sexta-feira, 21 de junho de 2019

O MÉTODO DA DIFERENÇA

(...)
As crenças são em  grande  parte instiladas pelas formações sociais que  atravessam  os modos  de subjetivação. Ao escutar um  paciente, busque  saber algo de suas crenças, principalmente as primárias,  as  elementares.  A  subjetividade “necessita”de crenças. Poderá   até  mesmo  ser  a crença  na psiquiatria como remédio para os problemas mentais. Cai-se, então,  na  redundância. Problemas sempre existem. Contudo ao  falar  (ou  pensar) “mentais”  há  uma coisificação do   sem-forma, uma substancialização  da mente.  E usa-se a  “coisa=mente”  como munição  de poder para assegurar um saber sobre o outro,  o  paciente. Na  lógica  do  Encontro não  buscamos  um saber,  mas  um  não-saber,  já  que  a loucura é  a “essência” do  não-saber, fundo sem fundo  da condição  humana. Então, a pesquisa  das  crenças  segue o  itinerário   do  acaso,  do  indeterminado e do  desconhecido. É  uma manobra  difícil, já  que  destrói  códigos  inscritos no construto médico do louco.Louco=paciente da mesma forma que tuberculoso=paciente?  Claro  que  não.  Então, no âmbito  biomédico  não  há  chance do  paciente  ser escutado. Este modelo não está  errado.  Ao  contrário,  foi concebido para  isso,  feito  para isso:  trata-se  de um monólogo recitado  na presença  do paciente.  Uma distância se  instaura  como   lugar fixo  de  quem manda e  de   quem  é mandado.  Para  escutar  o  paciente o que  então será preciso? Ora,  a escuta  médica é “filha”  do olhar técnico, imobilizador.  Propomos a  antiescuta como uma atitude  de  escuta para  além da fala padronizada;  “estou  mal”; isto  se    dá como  expressão  de  um  corpo-produção,  sobretudo um  corpo  invisível  que  é preciso achar. Novas  semiologias  serão possíveis.O  psiquiatra  se  despersonaliza. Torna-se  algo que se torna  outra  coisa. Vive nos e  dos paradoxos  da linguagem que o  empurram a    encontrar  o  paciente, o  mundo, o  cosmos.  Não  compreende  o que se  passa. Perplexo, interroga e interroga-se. Dança e entoa  em silêncio  cânticos extraídos  do fundo    de  vielas existenciais. Não  busca  uma ontologia  da  psicose  e/ou  dos transtornos   mentais.  Ele  talvez consiga ser  um  feiticeiro da modernidade  técnica, criando linhas  de  pura alegria (ainda e principalmente)   nas  quedas e surtos dos  pacientes  e  de  si  mesmo.  O método da diferença traz essa possibilidade para  o interior  da  clínica. Os fármacos podem (claro  que  sim!)  ser parceiros  numa empreitada   sem signos  prévios.  Use  e  controle  essa  droga  lícita, sabendo que   ela  pode se  tornar  ilícita  se atentar  contra a criatividade  do   seu  viver.  Não só a química,  mas todo e qualquer  objeto  pode  induzir a uma dependência abjeta.  O  psiquiatra-feiticeiro  não é  esse objeto.  O psiquiatra  remedeiro,  sim. Este se  alimenta  de  subjetividades  enrijecidas,  esvaziadas, ocas,  trastes apelidados  de pacientes.  É  preciso, pois,  um combate incessante contra  a máquina farmacológica.  O  fármaco é   apenas um elemento  prático-terapêutico. Um devir-feiticeiro conta com outros elementos: a sensibilidade,  a intuição, a percepção  do invisível,o  senso de observação,  a  escuta do  silêncio,  a espreita,   todo um conjunto  de dispositivos...
(...)

A.M  in Trair a psiquiatria

Nenhum comentário:

Postar um comentário