A abordagem psiquiátrica (atual) das depressões costuma reduzir a complexidade da vivência depressiva ao nexo causa-efeito. Isso não é um erro, mas uma questão de método. Atrelada à visão médica dos organismos enfermos, a clínica psicopatológica dos quadros depressivos estanca suas pesquisas no funcionamento bioquímico (daí a opção por fármacos) e no funcionamento psíquico (daí a opção - geralmente secundária- pela psicoterapia). É de notar que em ambas as linhas etiológicas, o erro básico é o de conceber a depressão com uma doença orgânica e/ou como erro em relação ao senso comum (psicológico) da sociedade onde se insere o paciente. A pergunta que circula - mesmo e principalmente entre os familiares do deprimido- é regida por 2 ítens: 1- se você está doente do organismo, tome remédio químico; 2-se o problema é psíquico, não se justifica que alguém que "tem tudo" (saúde física, juventude, consciência de si, etc, a depender), fique deprimido. Tanto num caso como no outro, a vivência depressiva escapa a uma apreensão real do que está acontecendo subjetivamente com o outro, bem como reduz os fatores etiológicos a um binarismo (corpo/mente) estéril. Isso explica -em parte - a cronificação mortificante de muitas síndromes depressivas, na medida em que o paciente não é de fato escutado em sua dor, como não consegue vislumbrar uma saída, ou pelo menos uma melhora importante dos sintomas anti-vida. Em resumo, ao não considerar as depressões como um fenômeno subjetivo que ultrapassa a visão biomédica mecanicista e reificante em direção aos fatores da cultura, a psiquiatria atual participa de um empreendimento mais amplo, sóciopolítico-clínico-institucional e epistemológico de produzir mais mais deprimidos, cada vez mais, muitos deles atolados numa relação de dependência abjeta aos tratamentos, químicos ou não.
A.M.
Nenhum comentário:
Postar um comentário