terça-feira, 2 de julho de 2019

AFETOS E HUMOR

Não se encontra nos livros de psiquiatria um conceito de "afeto". Dito de outro modo, a pergunta "o que é a afetividade?" sequer é posta. Às vezes são encontradas aqui e ali definições nominais baseadas no pressuposto de que "afetividade" é tudo que não é consciência, pensamento, sensopercepção, memória, atenção, fala, etc. É de fazer rir. Um regime de conceituação é assim produzido ao inverso, ou seja, pelo negativo. Afeto é o que não é. Como então estabelecer uma relação de cuidado ao paciente? Dos manuais de psicopatologia (cada vez mais raros devido a progressiva extinção desse campo de pesquisa) aos tratados de psiquiatria biológica, os textos não assumem a auto-ignorância para com um tema tão essencial da clínica. Contudo, o mais grave ainda não é isso, e sim a construção de um conjunto pseudo-teórico sobre o humor sem quase nada se saber dos afetos. É que o humor decorre dos afetos e não o contrário. Ele se expressa como afetos em variados matizes. Trata-se de um dado facilmente observável no cotidiano dos indivíduos não necessariamente doentes. Deriva daí e se afirma nos dias atuais o conceito de bipolaridade como uma pérola de inconsistência teórica e clínica. Os pacientes tendem a acreditar nesse modelo abstrato que supostamente irá melhorar suas vidas psíquicas. Toneladas de psicofármacos são, então, cientificamente administradas.

A.M.

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