O QUE É TRAIR?
Escutar
um delírio: som musical que pode
ser terrível, ou não.
Música embriaga até corações
enrijecidos. Não busque fórmulas,
protocolos, cifras. Saia de si. Pense
contra si. A forma-psiquiatria não tem dono. Ela é dona
de nós
cegos no momento de desembrulhar um caso
difícil. Tratar além do feijão
com arroz, tão fácil, ainda mais
se o feijão com arroz for
fabricado em série.
Instituir a contra-instituição sem
binarismos não é fácil, sabemos. Chegar ao não-lugar da traição incessante. A coisa toda vem do século
XIX. É uma
fraude cuidadosamente preparada
em pequenos frascos. Todos acreditam. Um dia, ele entra
no consultório e senta-se
na cadeira do paciente. Não se trata
de uma “inversão de papéis” ao
jeito do psicodrama. Isso
seria impossível e por demais
humanístico. Trata-se da desordem infiltrada no
tecido da ordem
asséptica. O psiquiatra é o paciente
que resiste ao funcionamento linear
da entrevista. Pergunta se há consciência. Não há. Descobre
que o cérebro é uma instituição
instituída desde a forma de falar sozinho. Ensaia solilóquios fugidios. A essa altura, se
rompem identidades. Escutar o delírio é olhar as vozes e ouvir o tempo que não
passa... e já passou. Trair é inventar.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
Nenhum comentário:
Postar um comentário