domingo, 17 de setembro de 2017

CONTRA O  FASCISMO

Sou filho de uma guerra civil, a da Espanha, com mais de 1 milhão de mortos – a maioria fuzilados -, e de uma ditadura militar de 40 anos, marcada por mortes e intolerância com as diferenças. Talvez por isso, ao escutar de novo, em um vídeo, a palavra “fuzilar” na boca de Jair Bolsonaro, candidato a presidir o Brasil, senti arrepios. De acordo com suas palavras, “é preciso fuzilar” os responsáveis pela exposição de arte Queermuseu do Santander Cultural, em Porto Alegre. No vídeo, Bolsonaro repete três vezes com ênfase: “É preciso fuzilar”. E Freud nos ensina como a linguagem nos trai.

Quando a Guerra Civil Espanhola eclodiu, eu era menino. Vivíamos em um povoado da Galícia onde as janelas de casa davam para a rua. Ali se podia ver, à beira da estrada, os fuzilamentos dos dois lados e sentir o estopim dos fuzis. Minha mãe fechava as janelas para que eu não visse aquelas mortes violentas. Naqueles anos, nossa preocupação era que meu pai, o professor da cidade, pudesse ser a qualquer momento arrastado para a estrada e fuzilado. Muitas noites camponeses pobres o escondiam em suas casas.

Hoje, o deputado Bolsonaro tira da gaveta o maldito verbo “fuzilar” contra os responsáveis por uma exposição de arte, não contra inimigos em uma guerra. Talvez porque meus sonhos ainda sejam às vezes perturbados pelo estouro dos fuzilamentos da minha infância, confesso que escutar de um responsável pela vida pública que aqueles que trabalham com arte e cultura devem ser fuzilados me perturba duplamente neste Brasil, país que escolhi para acabar meus dias e onde nem os mais idosos se lembram da última vez que houve uma guerra.

Esse chamamento a fuzilar os responsáveis por uma exposição de arte, por mais polêmico que seja, me traz outra lembrança, desta vez já como adulto. Acabada a ditadura e morto o caudilho Franco, a imprensa livre divulgou como o ditador decidia os fuzilamentos do dia seguinte. Era algo que ele fazia enquanto tomava seu cafezinho depois de almoçar. Levavam a ele a lista dos condenados à morte pelo regime e ele decidia de que maneira e a que hora deveriam morrer. E cada decisão era decorada com um toque artístico. O general desenhava uma flor ao lado de cada nome condenado à morte.

Tantos anos depois escuto que deveriam ser fuziladas as pessoas relacionadas com a arte e a cultura, e vejo que a pessoa que manifesta esse impulso de violência, candidato à Presidência do Brasil, já contaria com milhões de votos. Pergunto-me, dolorido e espantado, triste e perplexo: “O que está acontecendo com o meu Brasil? Até onde quer chegar a loucura que se incrustou em suas veias?”.

Não deveria ser esta a hora em que os artistas, os poetas, os intelectuais, os trabalhadores – todos aqueles que não acreditam na força das armas mas sim na do diálogo, do encontro, da soma dos esforços pela paz – deveriam se unir para mudar o verbo fuzilar de Bolsonaro para amar e aceitar o outro? Sim, a todos, inclusive aqueles que não pensam como nós.

Como escreveu no Facebook a minha mulher, a poeta Roseana Murray: “Quando a arte e o pensamento se transformam em bode expiatório é urgente se desarmar. E amar”.

Se algo deve ser “fuzilado”, neste momento, é a intolerância. E se algo deve ser salvo e com urgência, é a liberdade de viver, de pensar, de criar e de amar como cada um quiser. Todo o resto tem cheiro de morte.


Juan Arias, El País, 16/09/2017, 21:18 hs

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