O MÉTODO DA DIFERENÇA
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As crenças são em grande parte instiladas pelas formações sociais que atravessam os modos de subjetivação. Ao escutar um paciente, busque saber algo de suas crenças, principalmente as primárias, as elementares. A subjetividade “necessita”de crenças. Poderá até mesmo ser a crença na psiquiatria como remédio para os problemas mentais. Cai-se, então, na redundância. Problemas sempre existem. Contudo ao falar (ou pensar) “mentais” há uma coisificação do sem-forma, uma substancialização da mente. E usa-se a “coisa=mente” como munição de poder para assegurar um saber sobre o outro, o paciente. Na lógica do Encontro não buscamos um saber, mas um não-saber, já que a loucura é a “essência” do não-saber, fundo sem fundo da condição humana. Então, a pesquisa das crenças segue o itinerário do acaso, do indeterminado e do desconhecido. É uma manobra difícil, já que destrói códigos inscritos no construto médico do louco.Louco=paciente da mesma forma que tuberculoso=paciente? Claro que não. Então, no âmbito biomédico não há chance do paciente ser escutado. Este modelo não está errado. Ao contrário, foi concebido para isso, feito para isso: trata-se de um monólogo recitado na presença do paciente. Uma distância se instaura como lugar fixo de quem manda e de quem é mandado. Para escutar o paciente o que então será preciso? Ora, a escuta médica é “filha” do olhar técnico, imobilizador. Propomos a antiescuta como uma atitude de escuta para além da fala padronizada; “estou mal”; isto se dá como expressão de um corpo-produção, sobretudo um corpo invisível que é preciso achar. Novas semiologias serão possíveis.O psiquiatra se despersonaliza. Torna-se algo que se torna outra coisa. Vive nos e dos paradoxos da linguagem que o empurram a encontrar o paciente, o mundo, o cosmos. Não compreende o que se passa. Perplexo, interroga e interroga-se. Dança e entoa em silêncio cânticos extraídos do fundo de vielas existenciais. Não busca uma ontologia da psicose e/ou dos transtornos mentais. Ele talvez consiga ser um feiticeiro da modernidade técnica, criando linhas de pura alegria (ainda e principalmente) nas quedas e surtos dos pacientes e de si mesmo. O método da diferença traz essa possibilidade para o interior da clínica. Os fármacos podem (claro que sim!) ser parceiros numa empreitada sem signos prévios. Use e controle essa droga lícita, sabendo que ela pode se tornar ilícita se atentar contra a criatividade do seu viver. Não só a química, mas todo e qualquer objeto pode induzir a uma dependência abjeta. O psiquiatra-feiticeiro não é esse objeto. O psiquiatra remedeiro, sim. Este se alimenta de subjetividades enrijecidas, esvaziadas, ocas, trastes apelidados de pacientes. É preciso, pois, um combate incessante contra a máquina farmacológica. O fármaco é apenas um elemento prático-terapêutico. Um devir-feiticeiro conta com outros elementos: a sensibilidade, a intuição, a percepção do invisível,o senso de observação, a escuta do silêncio, a espreita, todo um conjunto de dispositivos...
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A.M in Trair a psiquiatria
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