3 DE MARÇO DE 2011
A paciente trazia uma típica história psiquiatrizada. Passara por vários psiquiatras e um deles (ou todos?) lhe dissera que ela tinha esquizofrenia. Íris, (nome fictício), com 48 anos, era atendida a cada 30 dias. As consultas duravam de 30 a 50 minutos. Falava muito, era teatral, contava histórias da sua vida, vicissitudes, desventuras, violências, dramas, traumas, mudanças, mortes, enfim, um louco percurso. A tragédia humana me chegava na voz-expressão daquela mulher forte. Na sua fala o diagnóstico de esquizofrenia sempre voltava à cena, a reafirmar que "tinha esquizofrenia". Certa vez, ao dizê-lo, quis a minha confirmação: "Dr. o sr. também não acha que eu tenho esquizofrenia?". Eu disse que não sabia, não tinha ainda um diagnóstico firmado, mas que um dia provavelmente eu teria. Na verdade, eu já achava que ela "não tinha esquizofrenia", mas em face da subjetivação violenta que a máquina psiquiátrica lhe incutira na alma preferi aguardar. Usei um certo tempo para trabalhar a relação psiquiatra/paciente no sentido de criar condições técnicas para enunciar a Resposta. Esta seria contrária ao diagnóstico-sentença já consagrado. Como Íris voltava frequentemente ao tema ("porque sei que tenho esquizofrenia"), certa feita, achei que o momento, enfim, chegara. "Olha, Íris, quero lhe dizer uma coisa: é sobre esse diagnóstico que você tanto fala. Hoje eu lhe respondo ao que me perguntou: não, não, você não tem esquizofrenia". Ela fez uma cara de espanto e perplexidade. "O sr. tem certeza, dr?" Respondi que sim, que tinha certeza. E repeti: "Você não tem esquizofrenia!". Ela ficou alguns segundos em silêncio, assentiu com a cabeça e disse: "Tá bom, doutor, eu vou acreditar por que é o sr que está me falando. Mas, o que posso dizer é que sei que tem alguma coisa errada comigo".
A.M.
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