sexta-feira, 9 de novembro de 2018

AFETOS CLÍNICOS

Para a psiquiatria biológica o exame psíquico implica num juízo moral sobre a alteração de conduta do paciente. A causa dessa alteração se acharia no mau funcionamento do organismo, mais precisamente, do cérebro. Essa tese pode parecer simplista, mas na prática é assim que funciona. Está aí o que justifica o uso de megadoses psicofarmacológicas, bem como a violência simbólica embutida na relação médico-paciente. Ora, talvez a nossa crítica soe piedosa e nada mude. Até porque é fácil criticar um pensamento tão raso como o da biopsiquiatria. Então, o que faria mudar? O que seria não-piedoso? Sem dúvida, a questão está por inteiro no trabalho com os afetos que o paciente expressa e a resposta do técnico em termos do que fazer com eles. Trata-se de um campo de pesquisa vasto e complexo. Não surpreende que tal objeto praticamente desapareceu nos quase 20 anos de século XXI. É que o estudo dos afetos põe às claras no mínimo duas linhas de análise: 1- Os afetos "garantem" o vínculo terapêutico técnico-paciente. Na esteira do conceito freudiano de transferência, é possível dizer que eles transbordam a transferência na direção do inominável. O que sente um suicida? O que sente um psicótico? 2- A linha psíquica tênue entre o patológico e o não-patológico se expressa nos afetos que constituem a cultura-em-nós, no caso presente, a capitalística. Desse modo, a concepção de transtorno mental, e mais ainda, a de "mental" , migra do cérebro  para o mundo. Uma escolha ética se impõe.

A.M.

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