segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

MILÍCIAS  DO  ÓDIO

Em 26 de setembro de 2017, o brasileiro Wagner Schwartz, 45 anos, era um artista em plena realização. Ele abria o 35º Panorama de Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, um dos espaços mais prestigiados do Brasil. Sua performance, chamada “La Bête” (“O Bicho”), partia da obra consagrada de Lygia Clark, uma das mais importantes artistas da história do país. Desde 2005, Wagner já tinha apresentado esse trabalho dez vezes no Brasil e da Europa. Como nas ocasiões anteriores, a experiência artística aconteceu. Para La Bête acontecer é preciso que o público deixe de ser um espectador para se tornar participante. Cada apresentação é diferente da outra porque é o público que conta uma história criada coletivamente, ao manipular o corpo nu do artista como se ele fosse uma das figuras geométricas com dobradiças de Lygia Clark.

Nos dias seguintes, porém, um pesadelo que Wagner não tinha se materializou.

Um fragmento da apresentação foi jogado na internet para provocar fogueira. Nele, uma mulher e sua filha pequena tocavam no corpo do artista durante a performance, como tantas outras pessoas da plateia. Mas, recortada e tirada do contexto, a cena foi convertida naquilo que não era. E Wagner foi chamado de “pedófilo” por milhões na internet.

Em busca de holofotes e eleitores, políticos sem escrúpulos gravaram vídeos e fizeram declarações nas quais condenavam o museu e o artista. Lideranças religiosas fundamentalistas, a maioria ligadas a igrejas evangélicas neopentecostais, semearam ódio ao estimular seus fiéis a se esquecer dos preceitos cristãos mais básicos e a condenar o artista e o museu como se estivessem “a serviço de Satanás”. Grupos ligados a movimentos extremistas de direita promoveram protestos diante do museu, com a adesão de anônimos enfurecidos, e chegaram a agredir funcionários. A internet virou uma praça medieval onde Wagner Schwartz foi linchado como “monstro” e “pedófilo”.
(...)

Eliane Brum, El País, 12/02/2018, 15:21 hs

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