domingo, 30 de outubro de 2011

MAIS-VALIA PSIQUIÁTRICA

A forma-psiquiatria é uma instituição social. A especialidade médica vem depois. É um dado histórico, mas  denegado pela História acadêmica e oficial. Isso e muito mais  constitui o Inconsciente institucional da psiquiatria. Ninguém fala sobre essa coisas... Reina um silêncio sepulcral. É  que o  corporativismo médico  se incumbe de lucrar com  aparências científicas e intenções humanitárias. Por fim, a semiótica do capital estabelece   condições para se ganhar dinheiro,  prestígio e poder... em Saúde Mental.

Antonio Moura

AMY

que olhos!

abertos ao sono e  às estrelas
segredos opacos  
cintilações de  bebê

o  que não se vê é visto
pelos olhos
de Miguel

RODA VIVA Chico

O cérebro MENTE
 INSTITUIÇÃO

Escutar  um delírio:  som musical que  pode  ser  terrível,  ou não.   Música embriaga   até    corações  enrijecidos. Não  busque fórmulas, protocolos, cifras. Saia  de  si. Pense  contra  si.  A forma-psiquiatria não tem dono. Ela  é   dona de  nós  cegos  no momento de desembrulhar  um caso  difícil.  Tratar  além   do feijão  com arroz, tão  fácil, ainda  mais  se   o feijão com arroz  for  fabricado  em série. Instituir   a contra-instituição sem binarismos  não é  fácil, sabemos.  Chegar ao não-lugar da  traição incessante.  A coisa toda vem do  século  XIX.  É  uma  fraude cuidadosamente preparada  em  pequenos  frascos. Todos acreditam. Um dia, ele  entra  no consultório  e  senta-se  na cadeira  do paciente. Não  se trata  de uma “inversão de papéis” ao  jeito  do psicodrama. Isso seria  impossível e por  demais  humanístico. Trata-se da   desordem  infiltrada no  tecido   da    ordem asséptica. O psiquiatra é o paciente que  resiste ao funcionamento linear da  entrevista. Pergunta  se  há  consciência. Não  há. Descobre  que o cérebro  é uma instituição instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia  solilóquios  fugidios. A essa  altura, se  rompem  identidades. Escutar  o delírio é olhar as vozes e  ouvir o tempo  que  não passa... e já passou. Trair é  inventar.

Antonio Moura

AS HORAS - Glass

QUEM SUPORTA O DEVIR?  (II)

Os loucos, os poetas, os artistas, os cientistas "trágicos", os pensadores da diferença, os pobres, os miseráveis, os moradores de rua, os estranhos, os esquizos, os anormais, os trastes, os "deficientes", os anarquistas, os revolucionários, os bebês, os fracassados, os ingênuos...e outros, os diferentes,  suportam o devir...

Antonio Moura


QUEM SUPORTA O DEVIR?

A fenomenologia  "fracassa" ao pensar a heterogeneidade  fundamentalmente em jogo no devir. Com efeito, ela só pensa senão um devir-mesmo (a forma em vias de nascer, o aparecer da coisa) e não o que devia ser um pleonasmo - um devir-outro (...) (...) Seu tema é o começo do tempo, a gênese da historicidade (...) (...) Com isso a historicidade em Deleuze está ela própria em devir, afetada dentro de si por uma exterioridade que a mina e a faz divergir de si. Em definitivo, esse duelo de dois pensamentos do acontecimento, da gênese, do devir, um podendo reivindicar o 'ser", o outro não vendo nisso senão uma tela ou uma palavra, não seria o duelo de uma concepção cristã e uma concepção não-cristã do novo? (...)

François Zourabichvili - do livro O vocabulário de Deleuze

OS OUTROS ROMÂNTICOS - Caetano

sábado, 29 de outubro de 2011

O TRÁGICO É  PURA ALEGRIA

O que é pavoroso não tem nenhum título para seduzir os homens, sejam eles filósofos ou não. E o pensamento do acaso - pensamento materialista - é um pensamento de pavor, que inquieta tanto o pensador quanto aquele que os filósofos chamam de homem da rua; e, entre os pensadores, tanto os espiritualistas de tipo religioso quanto os idealistas de tipo antiideológico (...)

Clément Rosset - do livro Lógica do pior

ADMIRÁVEL GADO NOVO

ISSO É CIENTÍFICO?

Não é à epistemologia  que se deve pedir a resposta à questão "isso é científico"?", pois não há resposta de direito, normativa, trans-histórica. Qualquer resposta é histórica e coletiva; ela constitui em cada época e para cada ciência o que está em jogo no trabalho dos cientistas interessados.

I. Stengers - do livro  Quem tem medo da ciência?   ciência e poderes

POR QUE?

ONDE ENCONTRAR O "TRAIR"?

O livro "Trair a psiquiatria", no momento, pode ser adquirido na Livraria Nobel, em Vitória da Conquista, ou diretamente com o autor.
Telefone do autor - 77-9914-40-41 ou 77-3421-2953 ou 71- 9984-83-17; e-mail - mouriano@ig.com.br
Pedidos para outras cidades, poderão ser enviados pelo Correio. Iremos , progressivamente,  relançar e/ou distribuir o livro  em outras livrarias e em outras  praças. Não temos nenhum apoio de organizações acadêmicas,  profissionais,  comerciais,  estatais, etc.   Lançamento (provável)  em Salvador - março de 2012.

Antonio Moura

GERMINAL

 CRÍTICA


A crítica  acabou. Ela resvala em superfícies  duras e infensas às  ondas, mesmo fortes. Uma volúpia pela imagem descarnada assalta  espíritos simplórios.  Veja. Ouvi do estudante um comentário   choroso. Falava da  depressão  anoréxica.  Tratava-se  de um famélico. O pensamento parecia  uma  coisa  à  toa que aterrissava   plácido nas maçãs  do rosto. Uma origem: a crítica  com ares de simpatia misturada à burrice dos espaços em branco. O ideal asséptico a todo furor. Nuvens de arrebentação. Os devires passam rente  às lixeiras no subsolo das mentes por demais  ocupadas consigo mesmas. Não concorde  com tudo.Finja  que  sim. Finja que  pensa. Acione dois  ou três dendritos e avise a certos neurônios que você tem algo a  dizer. Não diga. Assuma o negativismo dos psicóticos incuráveis. Beije a mão do general e do papa travestidos de médicos. Eles compreenderão a sua  humildade. A crítica  direta é pura  simulação. Não ofende, não corta, não faz explodir. Contenha-se em sua inferioridade geneticamente  instituída. Repita  as frases, repita ao ponto de uma halitose civilizada se misturar ao formol dos cadáveres encaixotados em pets. Enfim, criticar é preciso  desde que não se critique. Ou que  a  crítica  seja um signo do horror político mostrado  como ciência e  salvação. Depois  de tudo, arrisque um palpite, faça uma  fezinha na loteria acadêmica. A mesma que abastece  os  exércitos pregando a paz  no oriente  médio. Experimente pensar.

Antonio Moura

A NOVA INQUISIÇÃO

O MEDO DA LOUCURA

Quando falamos de uma "Clínica da loucura" e não   de uma "Clínica do transtorno mental",  é que  concebemos  a experiência da loucura vindo antes do transtorno mental. Ou seja,  "loucura" refere-se ao insólito (na falta de melhor palavra...)   que atravessa  os modos de subjetivação.  "Loucura", portanto,  não é só a psicose, mas  o conjunto das vivências não cadastradas  e incompreensíveis à luz da razão, da consciência, do eu e do cérebro. Trata-se do "puro caos" se entendermos "caos" fora do  sentido ordinário, pejorativo, que o senso comum estabeleceu,  e sim como expressão a-subjetiva inserida em linhas existenciais: a natureza-em- nós. Isso é insuportável para os aparelhos psi... preocupados em manter a Ordem à todo custo.

Antonio Moura
UM MUNDO FETICHISTA E MISTERIOSO

À primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor-de-uso, nada há de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto de que se destina a  satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só  adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifica do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, por exemplo, a forma da madeira, quando dela faz uma mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo  que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as idéias fixas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria (...)

K. Marx - "A Mercadoria" in O Capital


Comentário - A subjetividade é também uma mercadoria  à venda no Mercado Capitalista... consome-se sentimentos, emoções, valores morais, idéias-clichês, preconceitos explícitos ou  camuflados, modos de agir, percepções, técnicas, saberes, fascismos, etc, etc...

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Paciência - Lenine

CONCEITO DE ENCONTRO

A concepção  transferencial   da  psicanálise, bem  como a  da  consciência  intencional da  fenomenologia  (adotada por  várias  linhas  psicoterápicas), não   dão conta  do encontro  como  um  “para  além”. Mesmo   que    teóricamente  falem  de  um bom encontro,   essas  concepções    sustentam  outra  coisa, atadas que  estão  à dimensão egóica, mental, personalística  do  paciente. Isso  produz   um território   afetivo  que   justifica  e  referenda    uma Forma. Cria-se  um circuito  de  realimentação  incessante para que  o terapeuta  cada  vez  mais   acredite  no objeto e  nos objetivos  do seu  trabalho. Isto  sem falar  na demanda  do  Mercado :  mais  e mais  psicoterapeutas  para   tamponar  a angústia dos  tempos  que correm. Maus encontros  que  devem se tornar  bons  encontros,  desde  que  obedeçam  às  regras do  contrato “ fluxo de  sintomas—fluxo  de  palavras---  fluxo de  dinheiro e prestígio”. É então   impossível  deixar  de  situar   a possibilidade  do  encontro  no  âmbito das  relações  capitalistas  de  produção, não    da vida  material, mas  da  vida  subjetiva.O mundo  em  que  vivemos  é  o mundo  do  capital em todas as   modalidades  de  fetichização  da mercadoria. O eu é  uma  mercadoria  muito  útil para   aquisição  de  novas  mercadorias  num circuito  automatizado  de  trocas: o  homem  médio consumidor  de   ordens  implícitas (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A psiquiatria psiquiatriza o ar. Todos respiram o  cheiro das drogas  santas.. Dizem amém ao antídoto do sofrimento moderno: seremos salvos!!!
ESCREVER...

A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num devir-imperceptível (..) (...) O devir está sempre "entre" ou "no meio";   mulher entre  as mulheres, ou animal no meio dos outros.

G. Deleuze - do livro Crítica e clínica

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

INDÚSTRIA DE MORTE

 A DESNATURALIZAÇÃO DO PACIENTE
                                                                      

                                                                                                Antonio Moura

A  clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica  que incide sobre o  trabalho com o paciente. Em termos  empíricos, o próprio  paciente torna-se  um produto de forças institucionais; elas  fabricam a clínica e por extensão o paciente.  Tais forças  se explicitam na  psiquiatria,  são  a  psiquiatria [1].  No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas   se concretizam  como rostidade  farmacológica.  É  um regime de aparência corporal,  semiótica,   que traça uma  linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses,  por excelência,    são  objeto   desse processo  de  rostificação. A cena extremada,  o paciente  impregnado  por   neurolépticos  (alterações  extra-piramidais)  e outros  signos  menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer  psiquiatria nos dias atuais tem  a opção farmacológica como  palavra de ordem: prescreva mais  e mais  remédios químicos. Isso não  vale apenas   para os que estão científico  e   juridicamente   autorizados a  fazê-lo, mas para todos os  que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a  chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam,  todos estão medicados,   medicalizados   numa  produção subjetiva  inconsciente e incessante. Isso é de uma  tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem  programada se impõe como desejo psiquiátrico  único e  totalizante. Ora, o desejo não é individual, não é uma essência ou um atributo exclusivo  de alguém.  Ao contrário,  é coletivo  e só  se mostra   individual   como  produto de um segmento dominante. A  forma-psiquiatria é  este   segmento dominante no funcionamento da equipe.  Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço  da luta antimanicomial [2] . Afinal,   a psiquiatria mantém um  status   baseado  na medicina,   o  que   opera   efeitos concretos,   entre eles, o da farmacologização  subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que    funciona em oposição ao rosto   normal [3].  Quem o fabrica? O autor    não  é   identificável.   Uma máquina binária sem forma  (médico-paciente)   é  implantada no seio  da clínica.  Até   fins  dos anos 80  (século XX),  apenas o  louco  dito  psicótico era tornado  “rosto”  pelo uso de  fármacos. Hoje essa manobra atinge  a todos, incluindo os não psicóticos   e   até os  normais.  As pesquisas neuro-científicas  produziram um cérebro-mente, o que  se reflete no uso continuado  de  remédios  e   associações medicamentosas. É óbvio  que o  fármaco atua no sintoma, não mais que no sintoma. Contudo,  isso não significa  obter uma cura ou  sequer uma melhora. A somatória dos  sintomas leva o médico à conexão simples sintoma-fármaco. Daí    o ato de medicar percorrer   um roteiro implícito. Ora,  é muito raro  que o paciente apresente apenas um sintoma. Então  valeria   a  equação “vários sintomas = vários fármacos”?    Não faltam  psicofármacos  para  embasá-la, ao contrário. O paciente vai sendo  rostificado  como um “ser-que-demanda-remédio”,  produzindo  a psiquiatria  e  o psiquiatra num circuito de re-alimentação continua.  A máquina se fecha: uma   produção/produto/produção     tecnicamente monitorada é o  trabalho do psiquiatra   clínico,   o qual     pode   até ser   valorizado como ação    visando   o bem do paciente. Isso não impede  que se considere o circuito do fármaco    danoso  à pesquisa sobre a loucura. É que esta não se restringe a nenhuma patologia específica. Ela  é  o despedaçamento do eu e da consciência  enquanto  entidades reguladoras   dos códigos sociais. É também, sob  o olhar biomédico, um  cérebro   funcionando errado.  Mas  não   existe  definição possível nem   semiologia psicopatológica  que esgote  a descrição do seu perfil.   Trata-se  do  caos das significações dominantes, sem que isso implique em designações pejorativas e/ou niilistas.   Assim,  não só o louco é  convertido à categoria de doente  e  o não doente  convertido à categoria de louco,  mas  a psiquiatria   converte-se à   ciência e faz um  trabalho de rescaldo social.  O     que está em jogo    não é o psiquiatra-pessoa. Este obedece, só obedece  (mesmo  sem    saber). A questão  é outra.   São    as relações institucionais,   a   materialidade do ato clínico. O   eu-consciência  sustenta   a psicopatologia. Hoje, a   equação se  alarga.  Temos eu=consciência=cérebro,   base  ontológica    para se passar remédios.   Na ausência  de   uma teoria  psiquiátrica  da subjetividade,  quem responde ao psiquiatra é o “eu-consciência-cérebro”. Este  é  o  “sujeito”.    Eu-consciência para o manejo psicoterápico cognitivista. Cérebro para o  farmacológico, não necessariamente  nesta ordem.   
                          Voltemos à rostidade. O paciente  é vestido  pela moral (o eu-consciência) e pela química (o  cérebro). Passa a ser   um produto-organismo   disponível para  ser tratado, consertado, adaptado, normalizado. É o   trabalho (duro)  do psiquiatra na linha de frente.  Há,  porém,  outras  linhas   que  chamamos de devires. Elas não  fabricam  o paciente, mas as condições para alguém deixar de ser paciente. Tal perspectiva inclui o   psiquiatra  em    outra   concepção de  doença. Destacamos: 1-O paciente não  é um individuo, e sim uma multiplicidade;    é  irredutível  ao  eu e    à  consciência,  mas    plugado  no   coletivo. É   do  mundo,  é  o mundo.    2- Na entrevista, a sua fala chega misturada a   falas  não verbais  (semióticas);  mil   falas    estão    presentes   em   uma  fala.  3- A  inteligibilidade  do  discurso  está inscrita na  Vivência, e não  o contrário; 4- O uso    prévio  e  exclusivo   de  fármacos  -  por  aparelhos  de medicar  -   produz um rosto-clichê  que  enevoa  a percepção  clínica; 5- Antes de “ser”  um diagnóstico, o paciente é um processo afetivo; pode estar abortado, mas  é um processo;  6- O delírio (se  houver) e o  comportamento   estão   submetidos ao  contexto  onde ele  vive.  Como então, funcionam essas  linhas?  
                           De início,  assinalamos  que  o   psiquiatra  não   é (ou  não  deveria)    ser  um  passador  de remédios,  um  remedeiro. Ao  contrário, pela  via  do  Encontro, ele busca percutir  linhas  de  vida,  mesmo  que  elas não  se mostrem  de  pronto. Existe  a escuta   expectante   das multiplicidades.  São  falas   que  podem  ser decompostas  em  territórios  existenciais  delicados.  Dobras   subjetivas  para  além     do  olhar-clichê. Por  isso, é preciso  ver  ao  invés de enxergar.  Ver o paciente   como “não paciente”   sem que  isso  seja  uma negação  da realidade. A relação é, pois,   não  hierárquica. A  suposta  ajuda  construída  na  linha  dos devires   torna-se desejo de  ser   o  outro  sem  sê-lo. Não  uma  pessoa  à  frente, mas  linhas  entrelaçadas,  umas  se expressando, outras não. Explorar  os paradoxos na  cena  do  Encontro  implica  em jogar papéis  sociais,  coletivos,  inumanos.   A  questão  passa a ser buscar formas  de expressão. Pode  ser  pela  fala, pelo silêncio, pelo  corpo, pelas  atitudes,  etc.  Importa   a expressão e  a potência de criar que  lhe  é correlata.O paciente cria?   O  que?  Como?  Para que?  Onde?Os devires  invadem o  viver  sem que  os  especialistas  imponham uma ordem. O que se passa? O psiquiatra enlouquece  sem estar louco ou  ser um  doente,  nada  disso. O ponto de  subjetivação é o desejo  como expressão  de modos  de  viver  fora das  coordenadas  estáveis da  razão.  Isso   costuma incomodar as  estruturas   do  eu.  Devir é  expandir-se,    diferenciar-se.  Não  há,  contudo,  um suporte  institucional    para tais  ações.  Elas  arriscam  no  vácuo  o recado   de  uma    novidade  incerta. O   paciente   sem   rosto,   a   vida subjetiva    se  mostrando    às  micro-sensibilidades   que  circulam    entre o  paciente  e  o psiquiatra.  Escutar,  escutar    não  sob     uma  grade   edipiano-cerebral,   mas  à    espreita   do  novo,  do inesperado,  do  indeterminado, do  bizarro.  O  acontecimento  é  uma   linha  de perigo  e   também  a passagem.  Examinar  um  paciente  é  encontrá-lo  no seu  mundo, por mais  longínquo   que  seja.  Isso   exige    tempo,  paciência  e acima  de tudo,  ótimas  condições  de trabalho [4].  Uma  ética do  Encontro  precede   toda  técnica. A  desnaturalização  do  paciente  é  correlata ao  desaparecimento  do  eu-psiquiatra [5].  Este se torna  outra  coisa à  serviço  da  diferença,  uma  dobra existencial  que  se  desdobra  em  outra,  em outras,  em  outros.  
                                                                                                                                                                            



[1] O  caráter  técnico-científico  da  psiquiatria é  tributário dessas  forças.
[2] Observa-se no  Brasil  atual  uma  oposição  (não  sem  certa animosidade)  entre  psiquiatras  e  “defensores” da  luta  anti-manicomial.
[3] O  rosto  normal  é  o   do  organismo  cognitivo e funcionalmente  correto,  tal  como  busca   a  terapia  cognitivo-comportamental.
[4] Referimo-nos às organizações capsianas,  tanto  à  nível das  condições  materiais  quanto às  salariais.
[5] O  que  não  significa   o desaparecimento  da  psiquiatria...  ao contrário,  falamos de  “outra”  psiquiatria.
Quero agradecer de verdade  a todos os que estiveram presentes ontem  ao lançamento do livro "Trair a psiquiatria". 
Grande abraço,


Antonio  

domingo, 23 de outubro de 2011

TRAIR A PSIQUIATRIA


aos    diferentes
RESISTIR, RESISTIR...

A psiquiatria não sabe de mim. Nem quer saber. Fujo de uma posição egóica, personalística, acadêmica, mercadológica, corporativista, científica... Sou uma multiplicidade que se insinua   como  prática da diferença . Nada  tenho a dizer, exceto o caos como  criador de  singularidades. Por isso, resisto...

Antonio Moura
Devires     

                                                               Antonio  Moura



             O paciente vive  entristecido pela Grande Máquina. Sua alegria  foi aniquilada  em plena  vigília.  Do nada.   Ninguém assume  a  autoria dos pequenos  crimes.  Eles   são  administrados em nome da  paz  de espírito.  Ora, o   espírito  também caga.  Avise  aos últimos  palhaços  que  a    arte   foi  solapada em nome do ideal dos   homens  de branco.  Ao que  me consta, nada  mudou no sulco das  bocas. Elas falam rachando dentes.    Mastigam   auroras   nati-mortas.   Mas o   Rosto carrega  uma expressão justa, como negar? A  bondade natural dos  humanos.  Ó Lovecraft,  socorrei! Apenas uma   cidade  respirando um  arco-íris, manda por  favor...  Não falo por  mim. Por  mim, ó... Falo pelo que  não sou, falo  por  devires. Escutai   a  canção   do mundo... Você  dança?  O paciente sucumbe à  Ordem.  Por  favor, o senhor pode  me dizer  as  horas? Já vai  tarde o tempo dos  mestres, com todo  o  respeito.   Sonâmbulos da própria  dor,  como  falar  aos  que  não  falam? A  Grande Máquina é uma   pequena dose de benefícios a  curto e  médio   prazo. Ela  se  insinua na febre dos corredores infectos. Um susto, um sus.  Tudo é  contágio. Resistir à  morte,  querida, e fazer dessa vibração algo novo, será  possível? Talvez um devir-amante   imerso  em trepadas millerianas. Bicho,  perdoa  o jeito canino: o que  é necessário  para  viver por  viver?   Pacientes  são pacientes  demais.  Armaduras químicas, lições de casa, manuais de sobrevivência, coisas  simples, eles   são  normais. Eu queria um gosto de  sol  em você, em suas dores mais  intensas e  irremediáveis. Pena  que  a sombra dos quintais do passado  anuncie sessões de  tortura regadas à dinheiro. A entrega  é  às  oito. Todos estarão  lá, até o  chefe da  Facção Sinistra,  aquele  mesmo que  começou a seduzir  a multidão  com  truques de  falar  macio.  Não   tem jeito. Somos  inocentes radicais.
AGRADECIMENTOS

Faltando  dois  dias para o  "Trair..."  vir ao mundo, não posso deixar de citar dois personagens que o tornaram possível. Minha mulher, companheira, amante, revisora do livro, interlocutora do pensamento: Simone. Depois, meu amigo, parceiro, co-autor, essência do inconformismo radical,  Isac. A eles, como diria Milton Nascimento, "tenho esses peixes e dou de  coração"... Simone e Isac, grande abraço.

Antonio

DIANA KRALL

POR QUE ESCREVER?

Só trabalho, só escrevo  com intercessores. Eles oxigenam os conceitos. O bebê é um deles. Miguel me empurra para além dos códigos estáveis do eu-consciência-pessoa. Me faz sair de mim, me faz pensar contra mim, me faz viajar  viagens  em intensidades moventes.  Sem Miguel eu tenderia a cair na normalidade  do adulto   mediano...

Antonio


DELIRAR  


                                        Antonio  Moura



                               Ao  desconfiar que  alguém delira, não julgue. Pense  primeiro “ o que estará  sentindo  o suposto  delirante?”. Quem delira pode  não estar delirando, ou seja, pode estar  apenas pensando em voz  alta.  Afinal, como seres  do  pensamento, deliramos.  Uma barreira colocada  entre nós e o dito mundo  real impede  que  o delírio se torne um  problema.  Sim, torna-se  um problema  quando a ordem “natural” das coisas é  rompida a nível da conduta.   Para  o bom senso isso é  insuportável, ou  quase  insuportável. Parece claro. Há  uma ordem racional  do  mundo  que  instituiu e institui valores, normas  e códigos. Isso  em toda  parte.  Uma necessidade  de ordem e bom comportamento  parece  fazer  as  coisas andarem. O binômio  ordem/desordem  vem daí, alimenta-se  de possíveis  desvios que  o confirmam. A todo custo, a ordem  tem que ser  mantida, começando pela família. Nesse  estado de coisas   o delírio  é   uma linha de vida  não classificável. Não é a  de  um criminoso, nem a  de uma criança ou de qualquer  segmento social  diferente  dos  normais. Eles não  deliram.  Então o delírio  chega  trazendo a marca   do  incompreensível e do insólito. Qual a sua  natureza? 


Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

TODAS AS LOUCURAS SÃO INOCENTES


ESCREVER...

Ser traidor de seu próprio reino, ser traidor de seu sexo, de sua classe, de sua maioria - que outra razão para escrever? E ser traidor da escritura. (...) (...) É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se desconhecido. O fim , a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher, de um devir-negro, animal, etc., para além de um devir-minoritário, há o empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim. (...)

Gilles Deleuze - Diálogos (com Claira Parnet)

POESIA DO DIA

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa

sábado, 22 de outubro de 2011

POR QUE?

O QUE É ESCREVER?

Escrever não é um ato individual. O autor- para escrever- é atravessado  por gentes, pessoas, signos, forças, potências, fluxos de toda ordem que  vêm  de mil lugares.  Nem sempre identificáveis, quase sempre invisíveis,  eles vieram parar em mim,   estão em mim.  De onde? Quem? Escrever não é função de um eu-consciência. Ao contrário, escrever é enlouquecer para  não ficar  doente. O livro que vai para o mundo no dia 25 não me pertence.Foram muitos os encontros-devires que  gestaram um  corpo de vibrações indizíveis. Formou-se, assim, um estilo de ser não sendo,  cada vez mais na  beira de um precipício. Este precipício  seria o silêncio cúmplice de um estado de coisas. Escapei disso,   e ao escapar  agarrei  a massa informe de um infinito  que docemente me constituiu...

Antonio

VIOLA ENLUARADA - MARCOS E MILTON

DEVIR-PENSAMENTO


Consideremos a psicopatologia com  os seus  sintomas+sinais =diagnóstico, ao jeito da psiquiatria.  Mesmo  tal    enunciado corresponde  a  uma  multiplicidade. O paciente é  composto por  linhas singulares misturadas às  linhas diagnósticas. A vivência  de cada  uma delas corresponde  aos  devires em curso ou a serem desencadeados. A multiplicidade-paciente compõe-se com outras,  inclusive a multiplicidade-médico-que-o-atende ou o  psicoterapeuta, etc. Ligá-la  a outras  multiplicidades  implica  em    considerar  o Encontro no próprio  seio  dessa realidade. Sem o encontro não há multiplicidade, ou  o inverso. Os  devires  são   relações singulares  com  as pessoas, os  objetos, o mundo. A  rigor, eles  não  são  mas  tornam-se, esta a própria  definição do verbo. No caso do devir-pensamento, muda   a concepção de cérebro, muda a prática  clínica (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser lançado no dia 25/10/2011, em Vitória da Conquista.