quinta-feira, 20 de junho de 2019

EXPERIMENTAÇÃO DE SI MESMO


(...) Mas o que é, precisamente, um encontro com alguém que se ama? Será um encontro com alguém, ou com animais que vêm povoá-los, ou com ideias que os invadem, com movimentos que os comovem, sons que os atravessam? E como separar tais coisas? Posso falar de Foucault, contar que ele me disse isso e aquilo, detalhar como o vejo. Não é nada enquanto eu não souber encontrar realmente esse conjunto de sons martelados, de gestos decisivos, de idéias em madeira seca e fogo, de atenção extrema e de fechamento súbito, de risos e sorrisos que sentimos serem "perigosos" no mesmo momento em que se sente a ternura – esse conjunto como única combinação cujo nome próprio seria Foucault. Um homem sem referências, diz François Ewald: o mais belo cumprimento... Jean-Pierre, o único amigo que nunca deixei e que não me deixou... E Jerôme, essa silhueta móvel, em movimento, por todo lado penetrado de vida, e cuja generosidade, amor, se alimenta em um lar secreto, JONAS... Em cada um de nós há como que uma ascese, em parte dirigida contra nós mesmos. Nós somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e floras. Passamos nosso tempo a arrumar essas tribos, a dispô-las de outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras. E todos esses povoados, todas essas multidões não impedem o deserto, que é nossa própria ascese; ao contrário, elas o habitam, passam por ele, sobre ele. Em Guattari sempre houve uma espécie de rodeio selvagem, em parte contra ele próprio. O deserto, a experimentação sobre si mesmo é nossa única identidade, nossa única chance para todas as combinações que nos habitam. Então nos dizem: vocês não são mestres, mas são ainda mais sufocantes. Queríamos tanto uma coisa tão diferente. 
(...)

G. Deleuze e Claire Parnet, in Diálogos

Nenhum comentário:

Postar um comentário