domingo, 18 de setembro de 2011



O  diagnóstico  psiquiátrico:  crítica e clínica (*)

                                                                  
                                                                        Antonio Moura
            

            

             Há   muitos diagnósticos  em  psiquiatria. Eles  buscam  conhecer  o que se passa  com o paciente.  Este  é, pelo  menos,   o discurso do humanismo científico, sempre  interessado  em promover a melhora, o alívio dos  sintomas e, se possível, a cura  do  paciente. 
           Contudo, a  prática  clínica[1]  mostra que  o diagnóstico psiquiátrico  é,  antes, uma  palavra  de ordem, pela  qual e  na   qual o  efeito-psiquiatria  cola no paciente. Neste  sentido, a relação dita terapêutica se  constitui como  um  invólucro  dos poderes  que  lhe  dão   um  suporte  de  verdade. O  ato  médico-psiquiátrico é encharcado  de moral e de  compromissos micro-políticos (não  explícitos) com a  Ordem  Estabelecida.   Sendo assim, o diagnóstico não é um ato  puro   de cognição do Outro, ou  seja, não    busca,  em princípio,  reconhecer  e  conhecer  o  Outro para  tratá-lo  com técnicas  científicas. Então,  o que  busca?
          O  controle.
          Tudo parte do  significado que  é  conferido  à   loucura. Conotada  à  fabricação  da  doença   mental ao   longo  do  século  XIX [2], ela   é hoje   o  des-controle do  sistema   cérebro/mente  (e    tudo  que isso  implica) tomando-o  como   lesionado. Grosso modo, é  esta    a neuro-concepção que  embasa  os  trabalhos da  psiquiatria  dita  biológica.   Os  diagnósticos se  sucedem    na esteira de  um  esquematismo    cidológico  totalitário. Duas  questões,  no entanto,   se  impõem  : 1-qual a etiologia (como aparelho  teórico)  dos  transtornos  mentais? 2-a quem servem  os  diagnósticos, dispondo de    tão  extraordinária variedade  semiológica?
       Na  borda da idéia de loucura, a   nossa  referência  é  a clínica, ou seja,  o Encontro  com  o paciente. Etiologia  e diagnóstico aí    estão presentes  apenas  como  referência  de  uma  verdade pontual , relativa  e fragmentária. Ora, se  a  etiologia da psiquiatria biológica  é reducionista   e o  diagnóstico é focado apenas nos  sintomas, o remédio químico  irá  tamponar a  riqueza  vivencial do  paciente.
        Crítica  ao diagnóstico  psiquiátrico? Sim, pois  ele é pseudo-etiológico ou escancaradamente sintomático  (não-etiológico). E qual a  clínica? Ah, outras  clínicas  (usando a ciência, a filosofia  e a arte)    em contextos e conexões  singulares. No fundo, a loucura  assombra  o  olhar   da  razão médica,   e  por  isso  é    referência-base para outras  clínicas.  Quais? Ao fim do ato de  inventá-las  saberemos. Antes,  impossível.



[1] Chamamos  essa   prática  clínica  de   uma relação “verticalizada”  de poder.
[2] Ver  Foucault, M., O  poder  psiquiátrico, S. Paulo, Martins Fontes, 2006.


(*) do livro Trair a psiquiatria, a ser lançado em Vitória da Conquista em 25/10/2011 na Livraria Nobel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário