sábado, 17 de fevereiro de 2018

FARSA DUAL

Se o procedimento das questões e respostas não convém, é por razões bem simples. O tom das questões pode variar: há um tom esperto pérfido, ou, ao contrário, um tom servil, ou então de igual para igual. Ouvimos todos os dias na televisão. Mas é sempre como em um poema de Luca (não cito com exatidão): Fuzileiros e fuzilados... cara à cara... de costas... cara a costas... de costas e de frente... Qualquer que seja o tom, o procedimento questões-respostas é feito para alimentar dualismos. Por exemplo, em uma entrevista literária, há, antes de tudo, o dualismo entrevistador-entrevistado e depois, para-além, o dualismo homem escritor, vida-obra no próprio entrevistado, e ainda o dualismo obra intenção ou significação da obra. E quando se trata de um colóquio ou de uma mesa-redonda, é a mesma coisa. Os dualismos não se referem mais a unidades, e sim a escolhas sucessivas: você é um branco ou um negro, um homem ou uma mulher, um rico ou um pobre etc.? Você fica com a metade direita ou com a metade esquerda? Há sempre uma máquina binária que preside a distribuição dos papéis e que faz com que todas as respostas devam passar por questões pré-formadas, já que as questões são calculadas sobre as supostas respostas prováveis segundo as significações dominantes. Assim se constitui uma tal trama que tudo o que não passa pela trama não pode, materialmente, ser ouvido. Por exemplo, em um programa sobre as prisões, ficará estabelecido as escolhas jurista-diretor de prisão, juiz-advogado, assistente social-caso interessante, sendo a opinião do prisioneiro médio que povoa as prisões rejeitada fora da trama ou do assunto. É nesse sentido que sempre se "dá mal" com a televisão, perde-se de antemão. Até mesmo quando se acredita falar por si, fala-se sempre no lugar de um outro qualquer que não poderá falar. Somos inevitavelmente enganados, possuídos ou, antes, despossuídos. 
(...)

Gilles Deleuze e Claire Parnet in Diálogos

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