O diagnóstico psiquiátrico: crítica e clínica (*)
Antonio Moura
Há muitos diagnósticos em psiquiatria. Eles buscam conhecer o que se passa com o paciente. Este é, pelo menos, o discurso do humanismo científico, sempre interessado em promover a melhora, o alívio dos sintomas e, se possível, a cura do paciente.
Contudo, a prática clínica[1] mostra que o diagnóstico psiquiátrico é, antes, uma palavra de ordem, pela qual e na qual o efeito-psiquiatria cola no paciente. Neste sentido, a relação dita terapêutica se constitui como um invólucro dos poderes que lhe dão um suporte de verdade. O ato médico-psiquiátrico é encharcado de moral e de compromissos micro-políticos (não explícitos) com a Ordem Estabelecida. Sendo assim, o diagnóstico não é um ato puro de cognição do Outro, ou seja, não busca, em princípio, reconhecer e conhecer o Outro para tratá-lo com técnicas científicas. Então, o que busca?
O controle.
Tudo parte do significado que é conferido à loucura. Conotada à fabricação da doença mental ao longo do século XIX [2], ela é hoje o des-controle do sistema cérebro/mente (e tudo que isso implica) tomando-o como lesionado. Grosso modo, é esta a neuro-concepção que embasa os trabalhos da psiquiatria dita biológica. Os diagnósticos se sucedem na esteira de um esquematismo cidológico totalitário. Duas questões, no entanto, se impõem : 1-qual a etiologia (como aparelho teórico) dos transtornos mentais? 2-a quem servem os diagnósticos, dispondo de tão extraordinária variedade semiológica?
Na borda da idéia de loucura, a nossa referência é a clínica, ou seja, o Encontro com o paciente. Etiologia e diagnóstico aí estão presentes apenas como referência de uma verdade pontual , relativa e fragmentária. Ora, se a etiologia da psiquiatria biológica é reducionista e o diagnóstico é focado apenas nos sintomas, o remédio químico irá tamponar a riqueza vivencial do paciente.
Crítica ao diagnóstico psiquiátrico? Sim, pois ele é pseudo-etiológico ou escancaradamente sintomático (não-etiológico). E qual a clínica? Ah, outras clínicas (usando a ciência, a filosofia e a arte) em contextos e conexões singulares. No fundo, a loucura assombra o olhar da razão médica, e por isso é referência-base para outras clínicas. Quais? Ao fim do ato de inventá-las saberemos. Antes, impossível.
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