OUTRAS AMPLIDÕES
(...)
Se o desejo é recalcado, não é por ser desejo da mãe e da
morte do pai; ao contrário, ele só devém isso porque é recalcado
e só aparece com essa máscara sob o recalcamento que a modela
e nele a coloca. Aliás, pode-se duvidar que o incesto seja um verdadeiro
obstáculo à instauração da sociedade, como dizem os partidários
de uma concepção de sociedade baseada na troca. Vê-se
cada coisa... O verdadeiro perigo não é este. Se o desejo é recalcado
é porque toda posição de desejo, por menor que seja, pode pôr
em questão a ordem estabelecida de uma sociedade: não que o
desejo seja a-social, ao contrário. Mas ele é perturbador; não há
posição de máquina desejante que não leve setores sociais inteiros
a explodir. Apesar do que pensam certos revolucionários, o desejo
é, na sua essência, revolucionário — o desejo, não a festa! — e
nenhuma sociedade pode suportar uma posição de desejo verdadeiro
sem que suas estruturas de exploração, de sujeição e de hierarquia
sejam comprometidas. Se uma sociedade se confunde com
essas estruturas (hipótese divertida), então, sim, o desejo a ameaça
essencialmente. Portanto, é de importância vital para uma sociedade
reprimir o desejo, e mesmo achar algo melhor do que a repressão,
para que até a repressão, a hierarquia, a exploração e a
sujeição sejam desejadas. É lastimável ter de dizer coisas tão rudimentares:
o desejo não ameaça a sociedade por ser desejo de fazer
sexo com a mãe, mas por ser revolucionário. E isto não quer dizer
que o desejo seja distinto da sexualidade, mas que a sexualidade e
o amor não dormem no quarto de Édipo; eles sonham, sobretudo,
com outras amplidões e fazem passar estranhos fluxos que não se deixam estocar numa ordem estabelecida. O desejo não “quer” a
revolução, ele é revolucionário por si mesmo, e como que involuntariamente,
só por querer aquilo que quer.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari in O Anti-édipo
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