domingo, 23 de outubro de 2011



DELIRAR  


                                        Antonio  Moura



                               Ao  desconfiar que  alguém delira, não julgue. Pense  primeiro “ o que estará  sentindo  o suposto  delirante?”. Quem delira pode  não estar delirando, ou seja, pode estar  apenas pensando em voz  alta.  Afinal, como seres  do  pensamento, deliramos.  Uma barreira colocada  entre nós e o dito mundo  real impede  que  o delírio se torne um  problema.  Sim, torna-se  um problema  quando a ordem “natural” das coisas é  rompida a nível da conduta.   Para  o bom senso isso é  insuportável, ou  quase  insuportável. Parece claro. Há  uma ordem racional  do  mundo  que  instituiu e institui valores, normas  e códigos. Isso  em toda  parte.  Uma necessidade  de ordem e bom comportamento  parece  fazer  as  coisas andarem. O binômio  ordem/desordem  vem daí, alimenta-se  de possíveis  desvios que  o confirmam. A todo custo, a ordem  tem que ser  mantida, começando pela família. Nesse  estado de coisas   o delírio  é   uma linha de vida  não classificável. Não é a  de  um criminoso, nem a  de uma criança ou de qualquer  segmento social  diferente  dos  normais. Eles não  deliram.  Então o delírio  chega  trazendo a marca   do  incompreensível e do insólito. Qual a sua  natureza? 


Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

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