quinta-feira, 31 de maio de 2012

CHICO ou o país da delicadeza perdida


A  MASTURBAÇÃO

Nada como o masturbador para criar fantasias. A psicanálise é exatamente uma masturbação, um narcisismo generalizado, organizado, codificado. A sexualidade não se deixa sublimar, nem fantasiar (...) (...) Não o homem e a mulher como entidades sexuais, tomados em um aparelho binário, mas um devir molecular, nascimento de uma mulher molecular na música, nascimento de uma sonoridade molecular na mulher
(...)
Gilles Deleuze - do livro Diálogos
Conseguir drogar-se, mas por abstenção... (Deleuze-Guattari)

Por não ser contaminada de contradições a linguagem dos pássaros só produz gorjeios.


Manoel de Barros
SOBRE O MÉTODO DA DIFERENÇA (excerto)

Os  compêndios médicos trazem o modelo propedêutico da clínica geral: inspeção,palpação, percussão e auscultação. Estas ações mapeiam  o organismo  humano em termos de exame  físico   e produzem uma verdade.Extraem um ganho semiológico, principalmente se o paciente for  beneficiado pela  melhora, alívio,cura,etc. A psiquiatria vem na esteira desse  processo, e   com  um elemento a mais: o julgamento do  paciente. É nesse enunciado-ato que  a violência se  oculta e se naturaliza.No entanto, para  o humanismo da medicina, esse  fato talvez  soe como  achincalhe  a  tão  elevados objetivos éticos. Não  importa. A  atitude do  psiquiatria  frente ao paciente, o face  a face da clínica psicopatológica, o enfrentamento tácito, expõem com clareza os objetivos do exame.A atualidade da cultura ocidental, marcada pela Ciência, traz condições teóricas e operacionais  necessárias  para  a  psiquiatria  afirmar  tais  objetivos,  deletando  os  sintomas.
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A. M.

ALMODÓVAR - A pele que habito

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O QUE É O TRÁGICO?


Trágico designa a forma estética da alegria, não uma fórmula médica, nem uma solução moral da dor, do medo ou da piedade. O que é trágico é a alegria. Mas isto quer dizer que a tragédia é imediatamente alegre, que ela só suscita o medo e a piedade do espectador obtuso, ouvinte patológico e moralizante, que conta com ela para assegurar o bom funcionamento das suas sublimações morais ou das suas purgações médicas.

(...)
G. Deleuze - do livro Nietzsche e a filosofia
SAIR DOS TRILHOS


Ao  desconfiar que  alguém delira, não julgue. Pense  primeiro “ o que estará  sentindo  o suposto  delirante?”.Quem delira pode  não estar delirando, ou seja, pode estar  apenas pensando em voz  alta.  Afinal, como seres do  pensamento, deliramos. Uma barreira colocada  entre nós e o dito mundo  real impede  que o delírio se torne um  problema. Sim, torna-se  um problema  quando a ordem “natural” das coisas é rompida a nível da conduta. Para  o bom senso isso é  insuportável, ou  quase  insuportável. Parece claro. Há  uma ordem racional  do  mundo  que  instituiu e institui valores, normas  e códigos. Isso  em toda  parte.  Uma necessidade  de ordem e bom comportamento  parece  fazer as coisas andarem. O binômio  ordem/desordem  vem daí, alimenta-se  de possíveis  desvios que o confirmam. A todo custo, a ordem  tem que ser  mantida, começando pela família. Nesse  estado de coisas  o delírio é uma linha de vida  não classificável. 
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Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

ANDY SHEPPARD


Hoje sinto no
coração
um vago tremor
de estrelas


F. Garcia Lorca
DO HUMOR

Pensamos  outra coisa: o  humor, derivado dos afetos, está  em contato   com  mil  fluxos internos  e  externos  que  compõem  processos de singularização. No caso, por exemplo,  de  um transtorno  “puro” do  humor  (antiga depressão  endógena) os  afetos  deixam de  escorrer  por linhas subjetivas. Produzem  um corpo-organismo, o qual  será  objeto de intervenção  farmacológica, talvez  a única  possível num dado momento.   Não há  mais devir     e por  isso   eles  se tornam  um ponto (e não  uma  linha)  expresso  nas alterações dos neuro-transmissores. Essas  alterações  não  são  únicas, mas    as que se mostram num  organismo  biológico travado,  portanto, em risco  ou  negação de vida. 
(...)
A.M.

terça-feira, 29 de maio de 2012

SILVIA MACHETE

ESQUECER, ESQUECER

Melhor insistir sobre o esquecimento. Na representação e oposição, há a memória: passando de uma singularidade à outra, uma e outra são mantidas juntas (por causa da circulação, por dispositivos, por fantasmas ou figuras libidinais dos bloqueios). Nesta memória está implicada uma identidade, o mesmo. No eterno retorno, como desejo de potencial, justamente não há memória. A viagem é uma passagem sem traço, um esquecimento, instantâneos que não são múltiplos senão pelo discurso, jamais por eles mesmos. Eis porque não há representação para este nomadismo de intensidades.
(...)
J.F. Lyotard - Notas sobre o retorno e o kapital

ROMEU FERREIRA


PATOLÓGICO E NÃO PATOLÓGICO

Acompanhar as linhas  singulares do paciente  é não identificá-lo a uma essência  patológica. Desse modo,  a patologia  compõe  um mosaico  clínico  que  a ultrapassa  enquanto fato  inscrito  na cultura. O não-patológico está misturado ao patológico. E mais, o patológico nem sempre pode (ou deve) ser  completamente excluído das condições psíquicas  do paciente. O delírio  é o acontecimento, ou seja,   o devir  como processo de vida  que  precede as manifestações  clínicas. Mesmo  estruturas    visíveis como o cérebro, constituem a vertigem do tempo  que não volta.  O interesse dessa  premissa  está  na possibilidade de incluir o paciente no rol das atividades humanas  (sociais) sem reduzi-lo  a alguém a quem  faltaria   razão. Ora, a  razão (ou a  racionalidade)   é   construída socialmente...
(...)
A.M.

GEORGE BENSON

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Arte

Falamos da  arte como composição de linhas  subjetivas que  buscam  expressar e criar um mundo. É possível captar essas  forças no Encontro  com o paciente. A psiquiatria capta outras forças, é bem verdade, as  do  organismo físico-químico  adoecido  pelas condições em que  vive. Isso  significa    fabricado por múltiplas   determinações que escapam ao controle  do  eu. Escapam também ao enquadre linear  causa-efeito. Contudo, o que  o paciente  diz sentir  é o que  importa.  A arte, surge, então,   como resistência  às  situações  existenciais   adversas. Nesse  sentido  ela está  fora  da  psiquiatria, não havendo  encontro possível. A linguagem da  arte é  inseparável da  sensação,  pura  sensação que constitui a  subjetividade como semiótica  a-significante. Ou seja, não  sendo submetida à consciência  (“eu, enquanto indivíduo”), a produção da arte  é uma produção de singularidades que  retira matéria  viva    do caos .  Na psiquiatria  atual, no lugar da produção,o produto  é capturado (e  imobilizado)  por exames  de imagem. Sob controle.
(...)
A. M.

A FORMA-HOSPÍCIO REPRODUZIDA

O meio é a subjetividade  como modo de produção contextualizada. O Caps tende a reproduzir o modelo biomédico autor de tantos equívocos  na história da psiquiatria. Talvez por isso, no momento, praticamente não há avanço. Ao contrário, se as pesquisas sobre o cérebro evoluem, o que há é um retrocesso na percepção da vida afetiva. Ora, falar em equipe multidisciplinar é antes considerar  a sua vida afetiva: o desejo  como  foco. O grupo se movimenta pelo desejo. Ou melhor, o desejo é o próprio movimento, não como espaço a ser percorrido, mas como intensidade. Desse modo, a pergunta : o que move o trabalho do Caps? O que move  a  sua equipe ? 
(...)
A.M. 

GRUPO CORPO - Parabelo



O problema da consciência em psicopatologia

O  conceito  de  consciência  está  presente, de  modo explícito  ou  não, na  clínica psicopatológica desde os  seus primórdios. Pode-se dizer que  é  impossível  realizar  o exame  do  paciente  sem pôr  a questão: “ele  está consciente”? Trata-se  do conceito  clínico de  grau  (ou  nível) da  consciência. Da  vigília (a  normalidade)  ao coma, desenha-se  um espectro  de  graus de consciência   (torpor, turvação, obnubilação, etc) em que  as estruturas  neurocerebrais estão comprometidas.  A equação consciência=mente=cérebro é  adotada  como resposta  teórica à  clínica  dos  transtornos  mentais  de  origem  orgânica. Quanto mais  alguém está consciente, melhor  estará  funcionando o seu  cérebro  e por  extensão  a  mente.  Contudo,  o exame  pode  ser  esmiuçado:  “o indivíduo  sabe o que  faz”?  Ou  “ele  tem noção (=consciência) dos seus atos”? Um sentido  moral se  insinua,  ficando  encoberto pelo  sistema fechado  “cérebro/mente”.
(...)
A.M.

domingo, 27 de maio de 2012

QUASÍMODO

Os horrores de quem anda por fora.
Coisa que não acaba no mundo é gente besta e
 pau seco.

Manoel de Barros
QUE REVOLUÇÃO?

A revolução à maneira de golpe de Estado está morta, viva a revolução pelo modo libertário, molecular, para dizê-lo com as palavras de Deleuze e Guattari. Longe dos futuros radiantes e dos amanhãs que cantam, pacificados, é preciso pensar no devir revolucionário dos indivíduos, única ética pensável(...) (...)

M. Onfray - do livro A política do rebelde - tratado de  resistência e insubmissão

CRONICAMENTE INVIÁVEL !


FALA, PESSOA...

Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...

Fernando Pessoa
A DESVALORIZAÇÃO DA PSICOPATOLOGIA

(...) (...) Ora,  um dado que se  constata   ao longo  dos  últimos   quinze  anos   é o  desaparecimento gradual da  psicopatologia  como um saber  ligado aos  processos  subjetivos. No seu lugar um corpo neurológico vem substituindo o “espaço psíquico”, ligando o sintoma a uma causa  ( ou várias)  fisicamente demonstráveis. Esse  viés  mecanicista da  psiquiatria é antigo  e   já  foi apontado muitas  vezes. O que  há de novo é a subsunção da mente pelo cérebro  como chave metodológica   para acessar um  objeto passivo (o próprio  cérebro),  as  avaliações   por imagem (diagnóstico) e as  manipulações  por   remédios  químicos (tratamento). Apesar  disso, não  há  nos   textos    uma  questão  contra as neurociências. Elas, por  certo,   obtiveram  avanços importantes na descrição/compreensão do funcionamento cerebral.  No entanto, o viés  metodológico  neurocerebral   fez a  psiquiatria   “denegar”    processos  coletivos e o mundo psíquico  que  também  constituem a  subjetividade. O que  se obteve , por exemplo, em relação ao tratamento químico das  depressões, não pode ser   desvinculado dos  diagnósticos errados quanto  ao tipo clínico da  depressão. E mais: deixa  de  conceber  a depressão em seus aspectos     múltiplos  e  próprios da nossa  época. Um tronco fértil  da  pesquisa clínica  e  etiológica  é  assim   abandonado...
(...)
Antonio Moura

ANA CAÑAS - Diabo


sábado, 26 de maio de 2012

AFETOS DA LOUCURA

Há vários tipos de crítica à psiquiatria. Por isso, é bom perguntar "o que quer aquele que faz a crítica?" No nosso caso, trair significa, sobretudo 1- uma  posição ético-política; 2- uma proposta de trabalho com o paciente;3- uma psicopatologia descolada do modelo biomédico; 4- uma concepção do trabalho multidisciplinar em saúde mental; 5-um outro manejo dos psicofármacos. Daí, a crítica  busca ser não-reativa e sim criativa.Ora, sabemos não ser fácil inventar uma psiquiatria que trabalhe os afetos da  loucura. Do paciente e da nossa...

A. M.

CARLA BLEY e STEVE SWALLOW

O QUE É ANARQUISMO?

(...) (...) por Anarquismo se entende o movimento que atribui ao homem como indivíduo e à coletividade, o direito de usufruir toda a liberdade, sem limitação de normas, de espaço e de tempo, fora dos limites existenciais do próprio indivíduo: liberdade de agir sem ser oprimido por qualquer tipo de autoridade, administrando unicamente os obstáculos da natureza, da "opinião", do "senso comum" e da vontade da comunidade geral - aos quais o indivíduo se adapta  sem constrangimento, por um livre de vontade. Tal definição genérica, avaliada de diversas maneiras por pensadores e movimentos rotulados de anárquicos,pode ser sintetizada através das  palavras retomadas no século XX, por volta dos anos 20, pelo anárquico Sebastien Faure na Encyclopédie anarchiste: "A doutrina anárquica resume-se numa única palavra: liberdade"
(...)
N. Bobbio do livro Dicionário de política
Há nos poetas uma aura de ralo?

Manoel de Barros
VENDAS

TRANSTORNO DO PÂNICO?

Pânico, para os gregos, não significa um estado psicológico, mas sim um momento mítico. O Deus Pan, senhor do pânico, é aquele através do qual a ordem social pode desmoronar, uma coletividade tranquila pode se tornar uma horda bárbara e desumana. De uma só vez, tudo se desequilibra, como se tudo aquilo que estabelecesse uma ligação entre os humanos se revelasse, repentinamente, suscetível de fazer emergir um coletivo completamente diferente, de engendrar aquilo que a ordem social parecia excluir, por natureza.
(...)
Isabelle Stengers - do livro Lembra-te De Que Sou Medéia

O BISPO


FRAGMENTO SOBRE O MÉTODO DA DIFERENÇA

De início, podemos  dizer  que  o paciente não  é  uma  pessoa, nem um indivíduo .Desse  modo,   não deve ser julgado. Ele é formado por linhas, fluxos, energéticas, movimentos, dobras, moléculas, átomos, vibrações, partículas infinitesimais que  constituem processos de  singularização  existencial. Não se trata apenas  de  um  eu  ou  de um  cérebro. Ainda  que  a psiquiatria  científica o coloque desse modo, ele é  bem mais, um sistema de  multiplicidades .Este conceito  põe o  real  ao alcance da  clínica, ou  melhor,  o  real  como  sendo a própria  clínica. Isso  remete ao  primado das relações  e das práticas, em detrimento do  sujeito  ou do  objeto vistos  como  entidades fixas. O encontro com  o  paciente é o encontro com  relações e práticas que compõem uma  vida. Esta é irredutível às  linhas de visibilidade do organismo físico-químico.Não se restringe ao corpo visível. (Nenhum  espiritualismo em tal observação).Uma vida enquanto multiplicidade funciona em devires.É o  movimento o  que conta,  embora  não  seja  percebido.
(...)
Antonio Moura

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Médicos e antibióticos

Os antibióticos são prescritos por via oral, por via intramuscular, por via venosa ou  por via das dúvidas.

PULP FICTION - Travolta e Thurman

UM  PROCESSO

                                                    
O  corpo-sem-órgãos  (CsO) é um anticonceito,  limite  intransponível da experiência.  Processo esquizofrênico. No caso da  entidade  clínica  é  prática de  vida  que  aparentemente fracassou.  Mesmo assim permanece ativo  enquanto  coleção  de  linhas existenciais sem contorno, fluxos  nômades, gritos. São as máquinas  do desejo. A  subjetivação é,  pois,  uma  dessubjetivação  incessante. Somos  todos esquizos.  Considere   o  seu próprio  corpo. Ele  é  invenção   de  mundos.  Não   o corpo  do  qual  a medicina,  papai-mamãe  e  a escola   gostam.  É outra  coisa,  uma  política. Aparece aqui e  ali em situações de  grande  responsabilidade moral – para  desfazer  a  moral.  Se  você   perguntar qual  o meu  corpo , eu  lhe  direi:  sigo os   afetos:  uns  me  encantam, outros são  insuportáveis. Risco  dos  encontros, puro desejo escorrendo  cruel. Veja  o paciente.  Seu  corpo liga-se ao mundo dos  códigos estáveis. Eles  são  usados  para a  repetição do Mesmo. A antiprodução  é, assim,  inserida   na produção. Convite ao normal. Mas,  o que  aconteceria  se  milhões de corpos sem órgãos  fossem movidos ao combustível alegria? O corpo  seria  o  de uma dançarina saltando  na relva?  O  de  um  soldado  numa  trincheira? Ora,  os  corpos  são invisíveis. Sua potência  esgueira-se  por  entre  as  franjas da  racionalidade  proprietária do  eu.   Não  há  corpos opacos.  Somos  fibras   de luz e só  os videntes  enxergam  para além de  toda  moral e de  toda  técnica. O  CsO é  uma política  de guerreiros  esquizos. Eles  não se  deixam ver.  Usam máscaras rentes   à  pele. Você nem sabe que  é um. Mas,  não anuncie a sua  chegada,  não  reclame, não ressinta. Cultive  o segredo. Faça  rizomas. 
(...)
Antonio Moura


os  revolucionários
estão  mortos
as  revoluções
a  postos

A. M.
Desejar...

PRODUZIR DESEJO

O desejo e o seu objeto são a mesma coisa: a máquina, enquanto máquina de máquina. O desejo é máquina, o objeto é ainda máquina, tanto que o produto é extraído do produzir, que vai dar um resto ao sujeito nômade e vagabundo. O ser objetivo do desejo é o Real em si mesmo.
(...)
G. Deleuze e F. Guattari - do livro O anti-édipo

O QUINTO ELEMENTO

CONSCIÊNCIA  É UM CONCEITO ESTÉRIL

Usamos o conceito de vivência articulado aos problemas da clínica psicopatológica. Esta  se compõe de linhas do desejo (afetos) e linhas do pensamento (crenças). Assim, o paciente, antes  de tudo,  sente e acredita. Sua vivência observada na clínica não é  A vivência, mas uma vivência ou vivências que  se expressam em signos  nem sempre significantes. Tal perspectiva faz do exame  psíquico um Encontro, podendo este ser  bom ou mau  a depender dos afetos e das crenças postos  em jogo. Isso  requer do técnico entrar em contato muitas vezes com um mundo que compreende algo incompreensível à consciência. Afeto e pensamento, desejos e crenças são territórios existenciais que  fazem viver. As vivências  são singularidades. O Incompreensível (“por que  ele  quer morrer”? ou “ele acredita nisso?”, etc) não remete  a uma doença ou transtorno (o  que dá no mesmo), mas antes a processos de vida que se expandem em linhas  arriscadas  e concretas. Considerar desse modo as vivências implica  em situar o paciente para  além do eu e  substitui-lo pela vivência não médica, não psicológica, não humanizada
(...)
A.M. - do livro  Trair a psiquiatria

quinta-feira, 24 de maio de 2012

PARA COMEÇAR A PENSAR

Fui compreendido? - O que me separa, o que me coloca à parte de todo o resto da humanidade é haver descoberto a moral cristã. Por isso tive a necessidade de fazer uso de uma palavra que mantivesse o sentido de um desafio a cada homem (...) (...) A cegueira ante o cristianismo é o crime par excellence - o crime contra a vida...

F. Nietzsche
Sem palavras
TRAIR É TRAIR

Enfim, as crenças, tão frágeis, tão poderosas, norteiam e fazem consistir o real. Entre elas o delírio insinua-se como tecido de sustentação para um eu franzino. No entanto, é preciso  viver. A psiquiatria não quer isso. Ela só quer sobreviver às custas da reprodução de uma dependência aos seus remédios. São tratores da mente. Desconsideram a finura existencial dos espíritos livres.
(...)
Antonio Moura

quarta-feira, 23 de maio de 2012

CHAPLIN - Tempos modernos


À PROCURA DA DIFERENÇA

Chegar à diferença, lá onde onde talvez poucos tenham conseguido, é traçar um método. Qual é mesmo o método? O método é o de detectar as forças que, por serem invisíveis, não se apresentam de imediato. Dir-se-ia que nunca se apresentam, mas que produzem efeitos, talvez a nossa própria angústia ao não reconhecê-las.
(...)
Antonio Moura 

CAMINHOS CRUZADOS - JOÃO BOSCO

O  nosso blog completa hoje 1 ano de existência. Quero agradecer aos leitores e a todos os comentadores que se expressaram aqui.
Grande abraço.

Antonio

terça-feira, 22 de maio de 2012

ANTONIO NEGRI (12/12/2008)



 O  QUE  É  SUBJETIVIDADE?

  
Numa   acepção     inspirada  em  Gilles  Deleuze  e Félix  Guattari ,  subjetividade refere-se  às  formas   de sentir, pensar, perceber e agir que  se expressam na relação do indivíduo com  o  mundo.  A subjetividade   vem de  fora. Ela é  social  e mais  precisamente  coletiva [1] .   O  indivíduo  é   uma  espécie  de   terminal da   produção   coletiva  da  subjetividade.  Claro  que   o corpo é  a referência  maior,  pois  não  existiria  indivíduo  sem um corpo.  Precisamos ver algo.   Mas  esse corpo, com   a sua  organização  anátomo-fisiológica,  está  encravado  numa   rede coletiva de significados não  necessariamente  visíveis.   Ainda  assim, o   coletivo    não é algo abstrato, distante  de  nossas  vidas  cotidianas. Ao contrário, ele se  operacionaliza  no  e   através  o funcionamento das  instituições,  formando   linhas  de  vida    no que  se chama   “subjetivo”. Dizer ”subjetivo=coletivo”   é uma  equação  que   serve  para se  pensar a  mente e  os  transtornos  mentais.  A subjetividade nos governa  a  partir de determinações que  escapam à consciência, ao  eu   e à  razão. Estas  categorias   são  produtos  sociais   que  servem para  manter a  estabilidade do  cotidiano da  civilização onde  vivemos.  Funcionam  “naturalmente”.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

[1] Uma  concepção  coletiva  da  subjetividade se  faz necessária para retirar o “monopólio” da psiquiatria sobre  o chamado portador  de transtorno mental. Assim, a invenção de práticas  clínicas torna-se  possível fora do modelo  bio-médico.

VAN GOGH

segunda-feira, 21 de maio de 2012



o sobrevivente
olha em torno
a  solidão  dos cosmos
e  decide  viver

A.M.

APÓS O HORÁRIO DE VISITAS...

O  primeiro diagnóstico não se esquece – 3º ano de medicina. Buscava  um hospital psiquiátrico  para  estagiar. Tinha  muito  interesse em psiquiatria e uma  experiência  como  essa iria  definir um projeto  profissional  e de  vida. Por  indicação de uma tia, fui procurar  o  diretor   do  Hospital Santa Mônica. Cheguei lá numa tarde de 4ª feira,  sem saber  que  era  dia  de visita dos  familiares. Postei-me  num banco  no pátio  onde  os  pacientes  e seus  familiares conversavam. Havia  muita  gente. O diretor ainda  não chegara e eu então  aproveitava  a ocasião para observar  os pacientes. Me detive  num casal que  discutia muito, beirando a agressão física. Pensei:  ela está mal, muito mal. E ele está aguentando essa barra. Discutiam, discutiam, ele mais  para  calado e  ela na ofensiva. De  repente , acabou  o horário da visita. Para  minha  surpresa, foi ele  quem entrou e  ela foi  embora. Moral: meu  primeiro diagnóstico estava  errado.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

PABLO MILANÊS - Iolanda


FORMA-SAÚDE MENTAL

A  forma-Saúde e por extensão, a  Saúde Mental,  secretam produtos que  compõem a subjetividade e se materializam  na clínica. Ou melhor, na psiquiatria clínica. Há  até  pacientes  que  chegam  com um diagnóstico firmado por eles  próprios. Desse modo, antes da vivência da  queixa, o diagnóstico torna-se  uma identidade. Produção de consumo. Ao mesmo tempo, a miséria social  (não só econômica) se alimenta de reflexões sobre o dito  comportamento patológico.Pesquise, por  exemplo, distúrbios do humor.Ou sobre o pânico diante da violência urbana. Qualquer coisa.A forma-saúde mental é invisível, mas  o técnico   exibe  a sua  marca  no mercado dos   especialismos. Trata-se  do pensamento e das suas competências. Com que  produtos  enfeitar  as prateleiras? O pensamento da  saúde mental  vive do mundo. Ensina  um pensar  reto. Depois tudo  recomeça.  A  Forma  se multiplica em  rotinas,  laudos, prescrições, mapas, imagens.  Não se  sabe  ao certo onde  ela  está. Mas,  que  funciona  como no   rosto  do  paciente e nos maneirismos que o guiam.  Confira.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

RODRIGO LEMOS toca VILLA -LOBOS - Trenzinho caipira


domingo, 20 de maio de 2012

O RESSENTIMENTO  E  SUAS  METÁSTASES

A impotência a admirar, a respeitar, a amar. A memória dos traços é raivosa por si mesma. A ira ou a vingança se escondem. Mesmo nas lembranças mais enternecedoras e mais amorosas, vê-se os ruminantes da memória disfarçarem essa ira por uma operação sutil, que consiste em reprovar a si mesmos tudo que, de fato, eles reprovam no ser cuja lembrança fingem adorar. Por essa mesma razão devemos desconfiar daqueles que se acusam do que é bom ou belo, pretendendo não compreender não serem dignos: sua modéstia dá medo. Que ódio do belo se oculta em suas declarações de inferioridade (...) (...) O mais surpreendente no homem do ressentimento não é sua maldade e sim sua repugnante malevolência, sua capacidade depreciativa. Nada lhe resiste. Ele não respeita seus amigos e nem mesmo seus inimigos. Nem mesmo a infelicidade ou a causa da infelicidade.
(...)
G. Deleuze - do livro Nietzsche e a filosofia
Desejar...

Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.

O meu misticismo é não querer saber,
É viver e não pensar nisso.

Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo de um outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição.

Fernando Pessoa

DELÍRIO  COMO  PRODUÇÃO

O que  se costuma chamar   de “pensamento”  são atividades cognitivas  marcadas pelo uso representativo  do conceito. A representação ( identidade, consciência,  eu, etc)   é pura  Conserva.  A psiquiatria funciona segundo eixos  representativos  evidentes. Tomemos como exemplo o de “especialidade médica”.  Ele neutraliza investidas críticas. Em tempos  de especialismos,   o suposto  saber  representa.   O sonho da representação é  estancar os  devires.    Delirar é um processo cujo combustível é  o desejo-produção.  Ele  explode  os esquemas físico-químicos (que  remédio prescrever?), familiaristas (quem é o culpado?),   dilemas da consciência (ser ou não ser?) ou as  vicissitudes  do  eu( quem sou?). Assim, o pensamento como cognição é muito pobre para se  fazer  chegar à subjetividade dita  patológica. No entanto, a psiquiatria  atual se serve dele  numa Axiomática  conectada ao modo de produção capitalista. É uma  aliança embutida na  fraseologia  do especialismo. Desaparecem as possibilidades de pensar  diferente porque  o pensamento está  dado  como cognição redundante  do  real. A psiquiatria  não mais  se pergunta o que é  o real, de que  real  se  trata.  Gigantesco narcisismo, ela é o próprio real.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

GLAUBER ROCHA - Deus e o diabo na terra do sol

SOBRE A VIOLÊNCIA

O mais sanguinário dos assassinos não pode ignorar a maldição que pesa sobre ele, maldição que é exatamente a causa de sua glória. Múltiplas transgressões não podem acabar com a proibição, de tal modo que a proibição surge como se fosse um meio de fazer abater uma gloriosa maldição sobre aquilo que rejeita. Há na proposição precedente uma verdade fundamental: a proibição que fundamenta o terror não nos exige apenas que o observemos. A contrapartida nunca falta. Derrubar uma barreira é em si algo de atraente: a ação proibida assume um sentido que não tinha antes que o terror que nos afastava dela e não a rodeasse de um halo de glória.
(...)
George Bataille - do livro O Erotismo - o proibido e a transgressão

sábado, 19 de maio de 2012

SEU JORGE - Zé do Caroço

CONCEITO DE ENCONTRO

Todo  encontro  é marcado por contingências. O coletivo  “antecede” o   socius   na  produção  de    subjetividades. Tudo se mistura. Se  existe  algo  que  escapa   aos  códigos  estáveis da  razão, é  o modelo do delírio  (um anti-modelo na verdade) que  nos   guia  e  impulsiona. Assim,  temos:  o coletivo   =  o delírio ( código  psiquiátrico  =  a psicose) numa  série abstrata  tornada  concreta na  clínica ou  em  qualquer  situação  onde  uma  zona (existencial)  de  fronteira  se   mostre  como ultrapassagem.  Essa é a questão dos campos vivenciais  passíveis de contato. Eles  são  hetrogêneos por  sua  própria  natureza. O contato  imediato  é com a aventura  do Acaso,do Indeterminado e do  Desconhecido. Desse  modo,   o encontro de  um terapeuta com o   seu  paciente  pode  começar no “interior” de si  mesmo, em meio  a múltiplos  “eus”.  Subjetivo e objetivo   se  tocam e  se  trocam... Entramos e estaremos a entrar numa  terra  de ninguém, inumana, cósmica,   via  sem retorno, mundo  de Lovecraft.  Para  fazer uma clínica da  diferença,  é preciso  a não-clínica que com ela produza territórios subjetivos concretos. Do contrário, só com a equação  clínica=patológico, o tratamento  verá  o paciente  como  coisa, ainda  que   uma coisa  valiosa.  O encontro   busca  o lado ativo do infinito,  o  processo,  enfim, das  relações  sociais  e  coletivas. 
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Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

LUIS FUGANTI - Ressentimento


Nada é mais falso do que uma verdade estabelecida.

Millor

EDUARDO GALEANO - Os Ninguéns


DEVIR-PENSAMENTO

Trabalhar com pacientes num Caps, por exemplo, implica  em sair  dos moldes da  Conserva  do  hospício ou dos consultórios clínicos. Explorar as multiplicidades, mesmo e principalmente no paciente  identificado à  forma-doente mental. Há outras  linhas não percebidas, talvez  invisíveis.  Pacientes registrados,cadastrados, codificados, rotulados sob o efeito de formas sociais (instituições) como a família, a clínica,a escola, o trabalho, o direito, o estado, a polícia, o casamento, entre  outras, estão enfiados em buracos negros  onde  o devir-pensamento  foi  relegado a  uma atividade cognitiva mínima, rasteira, como registram os manuais  psiquiátricos. Curso, forma, conteúdo, raciocínio, juízo, são categorias  semiológicas usadas  num exercício de mortificação do devir-pensamento. Elas compõem o mundo da  representação. Tornar o pensamento  visível e frear a sua  velocidade  infinita, isso  sempre foi assunto  dos  psiquiatras  e adquire na psiquiatria  atual  o requinte das tecnologias  de ponta. Subjacente à  técnica , existe a crença de  que  o paciente  não pensa, ou  se pensa, é para  responder  que  dia é  hoje, onde  estamos, que  veio  fazer aqui, etc. Insistimos  no dado  de  que o pensamento  não é  só o que  é falado,  mas  o  que é  experimentado via sensações, intensidades, afetos, o que muitas  vezes  não  pode  ser  dito, não chega a ser  dito, não consegue  ser  dito.
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Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria  

ORSON WELLS - O PROCESSO


CIÊNCIA  É  POLÍTICA

Se os babuínos  "fazem política" no sentido de que não param de constituir suas sociedades, o que se passa, podemos perguntar, com as formigas ou os ratos? "Onde deveríamos localizar com certeza os primeiros passos do comportamento político? Deveríamos excluir os insetos sociais sob o pretexto de que as negociações maiores têm lugar antes da aparição dos fenótipos?"
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Isabelle Stengers - do livro A invenção das ciências modernas

HERBIE HANCOCK e MICHAEL BRECKER


VIAGENS DE MIGUEL

Miguel tem 1 ano, 2 meses e 9 dias. Desde que  chegou por aqui, o cenário mudou. Hoje, a nossa casa faz parte do universo e não o contrário. Um  tempo escorre sem consciência das coisas formalizadas.  Miguel exala o sentido do sem-sentido da existência. Seus olhinhos doces espalham alegria em toda a parte onde germina o desejo de viver por viver. Mas não o idolatro. Ele é quem  me faz ator/personagem de uma experiência com o cosmos. Continua pegando meus livros na parte baixa da estante. Devora-os em alguns segundos. Passado um tempo, fica dizendo que não gostou disso ou daquilo. Tento argumentar e Miguel é implacável na crítica. Aponta para autores desconhecidos. Lhe pergunto quem são e, afinal,   revela que não são, não há ninguém a recitar ou indicar,até porque tudo não passa de um jogo. Metafísico. Então, o som do liquidificador  o faz dançar. Avisa que a Terra é um batuque só, ritmo das estrelas cadentes. Me convence.

A. M.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

MILTON - Beatriz

CAPS: UM PROBLEMA

No nosso modo de ver, a ação combinada, a socialização do conhecimento e a distribuição de saberes têm a potência necessária para arrancar os Caps de sua reclusão tecnocrática e de sua tristeza burocrática.
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Antonio Lancetti - do livro Políticas do desejo

BOSCO - Desenho de giz



DIAGNÓSTICO

Perante a CID-10  e  o  DSM-IV, não é possível diagnosticar. O diagnóstico não existe. Comecei do zero. Esqueci  dos  códigos.    Escutei  vozes  dizendo: “ele pensa que  é  o apocalipse”. Ninguém por  perto para  testemunhar.  Abri as  janelas.  Manhã  tão bonita  manhã. No entanto, a  doutora avisou que  vai  chegar  mais  tarde. Hoje  é dia de visitas inesperadas.  Aos  que  vierem,  usem a vida  como estimulante.  No entanto, figuras empoladas  pronunciam   discursos  doutos. Nada   da  expressão  do desejo.  Nada mesmo. Que  fazer? O círculo é  estreito, a rede é fina, o controle  é  (quase)  completo. Resta  o  pensamento:   caminhar  veloz, conectar   aliados insuspeitos, brincar com o peso  do diagnóstico. Poe. A loucura não tem diagnóstico. Os  loucos circulam soltos, mesmo prisioneiros. A sociedade industrial  imprime no corpo dos seus  súditos  a marca da  psiquiatria biológica. Por isso, hoje,  escondo o segredo das  origens. Nada  de genética. A universidade não entende. O povo não entende. O diagnóstico enterra suas   esporas  sobre  corpos previamente  dominados.  Somos  todos  inúteis úteis.
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Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

GILVAN SAMICO



AUTO-ENTREVISTA – 18/05/2012

O seu livro não é científico.
De fato, não houve  pretensão de sê-lo.

Se não é científico, onde está a verdade?
A  Verdade da Ciência não é a Única...

Por que ataca a psiquiatria?
Porque ela, digamos assim,  pôs a cara desde há pelo menos 300 anos. Questão estratégica. Além do mais, sou psiquiatra.

Não entendi.
Por  ser psiquiatra, falo de um certo lugar, ou melhor, do "lugar certo" para falar.

Continuo sem entender.
É simples: pense numa espécie de autocrítica sem culpa nem ressentimento; pense como Dostoievski: memórias da casa dos mortos.

O que lhe moveu ao escrever?
Muitas coisas. Talvez uma das maiores foi o desejo de afetar técnicos não psiquiatras em prol de linhas de pesquisa fora do enquadre psiquiátrico.

Como é o seu diálogo com os psiquiatras?
Não existe.

Por que?
Porque a instituição psiquiatria é poderosa e capturou  quase todos.

Mas, você é psiquiatra.
Sim, psiquiatra e... muitas outras coisas... multiplicidades...

Mais uma vez não entendi.
Não é para entender mesmo.

Obrigado.
Não há de que.

A. M.

P. GLASS - Freezing


LIMITES   DA  CIÊNCIA

Com a obra de arte, estamos no coração de minha aposta. Porque, se o pêndulo era o símbolo do universo determinista, eu diria que a obra de arte é o símbolo do universo que vemos hoje. Se você tomar uma fuga de Bach, ela obedece a regras, mas há também passagens inesperadas: são "bifurcações". É essa mistura do determinismo e de imprevisibilidade que constitui sua natureza, e seu encanto.
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I. Prigogine - do livro Do ser ao devir

CARLA BLEY - 2000



EXCERTO DE AUTO-ENTREVISTA

P-O que é  a    loucura para  você?
R-De  forma resumida, posso dizer  que a  loucura é uma  experiência  lancinante   (  podendo   ser ou não destrutiva) que atinge  em  cheio  as   capacidades  do eu. Bleuler  já dizia  isso  há  100 anos.  Essa é talvez   a sua  essência mais  “profunda”. É preciso saber  a que  isso leva, aonde  isso vai, como isso se expressa  em termos da vida  do paciente. O que  a psiquiatria chama de psicose ou esquizofrenia, por exemplo, está muito longe de tocar  o universo da loucura. Pior,  a psiquiatria  produz algo que  chama de “doença” e até  convence  o paciente. Que  se passa? Um paciente que não se sente  doente? Ora, para o mais simplório dos  pesquisadores  da mente, há  algo profundamente equivocado  nas premissas  da psiquiatria. 

A.M.  

PORTINARI


QUAL  LUTA?

A Clínica é processo. Uma Luta que se institui não é mais Processo, e sim uma Organização, como seus conceitos, dispositivos e relações de poder cristalizados. Mesmo que o objeto e os objetivos da luta sejam nobres e altamente louváveis, isso não a livra de uma esclerose de suas práticas e, em consequência, da manutenção de funcionários da verdade. Assim, uma luta anti-manicomial  processual dá-se como despsiquiatrização das idéias, já que a psiquiatria é uma instituição antes de ser uma especialidade médica. Se é uma instituição, atua em toda parte, inclusive "dentro" de nós. O combate é sem tréguas.

Antonio Moura

CORPO INTENSIVO DO TANGO


O QUE É TRAIR?

Escutar  um delírio:  som musical que  pode  ser  terrível,  ou não.   Música embriaga   até corações  enrijecidos. Não  busque fórmulas, protocolos, cifras. Saia  de  si. Pense  contra  si.  A forma-psiquiatria não tem dono. Ela  é   dona de  nós  cegos  no momento de desembrulhar  um caso  difícil.  Tratar  além   do feijão  com arroz, tão  fácil, ainda  mais  se   o feijão com arroz  for  fabricado  em série. Instituir   a contra-instituição sem binarismos  não é  fácil, sabemos.  Chegar ao não-lugar da  traição incessante.  A coisa toda vem do  século  XIX.  É  uma  fraude cuidadosamente preparada  em  pequenos  frascos. Todos acreditam. Um dia, ele  entra  no consultório  e  senta-se  na cadeira  do paciente. Não  se trata  de uma “inversão de papéis” ao  jeito  do psicodrama. Isso seria  impossível e por  demais  humanístico. Trata-se da   desordem  infiltrada no  tecido   da    ordem asséptica. O psiquiatra é o paciente que  resiste ao funcionamento linear da  entrevista. Pergunta  se  há  consciência. Não  há. Descobre  que o cérebro  é uma instituição instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia  solilóquios  fugidios. A essa  altura, se  rompem  identidades. Escutar  o delírio é olhar as vozes e  ouvir o tempo  que  não passa... e já passou. Trair é  inventar.
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Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

DIA DA LUTA


quinta-feira, 17 de maio de 2012

SABERES ÓRFÂOS

A psicopatologia, descolada da psiquiatria, passa a ter vida própria. Uma psicopatologia órfã. Dizê-la e fazê-la requer sobretudo criar condições para o pensamento. Não fazer refletir, mas fazer pensar a saúde mental ao mesmo tempo com e sem as categorias psiquiátricas. Deixar-se levar  num paradoxo enunciativo vindo do mundo das psicoses. A clínica da diferença começa com as psicoses e, daí, com a quebra das significações dominantes. O que fazer dos enunciados psiquiátricos encharcados da moral e que, ao mesmo tempo, prestam serviços ao paciente em situações-limite? diria  o bom senso das instituições. Ora, já que a psicopatologia tornou-se órfã, ela se constitui como um saber menor, uma minoridade. Ou seja, um saber  sem modelo identitário, não regido pelos significantes psiquiátricos.

Antonio Moura - do livro Linhas da diferença em psicopatologia

CRIATIVIDADE EM DELEUZE


ÉTICA DO ENCONTRO

O Encontro  é essencial  para a construção  da clínica, mas  dela  se  separa como superfície a-significante num campo  livre para  experimentações. Constitui-se  como  um sistema  aberto    Dessa perspectiva, ir ao  paciente, chegar ao  paciente não  é chegar à  pessoa   do  paciente, mas a tudo que envolve a pessoa, dissolvendo-a em partículas mínimas, até  mesmo  invisíveis.  A concepção transferencial da psicanálise, bem  como a da consciênciaintencional da  fenomenologia  (adotada por várias  linhas  psicoterápicas), não  dão conta  do encontro  como  um  “para  além”.Mesmo  que teóricamente  falem  de  um bom encontro,   essas  concepções    sustentam outra coisa, atadas que  estão  à dimensão egóica, mental, personalística  do  paciente. Isso  produz  um território  afetivo  que   justifica  e  referenda    uma Forma. Cria-se  um circuito  de  realimentação  incessante para que  o terapeuta cada  vez  mais acredite  no objeto e  nos objetivos  do seu  trabalho. Isto sem falar na demanda do Mercado:  mais  e mais  psicoterapeutas  para  tamponar a angústia dos tempos que correm. Maus encontros  que  devem se tornar  bons encontros,  desde  que obedeçam  às  regras do  contrato “ fluxo de  sintomas—fluxo  de palavras---fluxo de dinheiro e prestígio”. Parece impossível  deixar  de  situar a possibilidade  do  encontro  no  âmbito das  relações  capitalistas  de  produção, não  só  da vida  material, mas  da  vida subjetiva.O mundo  em  que  vivemos  é  o mundo  do  capital em todas as  modalidades de  fetichização  da mercadoria. O eu é  uma  mercadoria  muito  útil para   aquisição de novas mercadorias  num circuito  automatizado  de  trocas: o  homem  médio consumidor de ordens implícitas.Falar “para  além” da  clínica,   é,  pois, falar  daquilo  que   escapa  aos  axiomas  do  funcionamento  capitalístico.  
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria