terça-feira, 18 de junho de 2019

Depressões

Como reconhecer uma depressão? Em outras palavras, o paciente está de fato deprimido? Diagnosticar uma depressão não é fácil, já que  existem múltiplas formas de  estar deprimido. Desse modo, é preciso partir  de uma definição simples para  daí  fazer  desdobramentos clínico-conceituais. Depressão é a perda – em maior  ou menor grau – do desejo de viver. Ora, seguindo Nietzsche, a vida já é desejo. Portanto, não existiria “desejo de viver”. Inferimos, pois, que deprimir é  um não viver, ou, no mínimo, sobreviver em termos vegetativos (o organismo), e no máximo (a alegria) tornar-se  sempre novo, mesmo que esse “novo” seja a coisa mais insignificante. Falamos de polaridades contingentes,  não de  transtornos médicos.  Essas considerações teóricas se conectam com a clínica, naquilo que chamamos de “Encontro” com o paciente. O deprimido (se podemos chamar assim...) traz, antes de tudo, um corpo abatido. Suas queixas: desânimo, sensação de inutilidade de tudo, inibição psicomotora, passado culposo, futuro ameaçador, presente inexistente, inapetência,  insônia, anedonia, às vezes ansiedade (ou angústia), ideação pessimista (“nada presta”), medos indefinidos, fobias, irritabilidade, idéias de suicídio (com ou sem tentativa de se matar), improdutividade, isolamento do mundo (mesmo das pessoas queridas), algias múltiplas,  alucinações ,pseudo-alucinações,  sintomas deliróides de caráter persecutório, etc. A lista é extensa e poderíamos esmiuçá-la. O essencial é considerá-la como expressão clínica das depressões que se singulariza numa depressão. Ou seja, as depressões são multiplicidades singularizadas num acontecimento que é o “deprimir”. Não como  entidade clínica cadastrável na CID-10, por exemplo, mas  uma  composição de forças que se degladiam num território extremamente fluido que é o corpo-tempo. Não há sujeito da depressão. Daí a inutilidade dos conselhos do tipo “reaja, sai dessa, vamos sair, você vai melhorar, você não tem nada do que se queixar", etc). A depressão se instala sem que se perceba,  mesmo percebendo seus signos mais evidentes. É que ela é constitutiva do desejo como um  viver  tão fácil de se tornar desejo de  morrer... “Morrer de amor” expressa bem a radicalidade da vivência depressiva, mergulho arriscado  nas intensidades existenciais. A pesquisa das depressões expõe o nervo dolorido da vida como incessante processo de perdas. E de ganhos.  Não seria a serotonina a chave etiológica (se é que há) para podermos  ir além dos umbrais da experiência depressiva.


A.M.

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