sábado, 31 de março de 2018

Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.

Tennessee Williams
A MULHER, POR ÚLTIMO

Ao longo dos últimos anos, o mundo vem presenciando um grito potente de mulheres que, em diversos países, clamam por igualdade de gênero. Em diferentes esferas, dos estádios de futebol ao ambiente corporativo, há uma luta pela reivindicação feminina dos espaços e para a garantia dos direitos já conquistados. A primavera feminista é vivida no Brasil desde 2015 e este parece ser um movimento sem volta.
Mesmo assim, a caminhada ainda parece longa quando se trata do universo da política. Neste âmbito, o Brasil está na lanterna (161ª posição) de um ranking de 186 países sobre a representatividade feminina no poder executivo, atrás de todos os outros países do continente americano. Em primeiro lugar no levantamento, que analisou a evolução histórica da participação feminina no poder Executivo de 1940 até hoje, está a Nova Zelândia, seguida do Chile - cuja presidenta Michele Bachellet está pela segunda vez no poder - e Reino Unido, que, assim como a Nova Zelândia, tem a rainha Elizabeth II no reinado desde 1952.
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Marina Rossi, El País, São Paulo, 30/03/2018,21:07 hs
SAPO  

O que procuras, homem de Deus?
Procuro o beijo de uma princesa perversa
que me devolva ao brejo.
Cansei de ser príncipe.



Eudoro Augusto

TZVIATKO KINCHEV


O TEATRO DA ONU

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, pediu uma investigação independente e transparente sobre as mortes e feridos em Gaza na sexta-feira (30), disse seu porta-voz em um comunicado.

"Ele também apela aos interessados ​​a se absterem de qualquer ato que possa levar a mais baixas e, em particular, a quaisquer medidas que possam colocar civis em perigo", disse Farhan Haq, porta-voz da ONU.

O confronto de sexta-feira (30) ocorreu no primeiro dia de seis semanas de protestos da chamada "Marcha do Retorno", manifestação contrária à ocupação israelense. Organizada oficialmente pela sociedade civil, a manifestação é apoiada pelo Hamas, o movimento islâmico palestino que governa a Faixa de Gaza.

Segundo a Associated Press, esse foi o dia mais sangrento em Gaza desde a guerra travada na fronteira em 2014. Pelo menos 16 palestinos morreram e cerca de 2 mil ficaram feridos no protesto.
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Por G1, 31/03/2018, atualizado há 2 horas

PAT METHENY - And I Love Her

A REAÇÃO

Um dia depois da Operação Skala, que prendeu dois amigos muito próximos do presidente Michel Temer sob suspeita de corrupção, o Planalto reagiu nesta sexta-feira através de uma nota com um ataque extremamente duro à Justiça. A Presidência da República recuperou o tom de forte confronto que empregou há meses contra o ex-procurador geral Rodrigo Janot, quando este apresentou duas denúncias contra Temer. Segundo a nota do Planalto, a operação deflagrada pela Polícia Federal, sob comando da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, usa "métodos totalitários". Na visão da Presidência, há "forças obscuras" que tentam impedir Temer se candidatar à reeleição em outubro.
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Xosé Hermida, El País, São Paulo, 30/03/2018, 22:36 hs

sexta-feira, 30 de março de 2018

TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE

direção de Alan J. Pakula, 1976

PASSAGEM

O êxtase do ar e a palavra do vento 
Povoaram de ti o meu pensamento. 


Sophia de Mello Breyner Andresen
Como posso? Não, o verdadeiro problema é este: como é que não posso; ou antes, pois sei perfeitamente por que é que não posso, o que eu sentiria se pudesse, se fosse livre, se não estivesse escravizado pelo meu condicionamento?
(...)

Aldous Huxley
DESCRUCIFICAR  JESUS

A imagem de Jesus crucificado só começou a ser venerada séculos depois da morte dele, e foi o Concílio de Niceia, no ano 325, que autorizou oficialmente a imagem do crucifixo tal como o usamos hoje. Os seguidores dos primeiros séculos do cristianismo se envergonhavam de uma imagem que lhes recordava a morte atroz que os romanos infligiam aos grandes criminosos.

Desde que Paulo de Tarso declarou que “se Cristo não ressuscitou [...]é vã a nossa fé” (I Coríntios, 15), interessava aos cristãos o Jesus ressuscitado, não o sacrificado em uma madeira, como um assassino qualquer. Daí que nos primeiros séculos do cristianismo não existissem pinturas nem esculturas de Jesus crucificado, só um Cristo glorioso.

Nas catacumbas romanas, tanto nas de Santa Priscila como nas de São Calixto, onde se escondiam os cristãos para fugir da perseguição romana, não existem pinturas de Jesus na cruz. O líder dos cristãos aparece ou na imagem do Bom Pastor, ou celebrando a Última Ceia com os apóstolos, ou ainda criança nos braços da sua mãe. Nunca morto.

Lembro que no Instituto Bíblico de Roma nosso professor de idioma ugarítico, o jesuíta Follet, explicava-nos essa ausência da imagem de Jesus crucificado entre os primeiros cristãos: “Se o seu pai tivesse sido condenado à cadeira elétrica ou à guilhotina, certamente, por mais inocente que tivesse sido, vocês não levariam no pescoço uma efígie desses instrumentos de morte”, nos dizia ele. E acrescentava: “Ninguém conserva fotos dos seus familiares ou amigos quando mortos, e sim vivos e felizes”. Isso é o que ocorria com os cristãos: preferiam recordar Jesus em vida ou glorificado depois da sua morte.
(...)

Juan Arias, El País,30/03/2018, 12:28 hs

PACO DE LUCIA & AL DI MEOLA

Brisa

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.

Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.


Manuel Bandeira
AFASIA ESPERTA

SÃO PAULO — Preso na Operação Skala, o coronel reformado da PM João Batista Lima Filho, amigo do presidente Michel Temer, não vai prestar depoimento à Polícia Federal nesta sexta-feira. A defesa de Lima disse que ele alegou não ter condições "físicas e psicológicas" para dar esclarecimentos à polícia. Os advogados se comprometeram a marcar uma nova data para o interrogatório policial. Lima deve continuar preso até terça-feira.
— Em decorrência do quadro de saúde e da própria circunstância de estar hoje aqui acautelado, ele não revelou condições psicológicas e físicas de prestar seu depoimento. Portanto, preferiu reservar-se o direito de ficar em silêncio. Nega, veementemente, todas as imputações que lhe são feitas, e assumiu o compromisso de prestar depoimento em data futura a ser agendada com a PF — afirmou o advogado Cristiano Benzota.
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Aguirre Talento e Luis Lima, Globo.com, 30/03/2018, 17:44 hs


MICHAEL FLOHR


ISSO NÃO PARA

Um confronto na Faixa de Gaza deixou 14 palestinos mortos e cerca de 1.100 feridos nesta sexta-feira (30), dizem médicos palestinos. Segundo o Exército israelense, o confronto começou quando palestinos se aproximaram da fronteira de Israel. O Ministério de Saúde de Gaza, por sua vez, diz que soldados israelenses atiraram em dois agricultores palestinos da região que transitaram em suas terras antes das manifestações começarem.
O confronto ocorreu no primeiro dia de protestos da chamada "Marcha do Retorno", manifestação contrária à ocupação israelense. Organizada oficialmente pela sociedade civil, a manifestação é apoiada pelo Hamas, o movimento islâmico palestino que governa a Faixa de Gaza.
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Por G1, 30/03/2018, atualizado há 2 minutos

ludíbrio

vou enterrar cada parte
junto ao rasto impreciso
dos mínimos sinais

e sobre cada indício
construir um cemitério
de notícias

qualquer dia apareça
de surpresa
como um soluço. 


Bruna Beber

JOÃO DONATO - Amazonas

A JABUTICABA MECÂNICA

(...)
Do ponto de vista de um mecanismo que se desloca solidariamente, o sistema segue o mesmo. No entanto, a sociedade não é a mesma depois da Lava-Jato: cresceu a consciência de que a lei deve valer para todos.

Ainda preciso de um pouco de tempo para refletir sobre as consequências do que me parece um novo momento. Uma delas é uma possível radicalização, com frutos para os extremos.

Isso prenuncia eleições tensas, soluções simples. O Brasil teve 60 mil assassinatos em um ano. É um tema que deveria nos unir ou, pelo menos, nos aproximar. Infelizmente, não temos sabido achar um caminho de acordo sobre como reduzir essas mortes ou mesmo como puni-las adequadamente.

Tudo isso pensado numa semana chuvosa, trabalhando num caso tão triste para um programa seminal, talvez tenha dado a impressão de tristeza. Mas ficar apenas triste é render-se ao imenso mecanismo que, na minha opinião, atrasa o Brasil.

Sobreviver para combater a engrenagem é uma forma de viver, embora não a única. O abismo que separa o sistema da sociedade, e de algumas instituições que a respeitam, será rompido um dia, mesmo que não se saiba precisamente como nem quando vai se romper.

É uma necessidade histórica que acaba abrindo seu caminho. De qualquer forma, os anos difíceis que pareciam longos parecem ganhar agora um novo fôlego.


Fernando Gabeira, 24/03/2018
ESCALADA SANGRENTA


A contagem de mortos no Estado do Rio de Janeiro se acelerou nos últimos quinze dias, após a execução política da vereadora Marielle Franco (PSOL) e em meio a uma intervenção federal ainda sem rumo certo aparente. Só nesse período foram duas chacinas, uma na favela da Rocinha e outra em Maricá, vários policiais militares mortos, um confronto aberto entre milicianos e traficantes, uma tentativa de assalto em um shopping da Zona Sul que resultou em pânico e tiros, uma criança e outras três pessoas mortas no Complexo do Alemão... A lista não para de crescer, apesar da promessa do presidente Michel Temer (MDB) ao assinar o decreto, no dia 16 de fevereiro: "O Governo dará respostas duras, firmes e adotará todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas. Não podemos aceitar passivamente a morte de inocentes. É intolerável que estejamos enterrando pais e mães de família".
(...)

Felipe Betim, El País, São Paulo, 30/03/2018, 15:53 hs

TARKOVSKY QUARTET - Le temps scellé: Mychhkine

AGORA QUE SINTO AMOR…

Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.


Fernando Pessoa
O QUE É TRAIR A PSIQUIATRIA?

"Trair" é um termo conotado a algo ruim. No entanto, é possível usá-lo no campo institucional, mais precisamente em relação a psiquiatria.Neste caso "trair" significa criar desde o interior do funcionamento psiquiátrico, práticas (incluindo práticas teóricas) que utilizem conceitos fora da psiquiatria (a arte, a filosofia, a sociologia, a literatura, etc) e com ela estabeleçam nexos clínicos. Pois tudo passa pela clínica. Vejamos o exemplo da nosologia psiquiátrica. Frente a  aberração epistemológica que é a CID 10, capítulo F, a prática de trair usa os tais diagnósticos como funções terapêuticas e não como essências imutáveis. É que estas atolam o paciente numa entidade clínica imaginária, sabotando o desejo no que lhe resta de processo existencial singular. Muito se criticou e se critica a psiquiatria, ao ponto de demonizá-la. Isso é relativamente fácil de fazer, já que a critica vem de fora, ou seja, onde está ausente o contato direto com o paciente, o cotidiano dos problemas psicossociais, o real cruel. Ausentes, enfim, os signos da clínica. No centro dessa ausência instituída, naturalizada, os aparelhos acadêmicos são um exemplo lapidar. Executam seu mister com competência. Geram projetos de pesquisa, artigos, dissertações e teses tão brilhantes quanto inócuas em relação a mudanças efetivas no campo da saúde mental.  Tais agentes da verdade não são, óbvio, traidores, mas trapaceiros do conhecimento, pois o usam como instrumento de poder, prestígio e ascenção na pirâmide universitária. O argumento infalível é, em geral, o do humanismo a priori da medicina e da academia. O Bem como transcendência.  Ora, "trair" no caso psiquiátrico, nada tem a ver com a academia.  Trata-se apenas de usar fragmentos do saber médico a favor de práticas clínicas onde a ética da produtividade existencial, a estética das criações de si mesmo e a política do enfrentamento com os poderes visíveis e invisíveis, se aliem e se potencializem. Isso é azeitar uma máquina coletiva de pensar a realidade social e não de pensar sobre a realidade social. Mas, se  poucos suportam ?

A.M.

EGON SCHIELE



UM MUNDO QUE NOS EXCLUI

Que esconde a mentira dos signos amorosos? Todos os sig­nos mentirosos emitidos por uma mulher amada convergem para um mesmo mundo secreto: o mundo de Gomorra, que também não depende desta ou daquela mulher (embora deter­minada mulher possa encarná-lo melhor do que outra), mas é a possibilidade feminina por excelência, como um a priori que o ciúme descobre. O mundo expresso pela mulher amada é sem­pre um mundo que nos exclui, mesmo quando ela nos dá mos­tras de preferência. Mas, de todos os mundos, qual o mais exclusivo? "Era uma terra incógnita terrível a que eu acabava de aterrar, uma fase nova de sofrimentos insuspeitados que se abria. E, no entanto, esse dilúvio da realidade que nos submer­ge, se é enorme a par de nossas tímidas e ínfimas suposições, era por elas pressentido (...) o rival não era semelhante a mim, suas armas eram diferentes, eu não podia lutar no mesmo terreno, proporcionar a Albertina os mesmos prazeres, nem mesmo con­cebê-los de modo exato." Nós interpretamos todos os signos da mulher amada, mas no final dessa dolorosa decifração nos de­paramos com o signo de Gomorra como a expressão mais pro­funda de uma realidade feminina original.
(...)
G. Deleuze in Proust e os signos

aconteceu há um ano
acontece todos os dias
aconteceu ontem
está acontecendo agora
a criação do mundo

mesmo que se diga
e porque se diz
isso é antigo

A.M.


DEPUTADOS


Ninguém avança pela vida em linha reta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos vôo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutavelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar.
(...)

Henry Miller

quinta-feira, 29 de março de 2018

O MECANISMO

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que não vai ficar quieto diante do conteúdo da polêmica série da Netflix O Mecanismo, que recria na ficção alguns dos episódios da Operação Lava Jato. No ato com que encerrou a sua acidentada caravana pelo sul do Brasil, na emblemática cidade de Curitiba, na quarta-feira passada, Lula, além de condenar de novo o ataque a tiros contra dois ônibus que o acompanhavam, anunciou que vai processar os criadores da série. "Nós vamos processar a Netflix, nós não temos que aceitar isso. Eu não vou aceitar", disse o líder petista.
O Mecanismo, idealizada pelo diretor de cinema brasileiro José Padilha, se apresenta como uma obra de ficção, mas embasada nos fatos que deram origem à maior operação contra a corrupção no Brasil. O conteúdo da série causou uma forte polêmica e foi muito contestado em setores da esquerda e próximos ao PT que acham que o roteiro distorce a realidade. Antes de Lula, a ex-presidenta Dilma Rousseff já havia reclamado publicamente da obra e classificou-a de "fake news". Padilha retrucou as críticas com outro ataque: "O Mecanismo é uma obra-comentário, na abertura de cada capítulo está escrito que os fatos estão dramatizados. Se a Dilma soubesse ler, não estaríamos com este problema".
(...)

El País, São Paulo,29/03/2018, 12:50 hs

ORQUÍDEAS ETERNAS


O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige, nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.


Carlos Drummond de Andrade
HÁ MIL TIPOS DE  POLÍTICA

Em momentos como o atual, marcados pela alta tensão, é importante dizer meia dúzia de palavras em defesa da política. O que é a política? Em última análise, é uma alternativa à ditadura ou à guerra civil. É uma invenção das sociedades civilizadas para resolver os seus conflitos sem recorrer ao porrete, ao ovo, à pedra, ao tiro. Essa política, concebida como alternativa à violência, precisa ser amada.

A política tem suas facções. Elas são chamadas de partidos. Alimentam-se do conflito. Mas há duas regras de ouro no jogo da política. Eis a primeira: nenhuma facção tem o poder de silenciar as outras. A segunda regra é: pessoas que não se respeitam precisam se enfrentar com respeito. Isso é compulsório. A arma é a ideia, a palavra. Os conflitos se resolvem no voto, não na porrada. Ou na bala.

Hoje, a política brasileira é marcada pela corrupção e pelo ódio. Contra a ladroagem e a violência, os remédios são a investigação radical e a punição exemplar. Às vezes bate um desânimo. Mas é preciso lembrar que as alternativas à política são a ditadura e a guerra civil. Numa, os conflitos são resolvidos na câmara de tortura. Noutra, as diferenças são solucionadas na bala. Melhor amar a política, mesmo nos momentos em que esse amor não é correspondido.


Do Blog do Josias de Souza, 29/03/2018, 00:05 hs

quarta-feira, 28 de março de 2018

CAETANO VELOSO - Caminhos Cruzados

MEDO DAS MULHERES

O recém-estreado filme Maria Madalena, de Garth Davis, mesmo prescindindo do seu valor cinematográfico, serviu para recordar que a Igreja Católica continua mantendo o segredo sobre a figura da mulher mais citada nos evangelhos, mais inclusive que a mãe de Jesus. Foram necessários 1.400 anos para que Roma acabasse aceitando que Maria Madalena não foi nem prostituta nem endemoniada. E se tivesse sido a mulher de Jesus? E se não tivesse sido nem sequer judia, e sim seguidora da filosofia gnóstica? E se tivesse sido a fundadora do primeiro cristianismo? O medo da Igreja de ressuscitar a identidade e importância de Madalena em sua fundação é compreensível, já que isso significaria revisar a história desde a suas origens, assim como a teologia da sexualidade e o papel da mulher na hierarquia do catolicismo, onde continua relegada a um segundo plano. Teria algum sentido o celibato obrigatório se até Jesus era casado?
É compreensível o susto que a Igreja levou quando, em 1945, foram descobertos em Nag Hammadi, no Egito, um punhado de manuscritos de evangelhos gnósticos do século IV que tinham desaparecido porque a Igreja os destruíra ao considerá-los apócrifos. Neles fica clara, por exemplo, a estreita relação sentimental e espiritual entre Jesus e Madalena. Tão íntima que incomodava os apóstolos homens. Pedro chega a se zangar e pergunta ao mestre por que lhes oculta “segredos que só a ela revela”. E sentencia: “Que Maria saia de entre nós, porque as mulheres não são dignas da vida”.
(...)

Juan Arias, El País, 26/03/2018, 19:46 hs
INTERIOR

Poeta dos trópicos, tua sala de jantar
é simples e modesta como um tranquilo pomar;
no aquário transparente, cheio de água limosa, 
nadam peixes vermelhos, dourados e côr de rosa;

entra pelas verdes venezianas uma poeira luminosa, 
uma poeira de sol, tremula e silenciosa,

uma poeira de luz que aumenta a solidão.
Abre a tua janela de par em par. Lá fora, sob o céu do verão,

todas as árvores estão cantando! Cada folha
é um pássaro, cada folha é uma cigarra, cada folha
é um som...

O ar das chácaras cheira a capim melado,
e ervas pisadas, à baunilha, a mato quente e abafado.

Poeta dos trópicos,
dá-me no teu copo de vidro colorido um gole d'água. 
(Como é linda a paisagem no cristal de um copo d'água!)


Ronald de Carvalho

THOMAS VAN STEIN


LULA  OU  JAIR? 

É preciso reconhecer que o Brasil apaixonou-se pelo desastre. Se os últimos acontecimentos indicam alguma coisa é que essa paixão nacional pelo insolúvel é plenamente correspondida. O último privilégio da nação é poder formular sua própria receita para o caos. Do jeito que vão as coisas e as pessoas, a expectativa é fúnebre. Organiza-se o funeral da sensatez. Depois, todos se culparão mutuamente pela sua morte. Mas o estrago estará feito.
A convulsão que toma as redes sociais, nos choques de ódio, transborda para a praça. Condenado a 12 anos de cana, Lula está no palanque, não na cadeia. Inelegível, fantasia-se de candidato. Suas manifestações são cada vez mais desconexas. No Sul, entrega-se à rotina de percorrer plateias companheiras. Mas elas são cada vez menores. E passaram a ser perseguidas por milicianos travestidos de opositores. Jogaram pedras. Arremessaram ovos. Dispararam três tiros contra um par de ônibus da caravana —um levava jornalistas. Outro, convidados.
A presidente do PT, Gleisi ‘vai ter que matar gente’ Hoffmann, ergueu a voz: “É um atentado, foi uma emboscada, é tiro. Querem matar o presidente Lula.” Ao lado de Gleisi, o próprio Lula. Atrás, o companheiro Stédile, personagem que o pajé do PT evoca sempre que deseja informar que sua infantaria inclui o “exército” do MST.
O  pedaço do movimento anti-Lula que não se esconde no mato para puxar o gatilho exibe em manifestações barulhentas uma simpatia irrefreável por Jair Bolsonaro. Alguns desses rivais levam à vitrine um paradoxo: caminham para as urnas enrolados numa bandeira metafórica da volta dos militares. É a turma da “direita já”.
A esse ponto chegou a polarização nacional: Lula e Bolsonaro tornaram-se cabos eleitorais um do outro. E o eleitor brasileiro aproxima-se do dia da eleição enxergando um enorme passado pela frente. A preferência de metade do eleitorado oscila entre um condenado por corrupção e um defensor da “bancada da metralhadora” no Congresso.
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 28/03/2018, 04:06 hs
Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente, e um retalho roxo de seda alucinante, e mãos de prata ainda (se puderes). E se puderes mais, manda violetas (margaridas talvez, caso quiseres). Manda-me osíris no próximo crescente e um olho escancarado de loucura (em pentagrama, asas transparentes). Manda-me tudo pelo vento: envolto em nuvens, selado com estrelas, tingido de arco-iris, molhado de infinito (lacrado de oriente, se encontrares).


Caio Fernando Abreu

O DEMOCRATA E SUA FÉ


terça-feira, 27 de março de 2018

O UNIVERSO DA DIFERENÇA

                                                    
Nada é estável. Mesmo a natureza, com seu cortejo teológico anexado à crença  humana na  “maternidade”, é fluida e mutante. Mãe-natureza, você nos  socorre? Nada. Não há garantias,  salvação ou igualdade de direitos. Quem estabeleceu os direitos? A natureza é em essência  cruel e indeterminada, ainda que bela. Esqueça a moral. O argumento da prática é o empírico  invisível e fugidio. Defensores do Estado (ou do Mercado) se pegam  em discursos intermináveis. Eles querem mais é controlar a natureza.Ao contrário, o universo da diferença não tem controle, não tem  cronos. O caos se avizinha num tom musical. Aproveite. A questão  é a da alegria, força maior. Encontrar quem o socius codificou como o excluído, mesmo  que, pela via  da Ciência,  seja  o incluído. As palavras  iludem e fazem  de um problema, a  solução. Inverta:  faça  da  solução um problema. Nada a compreender,  mas a  aceitar. Quem  delira  espaços, culturas, continentes, povos, políticas e a abertura do cosmos? Quem  habita zonas produtivas  do inconsciente? Como chegar às angústias do seu mundo? A psiquiatria “confessa” o  fracasso. A psicanálise, arrogante, brocha. Estamos, pois, a buscar espíritos sensíveis que encontrem o diferente sem o bom senso do cristianismo. Traçar linhas  da existência onde a razão vacila. Investir um risco infinito: afinal, quem é você? Não uma identidade, estou  certo. A hora  do  sonho cedeu  lugar à  exigência de uma tarefa clara. Foi à cidade? Pagou as contas?  O coração da gente  é o  de  uma  rua  da  cosmópolis.  Nada  é fixo. Hoje, o alimento dos  deuses do capital envenenou raízes edipianas.  Resistir, resistir na medida em que nascer o inumano em nós. Estar em carne, mesmo em espírito.Viver de paradoxos. Pertencer ao universo que vaza  representações e canções à margem. Desejar linhas minoritárias do corpo.A psicologia não  quer. Ela odeia  a diferença. Não combina. Tem ares  de ciência rasa. Tampouco a psiquiatria e a sociedade. Elas se alimentam de medianos. Oh os medianos! Há boas  intenções, sabemos. Afinal, o humanismo marcou nossos gens.  Mas um grande riso sem motivo tornou-se  o motivo  do riso. A hora do acontecimento se aproxima. 


A.M.


P.s. - texto modificado, revisado e republicado.

FERNANDA TAKAI - Descansa Coração

Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado
e sujo.
Tentou sair da angústia
Isto ser:
Ele queria jogar o casaco rasgado e sujo no
lixo.
Ele queria amanhecer.


Manoel de Barros

PAÍS DO FUTURO


ELE NÃO É UM AGENTE DA CIA  (¨)

Em entrevista ao Roda Viva, Sergio Moro explicou didaticamente como o Supremo Tribunal Federal pode “dar um passo atrás” no combate à corrupção ao julgar o pedido de Lula para não ser preso. Sem ofender a Suprema Corte, o juiz da Lava Jato declarou que uma eventual mudança na regra sobre a prisão de condenados na segunda instância levará à “impunidade dos poderosos”. Abstendo-se de comentar o julgamento do habeas corpus de Lula, marcado para 4 de maio, Moro disse: “Se alguém cometeu um crime, a regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num sistema judiciário de faz de conta.”

Logo na primeira pergunta, Moro teve a oportunidade de discorrer sobre o conceito de presunção de inocência. Realçou que “em países como França e Estados Unidos, que são berços históricos da presunção de inocência, a prisão se opera a partir de um primeiro julgamento. E a eventual interposição de recursos contra esse julgamento não impede que, desde logo, a prisão seja operada.”

No Brasil, vigora desde fevereiro de 2016 uma jurisprudência do Supremo segundo a qual a prisão pode ser efetuada a partir de uma condenação de segundo grau. É o caso de Lula, cuja sentença de 12 anos e 1 mês de cadeia foi confirmada nesta segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.

Lula pede que o Supremo reconheça o seu direito constitucional de recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília —até o chamado trânsito em julgado, quando se esgotam todas as possibilidades de recurso. Obteve na semana passada um salvo-conduto da Suprema Corte, que proibiu sua prisão até o julgamento do mérito do pedido, que ocorrerá na quarta-feira (4) da semana que vem.

“Seria ótimo esperar o julgamento final”, disse Moro, falando em termos genéricos. O problema, acrescentou o juiz, é que “o sistema processual brasileiro é extremamente generoso em relação a recursos.” O que acaba “representando um desastre para a efetividade do processo penal.” Na expressão de Moro, a profusão de recursos cria “processos sem fim, que levam uma década ou até mais de uma década'' para ser julgados.

Há mais: “A nossa lei prevê que, durante o processamento desses recursos, continua a correr aquilo que a gente chama de prescrição, que é um tempo que a lei fornece para que o recurso seja julgado.” Professor universitário, Moro caprichou no didatismo: “Se não for julgado naquele tempo, o caso prescreve. O tribunal não vai decidir sobre a culpa ou a ausência de culpa. Vai simplesmente dizer que não pode mais punir pelo decurso de prazo.”

Há pior: “Isso, na prática, é a impunidade”, afirmou Moro, antes de esclarecer quem se beneficia das brechas abertas pelo sistema judiciário: “De uma maneira bastante simples: essa generosidade de recursos consegue ser muito bem explorada por criminosos poderosos política e economicamente. São eles que têm condições de contratar os melhores advogados.”

O juiz prosseguiu: “O efeito prático é que nós temos, muitas vezes, a impunidade dos poderosos, o que é contrário aos compromissos maiores que a gente tem na nossa Constituição de ganrantir liberdade e também igualdade.” Foi nesse ponto que Moro injetou em sua prosa o comentário que se encaixa à perfeição no caso de Lula: “Se alguém cometeu um crime, a regra é que a pessoa tem que ser punida. Não pode ser colocada num sistema judiciário de faz de conta.”

Confrontado com uma pergunta específica sobre o pedido de habeas corpus de Lula, Moro abriu um parêntese: “Não me cabe fazer uma avaliação específica sobre esse habeas corpus. Está sob o Supremo Tribunal Federal. Espero que tome a melhor decisão.” Em seguida, a pretexto de falar genericamente sobre o “princípio” da prisão em segunda instância, Moro disse qual seria, a seu juízo, a melhor de“Foi estabelecido um precedente importante em 2016. Esse precedente foi da lavra do saudoso ministro Teori Zavascki [morto em acidente aéreo em 2017]. Já falei pubicamente que, se não fosse o ministro Teori Zavascki não haveria Operação Lava Jato. E, em 2016, ele foi autor desse precedente no Supremo, que disse: ‘olha, a partir de uma condenação em segunda instância pode, desde logo, executar a prisão’. É aquilo que eu disse anteriormente: se for esperar o último julgamento, na prática, pela prodigalidade de recursos do nosso sistema, isso é um desastre porque leva à impunidade, especialmente dos poderosos.”

A certa altura, Moro afirmou que o problema não se restringe a Lula. Contou que fez um levantamento na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalha. Ali, desde fevereiro de 2016, quando o Supremo autorizou a prisão em segunda instância, foram expedidos 114 mandados para executar a pena de condenados na segunda instância. O levantamento já havia sido publicado aqui no blog.

Apenas 12 dos 114 casos estão relacionados à Lava Jato, declarou Moro. “Tem lá peculatos milionários —de R$ 20 milhões, de R$ 12 milhões— dinheiro desviado da saúde, da educação. Mas não é só isso: tem traficante, tem até pedófilo, tem doleiros. Estou falando dentro de um universo pequeno, que é o universo do local onde trabalho. Vamos pensar na reprodução disso em todo o território nacional. Uma revisão desse precedente [sobre a prisão em segunda instância], que foi um marco no progresso do enfrentamento da corrupção, teria um efeito prático muito ruim.”

Além do habeas corpus de Lula, há no Supremo duas ações diretas de constitucionalidade que tratam da regra sobre prisão. Nas palavras de Moro, uma eventual revisão da jurisprudência, que foi confirmada em três oportunidades pela maioria dos ministros do Supremo, “passaria uma mensagem errada.” Sinalizaria que “não cabe mais avançar”. Representaria “um passo atrás.”

E se o Supremo recuar? Bem, neste caso, Moro avalia que não restará senão aproveitar a temporada eleitoral para “cobrar dos candidatos a presidente” uma posição sobre o combate à corrupção. Otimista a mais não poder, Moro mencionou uma proposta que poderia ser exigida dos presidenciáveis: “Pode-se, eventualmente, restabelecer a execução [da prisão] a partir da segunda instância por uma emenda constitucional.”

Emendas constitucionais não nascem por combustão espontânea. Precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado. Ou o eleitor vira o Legislativo do avesso ou Sergio Moro talvez precise puxar uma cadeira. Em pé, vai cansar. Se os ministros do Supremo, que gerenciam a forca, tramam um recuo, imagine o que farão os congressistas quando a corda apertar de vez os seus pescoços.


Do Blog do Josias de Souza, 27/03/2018, 03:51 hs

(¨) Título do Blog "O cérebro MENTE"

segunda-feira, 26 de março de 2018

COMO ENFRENTAR O SANGUE DOS DIAS

Este não é apenas um momento de brutalidade extrema no Brasil. É também um momento de potências emergindo. E começos de alianças até então impensáveis. É preciso perceber onde estão as possibilidades – e fazer frente àqueles que, diante da democracia corrompida do país, avançam sobre os corpos humanos.
A expectativa dos atores mais truculentos é de que a porteira foi aberta e desde então está tudo dominado. Mas acreditar que está tudo dominado é deixar de perceber que a violência se multiplica também porque não está tudo dominado. A violência da bandidagem instituída e não instituída é também uma reação a profundos avanços no interior dos Brasis. É nestes avanços que uma rede de proteção e resistência que consiga superar divergências não fundamentais precisa ser organizada. Porque a matança não para. Desde o assassinato de Marielle Franco, o medo de quem está na linha de frente aumenta e trespassa o país.
Neste exato momento, há pelo menos duas lideranças da floresta amazônica escondidas para não se tornarem, como Marielle, um corpo destruído à bala. Seus nomes: Francisco Firmino Silva, 68 anos, mais conhecido como Chico Caititu, e Ageu Lobo Pereira, 36. Seu crime: realizarem o que o Estado é obrigado a fazer mas não faz, que é a demarcação e implantação do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal. E também a proteção do território de floresta.
(...)


Eliane Brum, El País, 26/03/2018, 15:44 hs

Tocaias do Mal 

Devasta sempre devagar,
Como quem está construindo,
Como a noite recolhe o último
Resto de réstia em dia findo, 

Sempre sem pressa se derrama,
Onda arrastando-se, de lama, 

Para as cisternas, os baixios
Daquelas almas sem socorro,
Onde o amor deixa seu vazio

Que hospedará, neste verão,
O Mal e sua legião. 


Alberto da Cunha Melo

PAULINHO DA VIOLA - Filosofia

domingo, 25 de março de 2018

A VEZ DO CEARÁ

O Ceará registrou uma nova sequência de ataques criminosos contra prédios públicos durante a madrugada deste domingo (25). Em um dos casos, bandidos incendiaram mais de 50 veículos apreendidos pela polícia, que estavam em um terreno no prédio da Secretaria da Infraestrutura (Seinfra) da cidade de Cascavel, no litoral do estado.
Os ataques atingiram ônibus e prédios públicos de Fortaleza e no interior do estado. Veja a sequência de ações criminosas ocorridas neste fim de semana:
Cinco ônibus foram completamente destruídos ao longo do sábado e na madrugada deste domingo na capital.
Homens atiraram contra o prédio da Sejus na madrugada sábado, no Bairro Aldeota. Três deles morreram em confronto com a polícia.
Criminosos queimaram mais de 50 carros e motos em um prédio da Seinfra de Cascavel.
Ainda nesta madrugada, criminosos usaram bombas caseiras para incendiar um dos blocos da Regional IV, no Bairro Serrinha.
Homens arremessaram uma bomba incendiária contra o prédio da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) de Sobral, na região Norte do estado.
O Juizado Especial Cível e Criminal, no Bairro Itaperi, também foi atacado a tiros na madrugada.
Duas antenas de telefonia foram danificadas por criminosos no Bairro Jardim Iracema e na Avenida Maestro Lisboa, no Bairro José Alencar.
(...)

Por Valdir Almeida, G1, Ce, 25/03/2018, atualizado há 5 min.
As morais são restritivas, mas são fundadas na experiência humana através dos séculos. Certas morais servem para encarcerar as pessoas nas fábricas, igrejas e submetê-las ao Estado. Outras fazem sentido. É como um pomar repleto de frutos envenenados e bons frutos. O negócio é saber qual apanhar para comer, qual evitar.
(...)

Charles Bukowski

PAVEL MITKOV


ELE PRECISA DE UM PSIQUIATRA - III

Seguindo a psiquiatria numa visão diacrônica, o paciente mental não está à espera do  médico para ser atendido. Ao contrário, a instituição psiquiátrica é quem produziu (desde o século XIX) e produz hoje um modelo de paciente que deve buscar atendimento. Este será mediado pela família (leia-se, a sociedade) que solicita controle, se possível, imediato. Assim, a psiquiatria biológica, inserida no Mercado dos serviços de saúde, apresenta a sua mercadoria para legitimar a si mesma, inclusive e principalmente como ciência e especialidade médica. Transtornos mentais tornam-se mercadorias.  As relações sociais (instituições) que precedem a prática clínica ficam encobertas pelo ideal humanitário da medicina. A"estranha" involuntariedade do paciente surge, então, como suposta resistência ao tratamento, ou mais profundamente, ao gesto de ajuda oferecido pelo médico junto à família. Ora, o essencial a reter desse enfoque do problema da involuntariedade é que o paciente não costuma ser escutado porque não "obedece" nem segue as linhas do modelo subjetivo estabelecido pela medicina curativa. O senso comum e o pensamento raso do psiquiatra biológico dizem "ele não colabora". Sob tais condições, o Encontro técnico-paciente será de antemão o desencontro.

A.M.
A DESTRUIÇÃO SECRETA

O Brasil costuma evocar a imagem de praia ou floresta, mas tem uma savana de dois milhões de quilômetros quadrados. O chamado Cerrado é como uma faixa que divide o maior país da América Latina pela metade: começa no Maranhão, ao norte, e vai descendo em diagonal ao longo de oito Estados até a fronteira com o Paraguai, no Mato Grosso. Separa o clima tropical e as florestas do Norte da Mata Atlântica e das cidades do Sudeste e do Sul. O que há no centro é savana pura. Quilômetros e quilômetros de sol, poeira e monotonia interrompida apenas por plantações gigantescas da agroindústria. Há tantas que se poderia pensar que se está nas planícies do Missouri. Faz tanto calor que parece Timbuctu. E, no entanto, neste mundo sépia e áspero está ocorrendo um dos maiores atentados à biodiversidade do planeta.

O Cerrado tem mais de 12.500 espécies de plantas, das quais mais de 7.300 só podem ser encontradas aqui. Abriga mil espécies de peixes e mais de 250 mamíferos: delas, 18 são autóctones. É a savana mais rica do mundo. E, então vêm as outras cifras, as preocupantes. Desde 1970, 47% desse bioma foi devastado. Somente em 2015, último ano com dados disponíveis, foram devastados 9.483 quilômetros quadrados. Para efeito de comparação, nesse mesmo ano a comunidade científica se indignou porque o desmatamento na Amazônia havia disparado, chegando a 6.207 quilômetros quadrados. O Cerrado é a verdadeira tragédia ambiental brasileira.
(...)

Tom C. Avendaño,El País, Balsas (Maranhão)/Forquilha (Piauí)/Sussuarana (Tocantins), 24/03/2018, 19:42 hs

sábado, 24 de março de 2018

KLAUS NOMI - Cold Song, 1982

esquina parábola

mamãe posso comer
essa pipoca

não pode minha filha
é macumba
macumba não pode comer

e o guaraná pode
ah mãe deixa.


Bruna Beber
Por que você permanece na prisão quando a porta está completamente aberta?


Rumi
Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas. 
Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP. 
Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta. 
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, "em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então, sugeri a cozinha. 
Nós sempre andamos de mãos dadas... 
Se eu soltar, ela vai às compras! 
Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. 
Então, ela disse: "nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar".
Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica. 
Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a "senhora certa".
Só não sabia que o primeiro nome dela era "sempre".
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. 
Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. 
Ela perguntou: "O que tem na TV?" 
E eu disse: "Poeira".

Luis Fernando Verissimo

VAN GOGH


ELE PRECISA DE UM PSIQUIATRA - II

Para pensar a questão da involuntariedade em psiquiatria, há dois níveis conceituais a considerar. Um, o da especialidade médica, imediatamente visível. O outro, o da instituição, encoberto pelo primeiro, mas não menos importante. Tal disjunção teórica advém da própria epistemologia psiquiátrica, a qual concebe o "transtorno mental" como seu objeto de pesquisa. Ora, se há transtorno da mente, pressupõe-se o que quer dizer mente. É desagradável ter que dizer o óbvio, mas a mente não é o cérebro. A mente é um construto social, não sendo um objeto natural, e é por isso que a psiquiatria, antes de ser uma especialidade médica, é uma instituição. Isso confere o primado da pesquisa em psicopatologia à realidade social. Não se trata de ideologia, mas de uma posição metodológica dirigida ao real concreto das relações sociais. Como foi dito, o paciente não se sente um doente da psiquiatria, já que ele está antes doente da sociedade da e na qual a psiquiatria surgiu. Na clínica, ao psiquiatra é atribuída a função social de controle dos transtornos. Diferentemente das demais especialidades médicas, a psiquiatria engendrou-se historicamente como percepção moral das condutas inadequadas. Ela primeiro julga e depois trata. Assim, o juízo psiquiátrico, que não é só psiquiátrico, pois é compartilhado por todos os que trabalham em saúde mental, promove o rechaço do paciente a quem dele se aproxima. 

A.M.

O CÉU QUE NOS PROTEGE - direção de Bernardo Bertolucci, 1990




Um Cartão de Visita



Moro tão longe, que as serpentes

morrem no meio do caminho.

Moro bem longe: quem me alcança

para sempre me alcançará.



Não há estradas coletivas

com seus vetores, suas setas

indicando o lugar perdido

onde meu sonho se instalou.



Há tão somente o mesmo túnel

de brasas que antes percorri,

e que à medida que avançava

foi-se fechando atrás de mim.



É preciso ser companheiro

do Tempo e mergulhar na Terra,

e segurar a minha mão

e não ter medo de perder.



Nada será fácil: as escadas

não serão o fim da viagem:

mas darão o duro direito

de, subindo-as, permanecermos. 



Alberto da Cunha Lima

SALVAR A OLIGARQUIA POLÍTICA

O tratamento dispensado a Lula pelo Supremo Tribunal Federal é parte de um movimento que visa deter os efeitos da Lava Jato sobre a nata da oligarquia política. Beneficiário do adiamento do cumprimento da pena de prisão, o condenado do PT tornou-se um degrau na escalada para delimitar os efeitos da operação anticorrupção sobre o futuro penal de personagens como o denunciado Michel Temer e o investigado Aécio Neves.

Suprapartidária, a articulação envolve a revisão da jurisprudência que permitiu a prisão de condenados na segunda instância do Judiciário. Na Suprema Corte, magistrados com vínculos partidários se unem a ministros que se apegam às noções dogmáticas do conceito de presunção da inocência para reverter a regra sobre prisão, protelando o início da execução das sentenças pelo menos até o julgamento de recursos ajudados no Superior Tribunal de Justiça.

A permissão para que os condenados recorram em liberdade até a terceira instância do Judiciário, movimento de aparência banal, reintroduz no processo penal brasileiro dois vocábulos nefastos: prescrição e impunidade. Conforme já noticiado aqui, esses dois elementos compuseram o voto do ministro Gilmar Mendes na sessão em que a prisão na segunda instância prevaleceu por 6 a 5 no plenário do Supremo, em outubro de 2016.
(...)

Do Blog do Josias de Souza, 24/03/2018, 03:46 hs

SALVADOR, MEU AMOR

Solar do Unhão

sexta-feira, 23 de março de 2018

PARA ALÉM DO DEBATE ENSANDECIDO

(...)
O argumento dos opositores da presença militar é o de que os favelados são incomodados pelo Exército. A verdade é que, às vezes, são estuprados por traficantes, achacados pelas milícias, que vendem de tudo, do gás ao acesso à televisão fechada. E não há espaço para a sociedade monitorá-los amplamente, como o faz com o Exercito.

Um dos argumentos do PSOL é que a intervenção não é necessária. Talvez ele se apoie nos índices de homicídios mais altos, como os do Ceará e de outros Estados do Nordeste, por exemplo. Mas não enfrenta a questão específica do Rio: a ocupação armada. Como resolvê-la?

A resposta, nesse caso, costuma estar na ponta da língua: educação, saúde, saneamento, cultura. Mas como chegar lá com isso tudo?

A presença dos militares em si também não resolve o problema de fundo. Mas abre caminho para que a polícia estadual se recupere e tente reduzir a mancha territorial ocupada.

Alguns traficantes toleram o trabalho político em suas áreas. No caso da Vila Cruzeiro, do Complexo do Alemão, liberavam algumas ruas para o corpo a corpo eleitoral. Mas isso são concessões, migalhas de liberdade, pois não só o governo, como todos os candidatos devem ter acesso irrestrito a todos os pontos da cidade.

Às vezes, alguns mais exaltados nos dão a impressão de que, se a favela de repente tivesse segurança e todos os serviços básicos assegurados, seu discurso cairia no vazio, não saberiam mais para onde apontar a luta. Quando Temer decretou a intervenção na segurança, Bolsonaro disse que estava roubando sua bandeira.

Todos sabemos que Temer não se preocupa senão com a própria sorte e a do seu bando, já dizimado pela Lava Jato. Se a intervenção conseguir equilibrar as forças no Rio e contribuir para o longo processo de libertação de parte do território, muitas bandeiras podem ser roubadas também.

Não há nada a temer. Outras virão. Uma delas, congelada há algum tempo, são os escritórios de arquitetura destinados a orientar construções e reformas. Beleza, funcionalidade e conforto, de alguma forma, podem ser acrescentados aos morros pacificados.


Fernando Gabeira, 22/03/2018