A DIFERENÇA NA PSICOPATOLOGIA
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Retornemos ao borderline: ele pode ser considerado como a instabilidade em pessoa concretizada em impulsos violentos e tão surpreendentes quanto danosos ao outro. Os afetos parecem vir em estágio bruto e numa corredeira sem freios. O encontro é com um chão movente. Não há um ou mais problemas, mas uma problematização contínua. Não se trata de um mero jogo de palavras. É toda a inserção no mundo, e mais, o seu mundo constituído que é o da instabilidade afetiva. Ao falar de si num tom de passado e no fulcro das relações afetivas, fica evidente o dado assombroso que é o da inexistência de um território onde enganchar a relação pessoal, um vínculo. Um vazio brutal lhe constitui. Um paciente afundado na solidão? Não é possível vê-lo desse modo, pois seria fincar a estaca da moldura humanista sobre uma alma em desgoverno. O encontro com a loucura não é um exame das funções psíquicas nem do comportamento observável. O encontro é um devir, aquilo que tenta captar do paciente fluxos do desejo. O paciente não se reduz ao eu, ainda que este esteja preservado. Ele consegue falar, dizer como está, conversar. Seu corpo oscila entre uma inexpressão e uma expressividade dramática. Contudo, a dramaticidade não é “fingida”. Assume seu discurso com se fosse ele próprio levado por uma onda de emoção. Adiante, sem que se lhe estimule, estanca o ritmo e se faz imóvel numa atitude que suscita dúvidas. Elas oscilam entre o que diz de si e o que se esconde em dobras subjetivas opacas. O borderline é um ser errante de difícil ajuda pelo aparelho biomédico. Talvez seja usado algum remédio químico. Aí ele se curva para além das dobras a que aludimos. Torna-se paciente de um cansaço adicional (a sedação) ante saídas difíceis da problemática. As linhas singulares estão fora das categorizações da CID-10 ou de outras classificações.Sob a ótica da diferença, o paciente é um mundo inexplorado e ainda não humanizado. Não há pureza nessa concepção. Trata-se de espreitá-lo tanto quanto se conseguir escapar do clichê médico. Examinar o borderline é se pôr fora das definições do que é ou não o limite, o corte, a fronteira entre a saúde e a doença, o anormal e o anormal, a potência e a impotência. Para isso ser possível, a experiência do contato com a loucura é essencial. Não é preciso ser louco ou ficar louco, mas sim entrar num devir-loucura, tornar-se loucura se o propósito é ajudar, acolher,criar. Tal disposição não costuma ser bem vinda nas organizações promotoras da fé numa racionalidade apaziguadora. Isso inclui a psiquiatria e suas agências de apoio à promoção de uma felicidade quimicamente induzida. No entanto, entramos num terreno onde a química não resolve, e pior, oferece a sedação como simulacro da morte. Desse modo, o encontro com a loucura precede o encontro com o paciente...
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A.M. in Trair a psiquiatria
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