sexta-feira, 30 de março de 2018

DESCRUCIFICAR  JESUS

A imagem de Jesus crucificado só começou a ser venerada séculos depois da morte dele, e foi o Concílio de Niceia, no ano 325, que autorizou oficialmente a imagem do crucifixo tal como o usamos hoje. Os seguidores dos primeiros séculos do cristianismo se envergonhavam de uma imagem que lhes recordava a morte atroz que os romanos infligiam aos grandes criminosos.

Desde que Paulo de Tarso declarou que “se Cristo não ressuscitou [...]é vã a nossa fé” (I Coríntios, 15), interessava aos cristãos o Jesus ressuscitado, não o sacrificado em uma madeira, como um assassino qualquer. Daí que nos primeiros séculos do cristianismo não existissem pinturas nem esculturas de Jesus crucificado, só um Cristo glorioso.

Nas catacumbas romanas, tanto nas de Santa Priscila como nas de São Calixto, onde se escondiam os cristãos para fugir da perseguição romana, não existem pinturas de Jesus na cruz. O líder dos cristãos aparece ou na imagem do Bom Pastor, ou celebrando a Última Ceia com os apóstolos, ou ainda criança nos braços da sua mãe. Nunca morto.

Lembro que no Instituto Bíblico de Roma nosso professor de idioma ugarítico, o jesuíta Follet, explicava-nos essa ausência da imagem de Jesus crucificado entre os primeiros cristãos: “Se o seu pai tivesse sido condenado à cadeira elétrica ou à guilhotina, certamente, por mais inocente que tivesse sido, vocês não levariam no pescoço uma efígie desses instrumentos de morte”, nos dizia ele. E acrescentava: “Ninguém conserva fotos dos seus familiares ou amigos quando mortos, e sim vivos e felizes”. Isso é o que ocorria com os cristãos: preferiam recordar Jesus em vida ou glorificado depois da sua morte.
(...)

Juan Arias, El País,30/03/2018, 12:28 hs

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