LOUCURA DO CAPS
Trabalhar num caps: isso implica em pensar, antes de tudo, a clínica psicopatológica. Quem é o paciente? Tudo nos leva a esse lugar. Ora, “pensar”não é uma reflexão (mesmo crítica) sobre o que foi vivenciado, mas o ato de construir propostas clínicas usando elementos heterogêneos extraídos do próprio contexto onde as coisas se passam. Neste sentido, há uma tal diversidade de elementos em curso, que é necessário trabalhar os conteúdos numa lógica rizomática (sem centro, cf Deleuze-Guattari). Tal percurso abre textos (como esse) para linhas temáticas que se cruzam e se ampliam na perspectiva da multiplicidade. Um caps é uma forma social que traz sua história ligada ao antigo hospital psiquiátrico, o qual também é uma forma social que mantém linhas de funcionamento atualizadas no interior do próprio serviço, mas nem sempre perceptíveis à observação do cotidiano. A vida institucional é naturalizada coletivamente como um território de sentido e por extensão, de modos de subjetivação. Todos são afetados. O discurso da luta antimanicomial opera uma produção incessante de verdade: uma ideologia em oposição a outra ideologia, a psiquiátrica. Isso é coisa de um esquerdismo moribundo. Para além de um dualismo estéril, pensamos outra coisa. É que a forma social caps também é uma multiplicidade, onde mil discursos e saberes se interpenetram. Funciona, ainda que em pequena margem, com a suspensão e/ou suspeição do valor-verdade sobre o que se chama transtorno mental, ou, numa visão não médica, sobre a experiência da loucura. Temos um serviço que se acha numa linha de fronteira técnico-institucional entre a forma-hospício (a matriz que veio do século XIX) e a forma-caps, a qual adquire variados tons clínico-políticos, inclusive os da psiquiatria biológica. A questão a ser debatida não é, pois, a de uma suposta busca de identidade técnica para o caps ou uma crítica ao projeto do caps, ou mesmo uma crítica (tão óbvia) à psiquiatria fascista, mas a de explorar a potência da equipe técnica nas mil possibilidades de encontro com o paciente, e por extensão, com a loucura dos tempos que correm.
A.M.
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