FARSA DUAL
Se o procedimento das questões e respostas não convém, é por
razões bem simples. O tom das questões pode variar: há um tom esperto pérfido,
ou, ao contrário, um tom servil, ou então de igual para igual.
Ouvimos todos os dias na televisão. Mas é sempre como em um poema de
Luca (não cito com exatidão): Fuzileiros e fuzilados... cara à cara... de
costas... cara a costas... de costas e de frente... Qualquer que seja o tom, o
procedimento questões-respostas é feito para alimentar dualismos. Por
exemplo, em uma entrevista literária, há, antes de tudo, o dualismo
entrevistador-entrevistado e depois, para-além, o dualismo homem escritor,
vida-obra no próprio entrevistado, e ainda o dualismo obra intenção
ou significação da obra. E quando se trata de um colóquio ou de
uma mesa-redonda, é a mesma coisa. Os dualismos não se referem mais a
unidades, e sim a escolhas sucessivas: você é um branco ou um negro, um
homem ou uma mulher, um rico ou um pobre etc.? Você fica com a
metade direita ou com a metade esquerda? Há sempre uma máquina
binária que preside a distribuição dos papéis e que faz com que todas as
respostas devam passar por questões pré-formadas, já que as questões são
calculadas sobre as supostas respostas prováveis segundo as significações
dominantes. Assim se constitui uma tal trama que tudo o que não passa
pela trama não pode, materialmente, ser ouvido. Por exemplo, em um
programa sobre as prisões, ficará estabelecido as escolhas jurista-diretor
de prisão, juiz-advogado, assistente social-caso interessante, sendo a
opinião do prisioneiro médio que povoa as prisões rejeitada fora da trama
ou do assunto. É nesse sentido que sempre se "dá mal" com a televisão,
perde-se de antemão. Até mesmo quando se acredita falar por si, fala-se
sempre no lugar de um outro qualquer que não poderá falar.
Somos inevitavelmente enganados, possuídos ou, antes,
despossuídos.
(...)
Gilles Deleuze e Claire Parnet in Diálogos
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