POR QUE ESCREVER?
O fim, a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher,
de um devir-negro, animal etc., para além de um devir-minoritário, há o
empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode
desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da
maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o
muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim. O que Fitzgerald
chamava de verdadeira ruptura: a linha de fuga, não a viagem nos mares
do Sul, mas a aquisição de uma clandestinidade (mesmo se se deve tornar-se
animal, tornar-se negro ou mulher). Ser, enfim, desconhecido, como
poucas pessoas são, é isso trair. É muito difícil não ser mais conhecido de
ninguém, sequer do porteiro, ou no bairro, o cantor sem nome, o ritornelo.
No final de Tenra é a noite, o herói se dissipa literalmente, geograficamente.
O texto tão bonito de Fitzgerald, The crack up, diz: "Eu me sentia parecido
com os homens que via nos trens do subúrbio de Great Neck, quinze anos
antes..." Há todo um sistema social que poderia ser chamado de sistema
muro branco – buraco negro. Estamos sempre dependurados sobre o muro
das significações dominantes, estamos sempre mergulhados no buraco de
nossa subjetividade, o buraco negro de nosso Eu que nos é mais caro do
que tudo. Muro onde se inscrevem todas as determinações objetivas que
nos fixam, nos enquadram, nos identificam e nos fazem reconhecer; buraco
onde nos alojamos, com nossa consciência, nossos sentimentos, nossas
paixões, nossos segredinhos por demais conhecidos, nossa vontade de
torná-los conhecidos.
(...)
G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos
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