos tempos, a social-democracia, em nível mundial e também aqui no Brasil, se ligou ao programa neoliberal. Portanto, é preciso reinventar uma esquerda que não seja uma esquerda socialista, alguns chamam de “comunista” essa nova esquerda.
(...)
Antonio Negri, trecho de entrevista ao El País, São Paulo, 03/11/2016, 12:44 hs
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
o pecúlio
estou sempre indo ao seu encontro
chego de costas pra você achar que estou indo embora
saio de frente pra você achar que estou chegando
estou sempre perdido indo ao seu encontro
é assim a minha vida e o meu calendário
eu estou sempre indo ao seu encontro
não preciso ir mais longe pra saber
que estou sempre indo ao seu encontro.
Bruna Beber
Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me presentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa!
(...)
Machado de Assis
domingo, 18 de fevereiro de 2018
NORMAL
Policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Salgueiro, foram atacados a tiros, na manhã deste domingo, ao realizarem patrulamento na comunidade, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Segundo o comando da UPP, a guarnição passava pela Rua Junquilho quando foi atacada, por volta das 9h. Houve confronto no local e os criminosos fugiram.
Ainda de acordo com o comando da UPP, não há registro de presos ou feridos na ação e o policiamento foi intensificado na região. Nas redes sociais, moradores relataram intenso barulho de disparos na região.
(...)
Extra, 18/02/2018,11:00 hs
A QUEM SERVE O CAPS? - II
A psicose e a neurose grave são indicações para o Caps. Mas, do que se trata? Comecemos pelo múltiplo. Não há a psicose nem a neurose. Isso evita o naufrágio médico em transcendências clínicas. É que tais transtornos não são mais que entidades pregadas no solo tecnicista da psiquiatria biológica. Ao contrário, rumo à diferença há mil, cem mil psicoses e neuroses a cada instante, em toda a parte. Entretanto, o Caps costuma receber as psicoses e as neuroses biologizadas e encaixotadas num tom de gravidade. Eis o doente! Tal demanda tem o sobrepeso dos corpos no ar da miséria psíquica. É o sofrimento naturalizado, o mundo em fiapos semióticos, a dor invisível: esta é a matéria bruta para o trabalho. Importante: psicoses e neuroses são variações clínicas do mesmo tom subjetivo das relações sociais. As psicoses expressam uma radicalidade existencial. O delírio é o sintoma que lhe preenche como errância e incapacidade de fazer a si mesmo. Por extensão, a angústia, sintoma sem forma, sem foto, sem imagem, sem exame de laboratório, expressa o ir não indo, o ser não sendo, a náusea sartriana revisitada. No acolhimento avalie delírio e angústia como estilhaçamentos do sentido. Em ambos os casos, a natureza dos signos é a mesma, ou seja, o real-social non sense vindo oculto na construção delirante e/ou angustiante. O paciente está só, mesmo não estando. Alguém acode, quem acolhe?
A.M.
Me canso fácil dos preciosos intelectos que precisam cuspir diamantes toda vez que abrem as suas bocas. Eu me canso de ficar batalhando por cada espaço de ar para o espirito. É por isso que me afasto das pessoas por tanto tempo, e agora que estou encontrando as pessoas, descubro que preciso voltar para a minha caverna.
RUMO AO BRASIL
Diante da escalada da crise na Venezuela que leva cada vez mais venezuelanos a cruzarem as fronteiras rumo ao Brasil em busca de uma vida melhor, o Governo de Michel Temer assinou um decreto reconhecendo a "situação de vulnerabilidade" em Roraima. O Estado é a principal porta de entrada dos imigrantes que fogem da crise de abastecimento de alimentos, do colapso dos serviços públicos e de uma inflação de 700% no país vizinho. O presidente ainda editou uma medida provisória (MP) que acena com ações de assistência emergências para imigrantes venezuelanos no Estado em diversas áreas, como proteção social, saúde, educação, alimentação e segurança pública. Elas serão coordenadas por um comitê federal composto por representantes de distintos ministérios e conduzidas em parcerias entre União, Roraima e municípios.
A prefeitura de Boa Vista estima que cerca de 40.000 venezuelanos já tenham entrado na cidade, o que representa mais de 10% dos cerca de 330.000 habitantes da capital. O número de imigrantes equivale aproximadamente a população de uma cidade como Boituva, em São Paulo. Guardadas as devidas proporções, Roraima vive sua crise particular de refugidos. Os abrigos estão lotados e milhares de imigrantes vivem em situação de rua. A maioria chega pelo pequeno município de Pacaraima, com 16.000 habitantes e depois segue para Boa Vista. Apesar de o fluxo de venezuelanos ter aumentado desde o fim de 2016, uma nova leva chegou após a Colômbia colocar mais travas para a entrada de refugiados no país.
(...)
Heloísa Mendonça, El País, São Paulo, 18/02/2018, 05:10 hs
sábado, 17 de fevereiro de 2018
O amor é uma dialética cerrada de aproximação-repúdio, de ternura e imposição. Senão cai-se na rotina, na mornez das relações e, portanto, na mediocridade. Detesto a mediocridade! Não há nada pior no homem que a falta de imaginação. É o mesmo no casal, é o mesmo na política. A vida é criação constante, morte e recriação. A rotina é exactamente o contrário da vida, é a hibernação.
(...)
Pepetela
A SOLUÇÃO QUE NÃO SOLUCIONA
Desde a redemocratização, crises de insegurança pública se repetem no estado do Rio de Janeiro. Houve a crise de 1994, com a taxa de homicídios recorde. Em 2000, houve o recorde de sequestros. Em 2007, houve o recorde de mortes em confrontos com a polícia.
Em anos recentes, a experiência de policiamento em proximidade – simbolizada nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) – trouxe um alívio parcial para as mazelas do estado. A taxa de homicídios chegou a 25 por grupo de 100 mil habitantes, a menor da história. A comunidade Santa Marta, erguida nas encostas do Morro Dona Marta e sede da primeira UPP, ficou por sete anos sem homicídios e tiroteios. A elite do asfalto passou a frequentar festas nos morros.
A paz temporária foi rompida com a falência financeira e administrativa do estado. Depois dos Jogos Olímpicos de 2016, os recursos federais secaram. A taxa de letalidade violenta veio aumentando seguidamente, o roubo de carga explodiu e os incessantes tiroteios nas comunidades voltaram a fazer parte do cotidiano.
A quadrilha política incrustada no estado foi desmontada, mas os bilhões de recursos desviados se mostraram chagas numa estrutura já doente. A crise econômica, somada ao naufrágio das lideranças políticas no mar da corrupção, foi elemento importante na eclosão da atual onda de violência.
A resposta mais frequente e pedida para as crises de insegurança tem sido chamar as Forças Armadas. O argumento mais comum é apontar como ilógica a não mobilização de um contingente militar de quase 300 mil homens – sendo 190 mil só do Exército –, já que o país não tem um inimigo externo a enfrentar. Usando esses militares no combate ao tráfico e na ação ostensiva de patrulhamento, haveria melhora na sensação de segurança, alegam os defensores da mudança constitucional do papel das tropas.
As forças armadas não são treinadas para prender. São treinadas para matar
Diversos especialistas, no entanto, concluíram que ações tópicas dos militares podem reduzir crimes em um primeiro momento, mas, em longo prazo, a atividade criminosa adapta-se e permanece.
Por dois anos as Forças Armadas patrulharam pontos com presença forte de facções criminosas em comunidades do Rio. Elas estavam lá antes da chegada das Forças, continuaram intocadas apesar da presença delas e restabeleceram seus domínios quando os militares deixaram essas comunidades.
Os exemplos mais conhecidos de participação das Forças Armadas na segurança pública são os do México e da Colômbia, países responsáveis pela distribuição e produção de grande parte da droga que circula no continente. Não podem ser tomados como um modelo, pois enfrentam hoje disputas internas de poder que os ameaçam com a classificação de narco-Estados, de tal monta é o enfronhamento das organizações criminosas em suas instituições políticas, administrativas e econômicas.
Um experiente general coloca o ponto principal nas operações das Forças Armadas: as tropas são treinadas para aniquilar inimigos, não para conter, vigiar e prender.
A intervenção federal na segurança pública é uma resposta a um quadro agudo de incompetência e desmazelo. A opção militar, no entanto, tem tudo para mostrar-se inútil, arriscada ou com efeitos danosos a longo prazo.
Época, 17/02/2018, 21:53 hs
FARSA DUAL
Se o procedimento das questões e respostas não convém, é por
razões bem simples. O tom das questões pode variar: há um tom esperto pérfido,
ou, ao contrário, um tom servil, ou então de igual para igual.
Ouvimos todos os dias na televisão. Mas é sempre como em um poema de
Luca (não cito com exatidão): Fuzileiros e fuzilados... cara à cara... de
costas... cara a costas... de costas e de frente... Qualquer que seja o tom, o
procedimento questões-respostas é feito para alimentar dualismos. Por
exemplo, em uma entrevista literária, há, antes de tudo, o dualismo
entrevistador-entrevistado e depois, para-além, o dualismo homem escritor,
vida-obra no próprio entrevistado, e ainda o dualismo obra intenção
ou significação da obra. E quando se trata de um colóquio ou de
uma mesa-redonda, é a mesma coisa. Os dualismos não se referem mais a
unidades, e sim a escolhas sucessivas: você é um branco ou um negro, um
homem ou uma mulher, um rico ou um pobre etc.? Você fica com a
metade direita ou com a metade esquerda? Há sempre uma máquina
binária que preside a distribuição dos papéis e que faz com que todas as
respostas devam passar por questões pré-formadas, já que as questões são
calculadas sobre as supostas respostas prováveis segundo as significações
dominantes. Assim se constitui uma tal trama que tudo o que não passa
pela trama não pode, materialmente, ser ouvido. Por exemplo, em um
programa sobre as prisões, ficará estabelecido as escolhas jurista-diretor
de prisão, juiz-advogado, assistente social-caso interessante, sendo a
opinião do prisioneiro médio que povoa as prisões rejeitada fora da trama
ou do assunto. É nesse sentido que sempre se "dá mal" com a televisão,
perde-se de antemão. Até mesmo quando se acredita falar por si, fala-se
sempre no lugar de um outro qualquer que não poderá falar.
Somos inevitavelmente enganados, possuídos ou, antes,
despossuídos.
(...)
Gilles Deleuze e Claire Parnet in Diálogos
A QUEM SERVE O CAPS? - I
Em Saúde Mental, mais precisamente, no Caps, o que seria um"paciente grave"? Tal pergunta deve ser posta na medida em que um dos maiores objetivos do Caps é atender com prioridade pacientes com o perfil de grave. Em documentos da reforma psiquiátrica do Ministério da Saúde há referências, porém, abstratas, amplas demais, a psicóticos e/ou neuróticos graves. Aqui, nesse texto buscamos o concreto. Será, então, necessário definir uma psicose e uma neurose e em seguida ampliar a semiologia para a condição de grave. É o jeito... Infelizmente, a psiquiatria biológica (hegemônica) tem dificuldade em reconhecer uma psicose, bem como uma neurose. Tampouco demonstra interesse em mudar isso, ao contrário. A pesquisa inexiste... Então, vou ter que esquematizar as coisas, correndo o riso de simplificá-las. Já que o Caps funciona com uma equipe técnica que em geral vive à sombra da psiquiatria (como concepção de saúde mental), este risco pode ser enfrentado pela criação de uma linha de avaliação do paciente conforme os objetivos do serviço.Vejamos: a psicose traz o delírio (nem sempre explícito) como sintoma nuclear. A neurose traz a angústia. Psicose=delírio? Neurose=angústia? Seria muito simples. A semiologia não funciona assim. Ela não é tão esquemática, mas, como estratégia discursiva podemos começar por aí a discussão sobre o perfil clínico para o Caps. Dito de outro modo, tentar extrair a pergunta oculta na metonímia: "ele é Caps"? Voltaremos à questão.
A.M.
NÃO HÁ MAIS FORA
A passagem da sociedade disciplinar à sociedade de controle se caracteriza, inicialmente, pelo desmoronamento dos muros que definiam as instituições. Haverá, portanto, cada vez menos distinções entre o dentro e o fora. Trata-se, efetivamente, de um elemento de mudança geral na maneira pela qual o poder marca o espaço, na passagem da modernidade à pós-modernidade. A soberania moderna sempre foi concebida em termos de território – real ou imaginário – e da relação desse território com seu fora. É assim que os primeiros teóricos modernos da sociedade, de Hobbes a Rousseau, compreendiam a ordem civil como um espaço limitado e interior que se opõe à ordem exterior da natureza, ou que dela se distingue. O espaço circunscrito da ordem civil, seu lugar, se define por sua separação dos espaços exteriores da natureza. De modo análogo, os teóricos da psicologia moderna compreenderam as pulsões, as paixões, os instintos e o inconsciente metaforicamente, em termos espaciais, como um fora no âmbito do espírito humano, como um prolongamento da natureza bem no fundo de nós. A soberania do indivíduo repousa, aqui, em uma relação dialética entre a ordem natural das pulsões e a ordem civil da razão ou da consciência. Por fim, os diversos discursos da antroposofia moderna sobre as sociedades primitivas funcionam, freqüentemente, como o fora que define as fronteiras do mundo civil. O processo de modernização repousa nesses diferentes contextos, na interiorização do fora da civilização da natureza.
No mundo pós-moderno, entretanto, essa dialética entre dentro e fora, entre ordem civil e ordem natural chegou ao fim.
(...)
Michael Hardt
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
TEATRO POLÍTICO
Deflagrada em segredo na terça-feira e concluída na madrugada de sexta-feira, a articulação que transferiu de Luiz Fernando Pezão para Michel Temer os poderes para governar a segurança pública no Rio de Janeiro foi marcada pelo improviso. Mas num ponto a assessoria do Planalto caprichou: a divulgação. Convocou-se o marqueteiro Elsinho Mouco, que serve ao PMDB e à Presidência. A operação ganhou volume de campanha e timbre de propaganda eleitoral.
Em princípio, cogitou-se anunciar a intervenção por meio de um comunicado oficial do Planalto. Mas optou-se por bater bumbo. Com método, organizou-se uma solenidade para Temer discursar.
Mais: reservou-se espaço nas emissoras comerciais para assegurar que a primeira incursão da intervenção federal fosse uma invasão de Temer à sala-estar dos brasileiros. Não apenas no Rio, mas em todos os Estados, numa rede nacional de rádio e TV.
O discurso noturno, colado ao Jornal Nacional, foi um repeteco mais enxuto do pronunciamento feito no final da manhã. Foi como se Temer e sua marquetagem quisessem impor sua própria edição ao telejornal da Globo.
A autopromoção prosseguirá neste sábado. Temer voará para o Rio de Janeiro. A pretexto de “apresentar” à sociedade fluminense o interventor, general Walter Souza Braga Neto, Temer desfilará pelo palco de sua intervenção. Deseja ver e, sobretudo, ser visto.
Tudo na intervenção do Rio foi improvisado: reuniões de emergência, viagem de última hora para dobrar resistências do subgovernador Pezão… Até o decreto enviado ao Congresso foi redigido às pressoas, em cima do joelho, como se diz. Só o marketing foi planejado com esmero.
Nas últimas horas, Temer ganhou orelhas de candidato, nariz de candidato, boca de candidato à reeleição. Mas o Planalto ainda vende ao país a ilusão de que se trata apenas de um presidente genuinamente preocupado com a segurança do Estado do Rio de Janeiro.
Do Blog do Josias de Souza, 16/02/2018, 19:43 hs
Tenho um amor fresco e com gosto de chuva e raios e urgências. Tenho um amor que me veio pronto, assim, água que caiu de repente, nuvem que não passa. Me escorrem desejos pelo rosto, pelo corpo. Um amor susto. Um amor raio trovão fazendo barulho. Me bagunça e chove em mim todos os dias.
(...)
Caio Fernando Abreu
SINAPSES DA ALMA
Os transtornos mentais não explicam nada. Eles é que deveriam ser explicados. Isto significa que a psiquiatria biológica (bem entendido, a psiquiatria hoje hegemônica) funciona com base em entidades clínicas fixas, endurecidas, coisificadas, os chamados transtornos. Munida deste apriorismo metodológico, a pesquisa clínica não avança, não descobre, não cria, não inventa, desconhecendo o que se passa de fato com o paciente (ele não é escutado, ao contrário, é desprezado) bem como com as origens (causas) do seu estado psíquico "alterado". É uma constatação prática, até certo ponto óbvia. Olhe em torno, escute relatos, leia artigos e livros de psiquiatria. É tudo atual. O pensamento está ausente. Um dado complicador é o seguinte: o enquadre teórico desta psiquiatria notoriamente conservadora (em termos técnicos, teóricos e políticos) conta com traços autísticos. Eles travam o diálogo mediante a ajuda de fora. São as neurociências. Essa teologia científica segue, sem dúvida, um cortejo sináptico de importantes descobertas imagéticas. No entanto, tais imagens, feitas para serem vistas no écran, passam a funcionar num regime de visibilidade onipresente, constituindo o próprio universo institucional da psiquiatria: transtornos mentais-recheados-de-imagens, descarnados, desossados. Nada explicam. Mas, como dissemos, ao contrário, deveriam ser explicados.
A.M.
P.S. - Texto revisto, ampliado e republicado.
FORMAS DE ABENÇOAR
Fique aqui mesmo, morra antes
de mim, mas não vá para o mundo.
Repito: não vá para o mundo,
que o mundo tem gente, meu filho.
Por mais calado que você
seja, será crucificado.
Por mais sozinho que você
seja, será crucificado.
Há uma mentira por aí
chamada infância, você tem?
Mesmo sem a ter, vai pagar
essa viagem que não fez.
Grande, muito grande é a força
desta noite que vem de longe.
Somos treva, a vida é apenas
puro lampejo do carvão.
No início, todos o perdoam,
esperando que você cresça,
esperando que você cresça
para nunca mais perdoá-lo.
Alberto da Cunha Melo
O QUE É ISSO?
Já chegou ao STF a primeira ação judicial questionando o decreto de intervenção no Rio de Janeiro.
O advogado Carlos Alexandre Klomfahs alega que não houve consulta ao Conselhos da República, nem da Defesa Nacional.
Os dois conselhos são órgãos consultivos de assessoramento ao presidente. O da República, por exemplo, é composto, além de Michel Temer, pelos presidentes da Câmara e Senado, de alguns líderes no Congresso e seis cidadãos brasileiros.
A relatora será a ministra Rosa Weber.
Juliana Braga, em blog Lauro Jardim, 16/02/2018, 16:22 hs
TEM QUE MANTER ISSO!
Michel Temer decretou intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro porque “o crime organizado quase tomou conta do Estado.” Considera “essa medida extrema.” Mas avalia que “as circunstâncias exigem”. Por isso, seu governo “dará respostas duras”. Adotará “todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas.”
O mesmo Temer que falou grosso em discurso no Planalto é presidente licenciado do PMDB, partido que mantém em seus quadros, entre outros ilustres cidadãos do Rio, o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o presidente da Assembléia Legislativa fluminense Jorge Picciani.
Cabral, Cunha e Picciani têm algo em comum. Pilhados em atos de corrupção, estão todos atrás das grades. Mas contra essa quadrilha de estimação Temer não tem nenhuma resposta dura a dar. Ao contrário, homenageia-os com seu silêncio. Se tivesse que dizer algo decerto seria o seguinte: ''Ah, continuam filiados ao PMDB? Ótimo! Tem que manter isso, viu?”
Resignado, Luiz Fernando de Souza, o Pezão, declarou que o Estado ''tem pressa'' para realizar o enfrentamento da bandidagem. Reconheceu que, sozinhas, as polícias civil e militar não estão conseguindo deter “a guerra entre facções no Estado.” O pseudo-governador absteve-se de recordar que integrou a facção cabralina, já parcialmente detida.
O lapso de memória de Pezão é natural. Ele viveu o ápice da ficção estrelada por Cabral. Foi secretário de Obras e vice-governador do agora presidiário. Hoje, atravessa uma ruína que ajudou a criar. Vive a neurose do que está por vir no dia em que perder as imunidades do cargo que finge ocupar. A partir de janeiro de 2019, nada impede que a Polícia Federal lhe faça uma visita no início de uma manhã qualquer.
É contra esse pano de fundo que o desgoverno do PMDB de Brasília interveio no desgoverno do PMDB do Rio. Desse modo, o PMDB tornou-se um partido auto-suficiente. Ele mesmo assalta o Estado, ele mesmo perdoa os assaltantes e ele mesmo, empunhando um decreto de intervenção, sai correndo pelas ruas aos gritos de “pega ladrão!”
Do Blog do Josias de Souza, 16/02/2018, 15:26 hs
PARA DENTRO DO INCÊNDIO
Michel Temer tem pelo menos três problemas sobre a mesa: seu governo é reprovado por 70% dos brasileiros, seu preposto na chefia da Polícia Federal colocou a Operação Abafa a Jato na vitrine e sua reforma da Previdência tomou o caminho do brejo. Não tendo nada a dizer sobre nenhum desses temas, Temer optou por mudar de assunto. Pendurou nas manchetes uma intervenção no setor de segurança pública do Rio de Janeiro. Acha que a ousadia fará seu projeto de reeleição ascender por gravidade. Contudo, o mais provável é que tenha apenas se jogado no centro de um incêndio onde não há saída de emergência.
Temer pensa dez vezes antes de mover os lábios. Não dá um “bom dia” sem uma profunda reflexão. Quando ordenou aos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Raul Jungmann (Defesa) que fossem buscar o governador Luiz Fernando Pezão no Rio de Janeiro, sabia que a lei manda que não se mexa na Constituição enquanto houver Estados sob intervenção federal. Há quem sustente que reformas como a da Previdência poderiam tramitar, desde que não fossem promulgadas. Mas esse é outro debate. Por ora, o que importa para Temer é cavar um pretexto que lhe permita sair de fininho de uma reforma que definhou por insuficiência de votos.
Pezão fez cara de dúvida quando soube o motivo da visita de Jungmann e Moreira. A ideia de uma intervenção formal não lhe caiu bem. Preferia algo informal. Acalmou-se ao saber que Temer havia jurado que não daria um passo sem o seu consentimento. O pseudo-governador não dispõe de um itinerário. Mas acha que ainda está no volante. Entregou gostosamente os pontos ao ser informado de que a ingerência federal ficaria restrita à área da segurança pública, que seu governo já não controla.
Embora Pezão não tenha percebido, sua administração acabou na viagem do Rio para Brasília. Ao final da reunião no Palácio da Alvorada, seu mandato estava, por assim dizer, encurtado em dez meses e meio. Para tentar recarregar suas próprias baterias, Temer desligou o correligionário da tomada. Poderia ter deixado o afilhado do presidiário Sérgio Cabral derretendo em sua própria gordura até o término do mandato. Mas preferiu abreviar o processo de carbonização.
Dizer que o gesto de Temer foi ousado é pouco. Ousadia teve Fernando Henrique Cardoso quando promoveu, em 1997, uma intervenção branca no governo de Alagoas. No caso de Temer, a intervenção é preto no branco, como se diz. E ocorre no coração do país, não num Estado periférico. É mais do que uma ousadia. Beira a temeridade.
Em Alagoas, depois de levar as finanças estaduais à breca, o então governador Divaldo Suruagy encareceu a FHC que a União assumisse o buraco. Enviado por Brasília, o economista Roberto Longo tornou-se interventor informal na Secretaria de Fazenda alagoana. Carbonizado, Suruagy licenciou-se do cargo. Pouco depois, renunciou para evitar um impeachment.
No Rio, a iniciativa da intervenção foi de Temer, esclareceu um ministro. Embora o Estado também esteja quebrado, o alvo de Brasília é a segurança. Assume o comando das polícias o general Walter Souza Braga Netto. Trata-se de um militar de mostruário. Não brinca em serviço. Para realizar o seu trabalho a sério, exigirá meios.
O contribuinte que paga seus impostos em outros Estados, alguns tão violentos quanto o Rio, logo se perguntará quanto de verba pública federal escorrerá pelo ralo até que Temer se convença de que o drama da violência fluminense, por insolúvel, não será resolvido nos dez meses que lhe restam de mandato.
O noticiário da TV Globo sobre o surto de violência no Carnaval carioca teve grande peso na decisão de Temer. Em privado, o presidente e seus auxiliares alegam que, ao distribuir as culpas pelo descalabro, as reportagens da emissora já não fazem distinção entre as autoridades locais de segurança e as autoridades federais. Destacadas para ajudar a manter a lei e a ordem, as Forças Armadas também foram empurradas para dentro do micro-ondas. Nessa versão, seria melhor entrar de vez na briga do que ser atropelado como um pedestre inadvertido.
O decreto de intervenção terá de ser aprovado no Congresso. Eleito pelo Rio, o presidente da Câmara Rodrigo Maia fez cara de poucos amigos. Último a ser chamado para a reunião do Alvorada, ao lado do presidente do Senado Eunício Oliveira, Maia abespinhou-se por não ter participado do debate desde o início. Levou o pé atrás. Esboçou contrariedade. Ironicamente, coube ao govenador Pezão amolecer as resistências. “Não dá mais para adiar, Rodrigo.”
Assim, ficou decidido que Temer, depois de ser retratato como vampiro no enredo da escola de samba Tuiuti, instalará no Planalto uma sucursal do inferno. Nos próximos meses, o presidente se dedicará a brincar com fogo. Torça-se para que as Forças Armadas não saiam chamuscadas. Soldados, como se sabe, são treinados para matar inimigos, não para prender patrícios.
Do Blog do Josias de Souza, 16/02/2018, 05:38 hs
INTERVENÇÃO
O presidente Michel Temer assinou nesta sexta-feira (16), no Palácio do Planalto, o decreto de intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro.
A medida prevê que as Forças Armadas assumam a responsabilidade do comando das polícias Civil e Militar no estado do Rio até o dia 31 de dezembro de 2018. A decisão ainda terá que passar pelo Congresso Nacional.
O inteventor federal será o general Walter Souza Braga Netto, comandante do Leste. Além de interventor federal, ele vai assumir o comando da Secretaria de Administração Penitenciária e do Corpo de Bombeiros.
Em discurso na solenidade, Temer comparou o crime organizado que atua no Rio de Janeiro a uma metástase e que, por isso, o governo federal tomou a decisão de intervir no estado.
"O crime organizado quase tomou conta do estado do Rio de Janeiro. É uma metáste que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo. Por isso acabamos de decretar neste momento a intervenção federal da área da segurança pública do Rio de Janeiro", completou Temer.
(...)
Guilherme Mazui, Bernardo Caram e Roniara Castilhos, G1 e TV Globo, 16/02/2018, há 5 minutos
MIMOSA BOCA ERRANTE
Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delícias
que fruto e boca se permitem, dádiva.
Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereces
a seu volume e jato apaixonados,
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?
Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.
Carlos Drummond de Andrade
Assinar:
Postagens (Atom)