Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
domingo, 30 de outubro de 2011
MAIS-VALIA PSIQUIÁTRICA
A forma-psiquiatria é uma instituição social. A especialidade médica vem depois. É um dado histórico, mas denegado pela História acadêmica e oficial. Isso e muito mais constitui o Inconsciente institucional da psiquiatria. Ninguém fala sobre essa coisas... Reina um silêncio sepulcral. É que o corporativismo médico se incumbe de lucrar com aparências científicas e intenções humanitárias. Por fim, a semiótica do capital estabelece condições para se ganhar dinheiro, prestígio e poder... em Saúde Mental.
Antonio Moura
Escutar um delírio: som musical que pode ser terrível, ou não. Música embriaga até corações enrijecidos. Não busque fórmulas, protocolos, cifras. Saia de si. Pense contra si. A forma-psiquiatria não tem dono. Ela é dona de nós cegos no momento de desembrulhar um caso difícil. Tratar além do feijão com arroz, tão fácil, ainda mais se o feijão com arroz for fabricado em série. Instituir a contra-instituição sem binarismos não é fácil, sabemos. Chegar ao não-lugar da traição incessante. A coisa toda vem do século XIX. É uma fraude cuidadosamente preparada em pequenos frascos. Todos acreditam. Um dia, ele entra no consultório e senta-se na cadeira do paciente. Não se trata de uma “inversão de papéis” ao jeito do psicodrama. Isso seria impossível e por demais humanístico. Trata-se da desordem infiltrada no tecido da ordem asséptica. O psiquiatra é o paciente que resiste ao funcionamento linear da entrevista. Pergunta se há consciência. Não há. Descobre que o cérebro é uma instituição instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia solilóquios fugidios. A essa altura, se rompem identidades. Escutar o delírio é olhar as vozes e ouvir o tempo que não passa... e já passou. Trair é inventar.
Antonio Moura
QUEM SUPORTA O DEVIR? (II)
Os loucos, os poetas, os artistas, os cientistas "trágicos", os pensadores da diferença, os pobres, os miseráveis, os moradores de rua, os estranhos, os esquizos, os anormais, os trastes, os "deficientes", os anarquistas, os revolucionários, os bebês, os fracassados, os ingênuos...e outros, os diferentes, suportam o devir...
Antonio Moura
QUEM SUPORTA O DEVIR?
A fenomenologia "fracassa" ao pensar a heterogeneidade fundamentalmente em jogo no devir. Com efeito, ela só pensa senão um devir-mesmo (a forma em vias de nascer, o aparecer da coisa) e não o que devia ser um pleonasmo - um devir-outro (...) (...) Seu tema é o começo do tempo, a gênese da historicidade (...) (...) Com isso a historicidade em Deleuze está ela própria em devir, afetada dentro de si por uma exterioridade que a mina e a faz divergir de si. Em definitivo, esse duelo de dois pensamentos do acontecimento, da gênese, do devir, um podendo reivindicar o 'ser", o outro não vendo nisso senão uma tela ou uma palavra, não seria o duelo de uma concepção cristã e uma concepção não-cristã do novo? (...)
François Zourabichvili - do livro O vocabulário de Deleuze
sábado, 29 de outubro de 2011
O TRÁGICO É PURA ALEGRIA
O que é pavoroso não tem nenhum título para seduzir os homens, sejam eles filósofos ou não. E o pensamento do acaso - pensamento materialista - é um pensamento de pavor, que inquieta tanto o pensador quanto aquele que os filósofos chamam de homem da rua; e, entre os pensadores, tanto os espiritualistas de tipo religioso quanto os idealistas de tipo antiideológico (...)
Clément Rosset - do livro Lógica do pior
ISSO É CIENTÍFICO?
Não é à epistemologia que se deve pedir a resposta à questão "isso é científico"?", pois não há resposta de direito, normativa, trans-histórica. Qualquer resposta é histórica e coletiva; ela constitui em cada época e para cada ciência o que está em jogo no trabalho dos cientistas interessados.
I. Stengers - do livro Quem tem medo da ciência? ciência e poderes
ONDE ENCONTRAR O "TRAIR"?
O livro "Trair a psiquiatria", no momento, pode ser adquirido na Livraria Nobel, em Vitória da Conquista, ou diretamente com o autor.
Telefone do autor - 77-9914-40-41 ou 77-3421-2953 ou 71- 9984-83-17; e-mail - mouriano@ig.com.br
Pedidos para outras cidades, poderão ser enviados pelo Correio. Iremos , progressivamente, relançar e/ou distribuir o livro em outras livrarias e em outras praças. Não temos nenhum apoio de organizações acadêmicas, profissionais, comerciais, estatais, etc. Lançamento (provável) em Salvador - março de 2012.
Antonio Moura
CRÍTICA
A crítica acabou. Ela resvala em superfícies duras e infensas às ondas, mesmo fortes. Uma volúpia pela imagem descarnada assalta espíritos simplórios. Veja. Ouvi do estudante um comentário choroso. Falava da depressão anoréxica. Tratava-se de um famélico. O pensamento parecia uma coisa à toa que aterrissava plácido nas maçãs do rosto. Uma origem: a crítica com ares de simpatia misturada à burrice dos espaços em branco. O ideal asséptico a todo furor. Nuvens de arrebentação. Os devires passam rente às lixeiras no subsolo das mentes por demais ocupadas consigo mesmas. Não concorde com tudo.Finja que sim. Finja que pensa. Acione dois ou três dendritos e avise a certos neurônios que você tem algo a dizer. Não diga. Assuma o negativismo dos psicóticos incuráveis. Beije a mão do general e do papa travestidos de médicos. Eles compreenderão a sua humildade. A crítica direta é pura simulação. Não ofende, não corta, não faz explodir. Contenha-se em sua inferioridade geneticamente instituída. Repita as frases, repita ao ponto de uma halitose civilizada se misturar ao formol dos cadáveres encaixotados em pets. Enfim, criticar é preciso desde que não se critique. Ou que a crítica seja um signo do horror político mostrado como ciência e salvação. Depois de tudo, arrisque um palpite, faça uma fezinha na loteria acadêmica. A mesma que abastece os exércitos pregando a paz no oriente médio. Experimente pensar.
Antonio Moura
O MEDO DA LOUCURA
Quando falamos de uma "Clínica da loucura" e não de uma "Clínica do transtorno mental", é que concebemos a experiência da loucura vindo antes do transtorno mental. Ou seja, "loucura" refere-se ao insólito (na falta de melhor palavra...) que atravessa os modos de subjetivação. "Loucura", portanto, não é só a psicose, mas o conjunto das vivências não cadastradas e incompreensíveis à luz da razão, da consciência, do eu e do cérebro. Trata-se do "puro caos" se entendermos "caos" fora do sentido ordinário, pejorativo, que o senso comum estabeleceu, e sim como expressão a-subjetiva inserida em linhas existenciais: a natureza-em- nós. Isso é insuportável para os aparelhos psi... preocupados em manter a Ordem à todo custo.
Antonio Moura
UM MUNDO FETICHISTA E MISTERIOSO
À primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor-de-uso, nada há de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto de que se destina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifica do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, por exemplo, a forma da madeira, quando dela faz uma mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as idéias fixas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria (...)
K. Marx - "A Mercadoria" in O Capital
Comentário - A subjetividade é também uma mercadoria à venda no Mercado Capitalista... consome-se sentimentos, emoções, valores morais, idéias-clichês, preconceitos explícitos ou camuflados, modos de agir, percepções, técnicas, saberes, fascismos, etc, etc...
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
CONCEITO DE ENCONTRO
A concepção transferencial da psicanálise, bem como a da consciência intencional da fenomenologia (adotada por várias linhas psicoterápicas), não dão conta do encontro como um “para além”. Mesmo que teóricamente falem de um bom encontro, essas concepções sustentam outra coisa, atadas que estão à dimensão egóica, mental, personalística do paciente. Isso produz um território afetivo que justifica e referenda uma Forma. Cria-se um circuito de realimentação incessante para que o terapeuta cada vez mais acredite no objeto e nos objetivos do seu trabalho. Isto sem falar na demanda do Mercado : mais e mais psicoterapeutas para tamponar a angústia dos tempos que correm. Maus encontros que devem se tornar bons encontros, desde que obedeçam às regras do contrato “ fluxo de sintomas—fluxo de palavras--- fluxo de dinheiro e prestígio”. É então impossível deixar de situar a possibilidade do encontro no âmbito das relações capitalistas de produção, não só da vida material, mas da vida subjetiva.O mundo em que vivemos é o mundo do capital em todas as modalidades de fetichização da mercadoria. O eu é uma mercadoria muito útil para aquisição de novas mercadorias num circuito automatizado de trocas: o homem médio consumidor de ordens implícitas (...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
ESCREVER...
A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num devir-imperceptível (..) (...) O devir está sempre "entre" ou "no meio"; mulher entre as mulheres, ou animal no meio dos outros.
G. Deleuze - do livro Crítica e clínica
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
A clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica que incide sobre o trabalho com o paciente. Em termos empíricos, o próprio paciente torna-se um produto de forças institucionais; elas fabricam a clínica e por extensão o paciente. Tais forças se explicitam na psiquiatria, são a psiquiatria [1]. No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas se concretizam como rostidade farmacológica. É um regime de aparência corporal, semiótica, que traça uma linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses, por excelência, são objeto desse processo de rostificação. A cena extremada, o paciente impregnado por neurolépticos (alterações extra-piramidais) e outros signos menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer psiquiatria nos dias atuais tem a opção farmacológica como palavra de ordem: prescreva mais e mais remédios químicos. Isso não vale apenas para os que estão científico e juridicamente autorizados a fazê-lo, mas para todos os que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam, todos estão medicados, medicalizados numa produção subjetiva inconsciente e incessante. Isso é de uma tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem programada se impõe como desejo psiquiátrico único e totalizante. Ora, o desejo não é individual, não é uma essência ou um atributo exclusivo de alguém. Ao contrário, é coletivo e só se mostra individual como produto de um segmento dominante. A forma-psiquiatria é este segmento dominante no funcionamento da equipe. Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço da luta antimanicomial [2] . Afinal, a psiquiatria mantém um status baseado na medicina, o que opera efeitos concretos, entre eles, o da farmacologização subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que funciona em oposição ao rosto normal [3]. Quem o fabrica? O autor não é identificável. Uma máquina binária sem forma (médico-paciente) é implantada no seio da clínica. Até fins dos anos 80 (século XX), apenas o louco dito psicótico era tornado “rosto” pelo uso de fármacos. Hoje essa manobra atinge a todos, incluindo os não psicóticos e até os normais. As pesquisas neuro-científicas produziram um cérebro-mente, o que se reflete no uso continuado de remédios e associações medicamentosas. É óbvio que o fármaco atua no sintoma, não mais que no sintoma. Contudo, isso não significa obter uma cura ou sequer uma melhora. A somatória dos sintomas leva o médico à conexão simples sintoma-fármaco. Daí o ato de medicar percorrer um roteiro implícito. Ora, é muito raro que o paciente apresente apenas um sintoma. Então valeria a equação “vários sintomas = vários fármacos”? Não faltam psicofármacos para embasá-la, ao contrário. O paciente vai sendo rostificado como um “ser-que-demanda-remédio”, produzindo a psiquiatria e o psiquiatra num circuito de re-alimentação continua. A máquina se fecha: uma produção/produto/produção tecnicamente monitorada é o trabalho do psiquiatra clínico, o qual pode até ser valorizado como ação visando o bem do paciente. Isso não impede que se considere o circuito do fármaco danoso à pesquisa sobre a loucura. É que esta não se restringe a nenhuma patologia específica. Ela é o despedaçamento do eu e da consciência enquanto entidades reguladoras dos códigos sociais. É também, sob o olhar biomédico, um cérebro funcionando errado. Mas não existe definição possível nem semiologia psicopatológica que esgote a descrição do seu perfil. Trata-se do caos das significações dominantes, sem que isso implique em designações pejorativas e/ou niilistas. Assim, não só o louco é convertido à categoria de doente e o não doente convertido à categoria de louco, mas a psiquiatria converte-se à ciência e faz um trabalho de rescaldo social. O que está em jogo não é o psiquiatra-pessoa. Este obedece, só obedece (mesmo sem saber). A questão é outra. São as relações institucionais, a materialidade do ato clínico. O eu-consciência sustenta a psicopatologia. Hoje, a equação se alarga. Temos eu=consciência=cérebro, base ontológica para se passar remédios. Na ausência de uma teoria psiquiátrica da subjetividade, quem responde ao psiquiatra é o “eu-consciência-cérebro”. Este é o “sujeito”. Eu-consciência para o manejo psicoterápico cognitivista. Cérebro para o farmacológico, não necessariamente nesta ordem.
Voltemos à rostidade. O paciente é vestido pela moral (o eu-consciência) e pela química (o cérebro). Passa a ser um produto-organismo disponível para ser tratado, consertado, adaptado, normalizado. É o trabalho (duro) do psiquiatra na linha de frente. Há, porém, outras linhas que chamamos de devires. Elas não fabricam o paciente, mas as condições para alguém deixar de ser paciente. Tal perspectiva inclui o psiquiatra em outra concepção de doença. Destacamos: 1-O paciente não é um individuo, e sim uma multiplicidade; é irredutível ao eu e à consciência, mas plugado no coletivo. É do mundo, é o mundo. 2- Na entrevista, a sua fala chega misturada a falas não verbais (semióticas); mil falas estão presentes em uma fala. 3- A inteligibilidade do discurso está inscrita na Vivência, e não o contrário; 4- O uso prévio e exclusivo de fármacos - por aparelhos de medicar - produz um rosto-clichê que enevoa a percepção clínica; 5- Antes de “ser” um diagnóstico, o paciente é um processo afetivo; pode estar abortado, mas é um processo; 6- O delírio (se houver) e o comportamento estão submetidos ao contexto onde ele vive. Como então, funcionam essas linhas?
De início, assinalamos que o psiquiatra não é (ou não deveria) ser um passador de remédios, um remedeiro. Ao contrário, pela via do Encontro, ele busca percutir linhas de vida, mesmo que elas não se mostrem de pronto. Existe a escuta expectante das multiplicidades. São falas que podem ser decompostas em territórios existenciais delicados. Dobras subjetivas para além do olhar-clichê. Por isso, é preciso ver ao invés de enxergar. Ver o paciente como “não paciente” sem que isso seja uma negação da realidade. A relação é, pois, não hierárquica. A suposta ajuda construída na linha dos devires torna-se desejo de ser o outro sem sê-lo. Não uma pessoa à frente, mas linhas entrelaçadas, umas se expressando, outras não. Explorar os paradoxos na cena do Encontro implica em jogar papéis sociais, coletivos, inumanos. A questão passa a ser buscar formas de expressão. Pode ser pela fala, pelo silêncio, pelo corpo, pelas atitudes, etc. Importa a expressão e a potência de criar que lhe é correlata.O paciente cria? O que? Como? Para que? Onde?Os devires invadem o viver sem que os especialistas imponham uma ordem. O que se passa? O psiquiatra enlouquece sem estar louco ou ser um doente, nada disso. O ponto de subjetivação é o desejo como expressão de modos de viver fora das coordenadas estáveis da razão. Isso costuma incomodar as estruturas do eu. Devir é expandir-se, diferenciar-se. Não há, contudo, um suporte institucional para tais ações. Elas arriscam no vácuo o recado de uma novidade incerta. O paciente sem rosto, a vida subjetiva se mostrando às micro-sensibilidades que circulam entre o paciente e o psiquiatra. Escutar, escutar não sob uma grade edipiano-cerebral, mas à espreita do novo, do inesperado, do indeterminado, do bizarro. O acontecimento é uma linha de perigo e também a passagem. Examinar um paciente é encontrá-lo no seu mundo, por mais longínquo que seja. Isso exige tempo, paciência e acima de tudo, ótimas condições de trabalho [4]. Uma ética do Encontro precede toda técnica. A desnaturalização do paciente é correlata ao desaparecimento do eu-psiquiatra [5]. Este se torna outra coisa à serviço da diferença, uma dobra existencial que se desdobra em outra, em outras, em outros.
[1] O caráter técnico-científico da psiquiatria é tributário dessas forças.
[2] Observa-se no Brasil atual uma oposição (não sem certa animosidade) entre psiquiatras e “defensores” da luta anti-manicomial.
[3] O rosto normal é o do organismo cognitivo e funcionalmente correto, tal como busca a terapia cognitivo-comportamental.
[4] Referimo-nos às organizações capsianas, tanto à nível das condições materiais quanto às salariais.
[5] O que não significa o desaparecimento da psiquiatria... ao contrário, falamos de “outra” psiquiatria.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
domingo, 23 de outubro de 2011
RESISTIR, RESISTIR...
A psiquiatria não sabe de mim. Nem quer saber. Fujo de uma posição egóica, personalística, acadêmica, mercadológica, corporativista, científica... Sou uma multiplicidade que se insinua como prática da diferença . Nada tenho a dizer, exceto o caos como criador de singularidades. Por isso, resisto...
Antonio Moura
Devires
Antonio Moura
O paciente vive entristecido pela Grande Máquina. Sua alegria foi aniquilada em plena vigília. Do nada. Ninguém assume a autoria dos pequenos crimes. Eles são administrados em nome da paz de espírito. Ora, o espírito também caga. Avise aos últimos palhaços que a arte foi solapada em nome do ideal dos homens de branco. Ao que me consta, nada mudou no sulco das bocas. Elas falam rachando dentes. Mastigam auroras nati-mortas. Mas o Rosto carrega uma expressão justa, como negar? A bondade natural dos humanos. Ó Lovecraft, socorrei! Apenas uma cidade respirando um arco-íris, manda por favor... Não falo por mim. Por mim, ó... Falo pelo que não sou, falo por devires. Escutai a canção do mundo... Você dança? O paciente sucumbe à Ordem. Por favor, o senhor pode me dizer as horas? Já vai tarde o tempo dos mestres, com todo o respeito. Sonâmbulos da própria dor, como falar aos que não falam? A Grande Máquina é uma pequena dose de benefícios a curto e médio prazo. Ela se insinua na febre dos corredores infectos. Um susto, um sus. Tudo é contágio. Resistir à morte, querida, e fazer dessa vibração algo novo, será possível? Talvez um devir-amante imerso em trepadas millerianas. Bicho, perdoa o jeito canino: o que é necessário para viver por viver? Pacientes são pacientes demais. Armaduras químicas, lições de casa, manuais de sobrevivência, coisas simples, eles são normais. Eu queria um gosto de sol em você, em suas dores mais intensas e irremediáveis. Pena que a sombra dos quintais do passado anuncie sessões de tortura regadas à dinheiro. A entrega é às oito. Todos estarão lá, até o chefe da Facção Sinistra, aquele mesmo que começou a seduzir a multidão com truques de falar macio. Não tem jeito. Somos inocentes radicais.
AGRADECIMENTOS
Faltando dois dias para o "Trair..." vir ao mundo, não posso deixar de citar dois personagens que o tornaram possível. Minha mulher, companheira, amante, revisora do livro, interlocutora do pensamento: Simone. Depois, meu amigo, parceiro, co-autor, essência do inconformismo radical, Isac. A eles, como diria Milton Nascimento, "tenho esses peixes e dou de coração"... Simone e Isac, grande abraço.
Antonio
POR QUE ESCREVER?
Só trabalho, só escrevo com intercessores. Eles oxigenam os conceitos. O bebê é um deles. Miguel me empurra para além dos códigos estáveis do eu-consciência-pessoa. Me faz sair de mim, me faz pensar contra mim, me faz viajar viagens em intensidades moventes. Sem Miguel eu tenderia a cair na normalidade do adulto mediano...
Antonio
DELIRAR
Antonio Moura
Ao desconfiar que alguém delira, não julgue. Pense primeiro “ o que estará sentindo o suposto delirante?”. Quem delira pode não estar delirando, ou seja, pode estar apenas pensando em voz alta. Afinal, como seres do pensamento, deliramos. Uma barreira colocada entre nós e o dito mundo real impede que o delírio se torne um problema. Sim, torna-se um problema quando a ordem “natural” das coisas é rompida a nível da conduta. Para o bom senso isso é insuportável, ou quase insuportável. Parece claro. Há uma ordem racional do mundo que instituiu e institui valores, normas e códigos. Isso em toda parte. Uma necessidade de ordem e bom comportamento parece fazer as coisas andarem. O binômio ordem/desordem vem daí, alimenta-se de possíveis desvios que o confirmam. A todo custo, a ordem tem que ser mantida, começando pela família. Nesse estado de coisas o delírio é uma linha de vida não classificável. Não é a de um criminoso, nem a de uma criança ou de qualquer segmento social diferente dos normais. Eles não deliram. Então o delírio chega trazendo a marca do incompreensível e do insólito. Qual a sua natureza?
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
ESCREVER...
Ser traidor de seu próprio reino, ser traidor de seu sexo, de sua classe, de sua maioria - que outra razão para escrever? E ser traidor da escritura. (...) (...) É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se desconhecido. O fim , a finalidade de escrever? Para além ainda de um devir-mulher, de um devir-negro, animal, etc., para além de um devir-minoritário, há o empreendimento final de devir-imperceptível. Não, um escritor não pode desejar ser "conhecido", reconhecido. O imperceptível, caráter comum da maior velocidade e da maior lentidão. Perder o rosto, ultrapassar ou furar o muro, limá-lo pacientemente, escrever não tem outro fim. (...)
Gilles Deleuze - Diálogos (com Claira Parnet)
POESIA DO DIA
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa
sábado, 22 de outubro de 2011
O QUE É ESCREVER?
Escrever não é um ato individual. O autor- para escrever- é atravessado por gentes, pessoas, signos, forças, potências, fluxos de toda ordem que vêm de mil lugares. Nem sempre identificáveis, quase sempre invisíveis, eles vieram parar em mim, estão em mim. De onde? Quem? Escrever não é função de um eu-consciência. Ao contrário, escrever é enlouquecer para não ficar doente. O livro que vai para o mundo no dia 25 não me pertence.Foram muitos os encontros-devires que gestaram um corpo de vibrações indizíveis. Formou-se, assim, um estilo de ser não sendo, cada vez mais na beira de um precipício. Este precipício seria o silêncio cúmplice de um estado de coisas. Escapei disso, e ao escapar agarrei a massa informe de um infinito que docemente me constituiu...
Antonio
DEVIR-PENSAMENTO
Consideremos a psicopatologia com os seus sintomas+sinais =diagnóstico, ao jeito da psiquiatria. Mesmo tal enunciado corresponde a uma multiplicidade. O paciente é composto por linhas singulares misturadas às linhas diagnósticas. A vivência de cada uma delas corresponde aos devires em curso ou a serem desencadeados. A multiplicidade-paciente compõe-se com outras, inclusive a multiplicidade-médico-que-o-atende ou o psicoterapeuta, etc. Ligá-la a outras multiplicidades implica em considerar o Encontro no próprio seio dessa realidade. Sem o encontro não há multiplicidade, ou o inverso. Os devires são relações singulares com as pessoas, os objetos, o mundo. A rigor, eles não são mas tornam-se, esta a própria definição do verbo. No caso do devir-pensamento, muda a concepção de cérebro, muda a prática clínica (...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser lançado no dia 25/10/2011, em Vitória da Conquista.
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